Direito ao esquecimento: PMDF não divulga histórico de oficiais do 8/1
PMDF respondeu que não há documentos sobre histórico da alta cúpula, acusada por crimes de 8 de janeiro, “passíveis de serem reportados”
atualizado
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Por meio da Lei de Acesso à Informação, o Metrópoles solicitou à Polícia Militar do Distrito Federal (PMDF) o acesso a processos administrativos disciplinares (PADs) dos oficiais da corporação envolvidos em crimes relativos aos atos antidemocráticos de 8 de janeiro. O órgão, no entanto, respondeu que não existem documentos sobre o histórico da alta cúpula da corporação “passíveis de serem reportados”.
Para isso, a PMDF utiliza argumentos como o direito ao esquecimento, hipótese inconstitucional, e uma suposta falta de interesse coletivo sobre as ações dos policiais. Em fevereiro deste ano, por unanimidade, a primeira turma do Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu tornar réus sete oficiais da antiga cúpula da PMDF. Eles são suspeitos de omissão durante o 8 de janeiro do ano passado, quando as sedes dos Três Poderes foram invadidas e destruídas por golpistas.
Os militares chegaram a ser presos preventivamente após pedido da Procuradoria Geral da República (PGR). A denúncia apontava que os PMs teriam conspirado desde o ano anterior em favor de um levante popular pró-Bolsonaro e deixaram deliberadamente que os crimes fossem cometidos. Atualmente, os oficiais respondem em liberdade.
“Direito ao esquecimento”
“Considerando as hipóteses do direito ao esquecimento, cujas facetas se firmam na proteção da vida privada, na desvinculação de nome e imagem de situações desabonadoras pretéritas as quais, em razão do peso social atribuído, podem se transfigurar em verdadeiras penalidades vitalícias”, afirma a PMDF em resposta ao pedido de acesso aos dados, que não são confidenciais.
Em 2021, o Supremo Tribunal Federal (STF) concluiu que é incompatível com a Constituição Federal a ideia de um direito ao esquecimento que possibilite impedir, em razão da passagem do tempo, a divulgação de fatos ou dados verídicos em meios de comunicação.
A tese de repercussão geral firmada no julgamento ainda esclarece: “Eventuais excessos ou abusos no exercício da liberdade de expressão e de informação devem ser analisados caso a caso, a partir dos parâmetros constitucionais, especialmente os relativos à proteção da honra, da imagem, da privacidade e da personalidade em geral, e as expressas e específicas previsões legais nos âmbitos penal e cível”.
Durante o voto, Ricardo Lewandowski, então ministro do STF, apontou que a liberdade de expressão é um direito de capital importância, ligado ao exercício das franquias democráticas: “A humanidade, ainda que queira suprimir o passado, ainda é obrigada a revivê-lo”.
Rubens Beçak, professor associado da Universidade de São Paulo (USP), destaca a aplicação muito limitada do direito ao esquecimento e indica que a liberdade de informação só pode ser restringida em circunstâncias específicas, como a proteção de informações sensíveis que poderiam comprometer a segurança nacional ou a investigação de crimes.
“Não acho que caiba também que um agente público diga que a informação não é de interesse coletivo, porque ele é um agente público, ele está lá com um orçamento público, com uma função pública, em uma atuação pública”, acrescenta o especialista em direito constitucional.
O professor avalia a utilização do argumento, indicando que as explicações não são válidas neste contexto da solicitação de informações públicas: “Então, a Polícia Militar do DF pode até dizer se o direito de esquecimento é um valor ou não, mas ela argumentar com isso também não está correto”.
Prescrição e interesse coletivo
A resposta do corregedor-adjunto do Departamento de Controle e Correição da PMDF explica que não existe “pena de caráter perpétuo”, usando como base o artigo 5º da Constituição. A corporação também menciona a previsão da Lei nº 9.873/1999, que estabelece a prescrição em cinco anos da ação punitiva da administração pública federal.
A prescrição em processos administrativos é um instrumento jurídico que estabelece um prazo máximo para que a administração pública possa exercer o seu poder de polícia e aplicar penalidades a uma pessoa. Diante disso, há uma diferença para os processos que tiveram um resultado, seja a condenação ou absolvição.
Mas, conforme estabelece a Lei nº 9.873/1999, a abertura de um processo punitivo, seja ele administrativo ou penal, em regra, interrompe o prazo prescricional. Isso significa que, a partir da data da instauração do processo, o prazo para a prescrição é suspenso.
Para Beçak, não há muito sentido em relacionar a prescrição nos argumentos apontados: “Mesmo que estivesse prescrito e pode prescrever realmente, é um direito você ter informação que se passou em qualquer época presente e em qualquer época passada, você só não tem como saber o que vai estar no futuro, mas é um direito”.
Em relação ao argumento da PMDF de que alguns PADs “não merecem ser publicados”, o professor considera essa justificativa subjetiva e não plausível. Ele defende que o interesse público deve prevalecer e que, em condições normais, cabe à sociedade, e não à instituição policial, julgar a relevância da informação.
Outro ponto elencado pela corporação é de que a disponibilização dos processos não são exigidos em transparência ativa, quando há compartilhamento da informação de maneira direta e espontânea em sites ou espaços públicos.
O entendimento da Controladoria Geral da União (CGU), exposto na Nota Técnica Nº 2418/2023, os processos administrativos disciplinares são de acesso restrito enquanto estiverem em curso, mas, uma vez concluídos, passam a ser públicos, sem prejuízo da proteção das informações pessoais e legalmente sigilosas.
A norma ainda esclarece que a disponibilização da versão resumida do PAD não exclui o direito do cidadão de obtenção da íntegra desse processo, devendo-se, na resposta do pedido de acesso à informação, comunicar ao requerente a possibilidade de ser solicitado expressamente acesso à íntegra dos autos.
Esclarecimentos
Vale ressaltar que, em alguns casos, a PMDF respondeu que não existem PADs contra alguns oficiais, sem a ampla argumentação e a descrição de documentos “passíveis de serem reportados”.
Nos outros casos, o Metrópoles reforçou o questionamento para saber se, de fato, não há qualquer procedimento ou não existem apenas aqueles que o órgão considera desnecessário a divulgação. A corporação não respondeu.