Dinheiro vivo e e-mails: as evidências do esquema criminoso no BRB
Entre a documentação do MPF na denúncia entregue à Justiça, investigadores relatam apreensão de R$ 200 mil na casa de ex-diretor do banco
atualizado
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Registro de transações bancárias em tabelas, R$ 200 mil em espécie com tarja do Banco de Brasília (BRB) guardados em casa, anotações feitas à mão e troca de e-mails comprometedores. A denúncia contra 17 acusados de integrarem um suposto esquema de corrupção na instituição brasiliense, apresentada na quarta-feira (13/2) pelo Ministério Público Federal (MPF), traz farta documentação que reforça as suspeitas de investigadores.
Em 117 páginas, o MPF detalha evidências colhidas no âmbito da Operação Circus Maximus, que apura prejuízo de R$ 348 milhões ao BRB provocado por operações duvidodas. Segundo o Ministério Público Federal, a partir de 2015 – com o início do governo Rodrigo Rollemberg (PSB) –, houve o pagamento de R$ 40 milhões em propina para viabilizar os negócios hoje apurados pelas autoridades.
Os rastros da suposta organização criminosa foram encontrados após a realização de buscas e apreensões em residências e empresas; por meio de delações premiadas e em provas anexadas ao inquérito policial.
O MPF aponta que há “indícios fortes” de o líder do esquema ser o arrecadador de campanha de Rollemberg, Ricardo Peixoto Leal. Para que o nome dele não fosse exposto, o ex-conselheiro do BRB teria um laranja para “ocultar” dinheiro ilícito. De acordo com a denúncia, Adonis Assumpção – ex-diretor de Operações e Negócios do BRB Seguros – escondia R$ 200 mil em dinheiro em sua residência. O montante foi encontrado na data de sua prisão, 29 de janeiro, dia em que foi deflagrada a Circus Maximus.
Inicialmente, Adonis alegou que os valores seriam de uma negociação recente de cavalos e estavam em seu cofre porque tinha negociado os equinos havia pouco tempo. Na apreensão, no entanto, a quantia estava envolta em fitas do BRB destinadas ao uso interno da instituição. Havia, inclusive datas carimbadas com a movimentação. As tarjas apreendidas indicam que as cédulas, que somavam bolos de R$ 10 mil e R$ 5 mil, foram empacotadas entre os dias 15 e 21 de dezembro de 2015.
Veja foto dos lacres anexada à denúncia do MPF:
Ainda de acordo com o documento, as datas são compatíveis com os períodos de maior recebimento de valores por Ricardo Leal e seu grupo. Adonis, segundo o MPF, possui um extenso histórico de atuar conjuntamente na ocultação de valores em nome de Leal.
Contas na Suíça
Conforme revelado pelo Metrópoles em 7 de fevereiro, um dos delatores que subsidiaram a Operação Circus Maximus, Lúcio Bolonha Funaro afirmou que alguns bens de Leal e até mesmo “o produto dos delitos em operações financeiras ilícitas podem estar em nome ou sob a guarda de Adonis”.
Funaro revelou que Adonis seria o titular de uma conta no Credit Suisse. O operador financeiro, que admitiu transações ilegais com Leal e Adonis, frisou que os recursos estariam à disposição dos interesses de Leal. A conta teria sido batizada de “governador”. De acordo com o delator, Leal ainda utilizava outras duas contas no banco estrangeiro – cujos nomes seriam Patton e Freeze.
Posicionamento
Embora as contas na Suíça não sejam alvo, ao menos nesta fase, da Circus Maximus, os procuradores do MPF reforçam a ligação entre Adonis e Leal na denúncia apresentada à Justiça. Para os investigadores, os R$ 200 mil encontrados na residência do ex-diretor de Operações e Negócios do BRB Seguros seriam “recebidos a título de propinas por Ricardo Leal e seu grupo”.
Todos esses fatos demonstram um comportamento condizente com a confusão patrimonial destinada à ocultação e dissimulação de bens, ou seja, Adonis Assumpção manteve em sua guarda valores da organização criminosa pertencentes a ele e a Ricardo Leal, ocultando o dinheiro e dissimulando a sua origem a partir de declaração de posse de montantes em espécie no seu Imposto de Renda
Trecho da denúncia do MPF
Vasco, Leal, e-mails e nomeações
A peça do MPF enviada à 10ª Vara da Justiça Federal, em Brasília, detalha ainda as articulações entre os agentes públicos, financeiros e empresários acusados de participação nas supostas fraudes no BRB.
O documento reforça que houve a emissão de notas fiscais frias a fim de “branquear dinheiro em espécie acumulado, que não poderia entrar novamente no sistema legítimo sem uma base negocial com aparência de legitimidade”.
Além disso, foram anexadas à denúncia diversas trocas de e-mails com o envio de informações privilegiadas entre os acusados. Segundo o MPF, esses dados trariam ganhos financeiros ilícitos aos envolvidos. No rol das correspondências, há textos do ex-presidente do BRB Vasco Gonçalves, também denunciado na quarta-feira (13). Ele havia sido indicado para o cargo por Ricardo Leal.
Em um dos e-mails, datado de 6 de outubro de 2014, dia seguinte ao primeiro turno das eleições, Vasco Gonçalves enviou a Ricardo Leal o currículo dele e o do cunhado Marco Aurélio Monteiro de Castro. No dia anterior, Rollemberg e Jofran Frejat (PR) tinham acabado de avançar ao segundo turno. O mesmo documento eletrônico foi reencaminhado em 5 de dezembro, quando o socialista já havia sido eleito governador do DF. Um mês depois, Vasco Gonçalves, servidor do banco, foi anunciado presidente do BRB. Marco Aurélio acabou assumindo a Diretoria de Controle do banco.
Veja o e-mail anexado à denúncia do MPF:
Ainda em novembro de 2014, outro e-mail foi enviado por Vasco Gonçalves a Ricardo Leal. Dessa vez, o pedido foi para acomodar a mulher dele na estrutura do GDF.
“Ricardo, curriculum da minha esposa, que é concursada de nível superior do DF, já trabalhou na Secretaria da Criança e hoje está na Secretaria de Desenvolvimento Social. Se puder aproveitá-la em alguma subsecretaria, como a de Assistência Social. Abraço, Vasco Gonçalves”, diz a correspondência.
Para os procuradores do MPF, Ricardo Leal tinha influência “sólida” no governo e era visto como um “portal de desejos”, uma vez que recebia solicitações para colocar pessoas em órgãos do GDF antes mesmo de Rollemberg tomar posse.
Veja:
Empreendimentos suspeitos
Os prejuízos causados ao BRB, segundo o MPF, são decorrentes de ao menos duas operações suspeitas do banco: investimentos no LSH Lifestyle hotel (antigo Trump Hotel), na Barra da Tijuca, Rio de Janeiro; e no complexo Praça Capital, no DF, localizado no Setor de Indústria e Abastecimento (SIA) de Brasília, às margens da EPTG.
Com base nas diligências do MPF, as práticas criminosas começaram em 2014, e a organização se manteve em atividade até mesmo durante a deflagração da Operação Circus Maximus.
“Nesse contexto, as apurações que resultaram na presente denúncia se concentraram nas dissimulações mediante o pagamento de propinas que justificaram os investimentos em, pelo menos, dois empreendimentos: o FIP LSH (relacionando ao antigo Trump Hotel) e o FII SIA (relacionado ao empreendimento Praça Capital, desenvolvido pela Odebrecht Realizações e pela Brasal Incorporações)”, informa o MPF.
Além dos dois empreendimentos que embasaram as denúncias, a recuperação financeira do jornal Correio Braziliense também é citada nas investigações. Com dificuldades de obter crédito no mercado por falta de garantias, o jornal se viu na dependência de uma operação de resgate que veio pelas mãos do governo Rollemberg. Reuniões registradas em atas tinham como objetivo encontrar uma solução para enquadrar o veículo de imprensa em uma classificação de risco capaz de sustentar um aporte financeiro para o qual eles não tinham lastro.
De acordo depoimentos de funcionários do BRB, usados na peça do MPF, Nilban Júnior, então diretor da BRB DTVM, e Henrique Leite teriam participado das negociações a respeito do LSH Lifestyle, do Praça Capital e do Correio Braziliense.
Uma empregada do banco relatou que Nilban e o ex-presidente Vasco Gonçalves “fizeram pressão para aquisição de debêntures do Correio Braziliense”. Vasco, segundo o MPF, apesar de não estar inserido na estrutura da BRB DTVM, que é subsidiária da holding BRB, mantinha interesse direto nos três empreendimentos.
Durante o cumprimento de mandados na Circus Maximus, foram apreendidas anotações na mesa de Vasco com o nome do jornal.
Veja:
Denúncia à Justiça Federal
A peça do MPF encaminhada à 10ª Vara de Justiça solicita que os agentes públicos, empresários e agentes financeiros autônomos investigados respondam por crimes contra o sistema financeiro, corrupção, lavagem de dinheiro, gestão temerária, entre outros.
O Ministério Público Federal pediu que a Justiça receba a denúncia, com a citação dos acusados para o devido processo penal e oitiva das testemunhas e colaboradores, observando-se o teor de seus acordos de colaboração premiada.
Os procuradores querem além da condenação dos envolvidos, o confisco de valores, bem como indenização correspondente ao triplo das quantias desviadas por cada um, a fim de cobrir os danos materiais, morais e sociais causados pelo prejuízo e pela corrupção no BRB.
Confira a íntegra da denúncia:
Denúncia Circus Maximus by on Scribd
O outro lado
Por meio de nota, o Banco de Brasília informou que “colabora integralmente com todas as autoridades competentes”. “O BRB está adotando todas as medidas judiciais cabíveis visando preservar o banco e suas controladas”, destacou.
Advogado de Vasco Gonçalves, Iuri Cavalcante Reis informou, também por meio de nota, que a denúncia oferecida pelo Ministério Público Federal tem como fundamento “meras conjecturas e presunções”. “Será comprovado que o sr. Vasco não teve nenhuma participação nos fatos denunciados, os quais ocorreram no âmbito da empresa coligada denominada BRB DTVM e são anteriores a sua nomeação ao cargo de diretor-presidente do BRB”, ressaltou.
Os advogados Ticiano Figueiredo e Pedro Ivo Velloso, que fazem a defesa de Henrique Leite, disseram, por meio de nota, que “a denúncia está amparada em delações mentirosas e desprovidas de provas, que, portanto, devem ser desconsideradas pela Justiça”. “Não há qualquer dado concreto que indique a participação de Henrique Leite na prática de crime, a não ser a vontade dos delatores de se verem livres de suas penas”.
Após a deflagração da Circus Maximus, o Correio Braziliense argumentou que a emissão de debêntures citada pela decisão judicial “foi uma operação estruturada, que seguiu todas as regras do mercado financeiro”. O veículo informou ainda que irá procurar as autoridades para se colocar à disposição e esclarecer qualquer dúvida.
O Metrópoles tentou contato com a defesa dos outros citados, mas não obteve retorno.