Dia das Mães: quando elas combatem o coronavírus e a saudade da família
Na data, mulheres à frente da luta contra o Covid-19 falam sobre a importância dos cuidados, de se fazer presente e reforçar laços de afeto
atualizado
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O Dia das Mães de 2020 ganhou novos significados em tempos de pandemia do novo coronavírus. Em muitas famílias, as comemorações mais calorosas vão ficar para depois. Em outras, além disso, a preocupação se transforma em orgulho. São profissionais da saúde e da segurança lotadas na capital da República que estão à frente do combate à Covid-19.
Elas relataram ao Metrópoles como é ser mãe durante o período de isolamento social e em uma situação tão particular. Falaram sobre as dificuldades e as manobras para driblar a carência dos familiares nos momentos de afeto.
Essas profissionais sofrem como outras nessa data, quando o aconchego, beijos e abraços apertados não podem fazer parte da celebração no presente. E mães e filhos precisam se reinventar para estar juntos.
Algumas tiveram que se afastar dos filhos e de outros familiares durante a quarentena para protegê-los do risco de contágio. Em condição de filhas, também fizeram isso pelas mães idosas, parte do grupo de risco da doença.
Esta é a primeira vez em que a data será experimentada a distância da mãe pela enfermeira do Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Samu) Glicia Taiane Guedes de Oliveira, de 33 anos. A profissional tem um filho, o pequeno Daniel Guedes, de 2 anos e 11 meses, com Transtorno do Espectro Autista (TEA).
Ela conta que há cerca de dois meses, assim que as medidas de distanciamento social entraram em vigor no DF, precisou tomar a difícil decisão de se manter distante das pessoas que mais ama.
“Eu mandei o Daniel para a casa dos meus pais e ficamos longe por aproximadamente quatro semanas. Não tivemos qualquer contato nesse período. Foi muito difícil lidar com a saudade”, lembra.
Ela não parou de trabalhar em nenhum momento. “Não tinha como assegurar se eu estava tendo ou não contato com pacientes infectados pelo coronavírus.”
Como a situação do isolamento social se prolongou, já que os pais de Glicia estão no grupo de risco, ela resolveu trazer Daniel novamente para casa. Agora, conta com a ajuda da babá para cuidar do filho.
“Não estamos tendo contato com os avós dele. Nunca ficamos tanto tempo separados dos meus pais. Esse Dia das Mães será o primeiro sem festejar com a minha mãe. Só eu e Daniel”, lamenta a enfermeira.
“Com o meu filho, eu tento explicar o momento que estamos passando e tomamos todos os cuidados em relação às regras de isolamento, inclusive dentro de casa. Mantemos as medidas de higienização e uso da máscara de proteção facial”, enumera Glicia.
Ela conta que não tem como evitar a aproximação com uma criança tão pequena. “Mas, pela nossa segurança, procurei diminuir os beijos e abraços. Torcemos para logo, logo, tudo isso acabar”, acrescenta.
Veja o depoimento da enfermeira:
Sem afeto
No dia 14 de março, foram mais demorados os beijos e os abraços de despedida entre a técnica de enfermagem do Hospital de Base do Distrito Federal Alana Barreira (foto de destaque), 36, no marido, na bisavó e nos filhos Pedro Henrique, 6, e João Vitor, 2.
Nem neste domingo em que se celebra o Dia das Mães, eles estarão juntos. Alana faz parte do grupo de médicos e enfermeiros que, por amor, não voltam para casa após o expediente de trabalho.
Lidando diariamente com infectados e para preservar os parentes, ela está isolada deles. “No momento em que aconteceu a pandemia, optei por distanciamento familiar”.
Alana tem dois filhos e moram com a bisavó paterna. A idosa faz tratamento de câncer de pulmão e está no grupo de risco.
“Viver separado dos meus filhos é a parte mais difícil do confinamento porque a saudade é muito grande. Procuro suprir a minha falta no meu trabalho: me dedicando ao bem e levando o apoio a quem precisa de mim neste momento”, desabafa a enfermeira.
Em 2020, a alternativa para a data não passar batida vem da tecnologia.
“Meu Dia das Mães este ano vai ser muito diferente porque faremos através de videochamadas. Todos eles estarão juntos e eu estarei no hospital trabalhando. A minha expectativa é boa. Mesmo com a distância vou poder vê-los e vamos conversar. Ao mesmo tempo que recebo esse carinho, também poderei ajudar quem precisa dos meus serviços”, conclui Alana.
Alana fala sobre a rotina durante o distanciamento familiar:
Longe da mãe e da filha
A terceiro-sargento do Corpo de Bombeiros Militar do Distrito Federal (CBMDF) Meriely Morie, 27, está lotada no 22º GBM (Sobradinho). Ela não vai comemorar a data ao lado da própria mãe ou da filha, Bianca Medeiros Gentil, de 2 anos. O motivo: estará de serviço neste domingo (10/05).
“Não vamos fazer nada. Nem com a minha pequena vou poder ficar. Como não verei a minha mãe, pretendo mandar uma cesta para a casa dela e fazer uma ligação, tentar amenizar a saudade e minimizar os efeitos do afastamento. Já é uma demonstração de amor e afeto”, conta.
A bombeiro comenta que o marido, Marcelo Gentil, 30, também é militar do Exército Brasileiro, e diz como os dois estão se virando para manter os cuidados com a garotinha dentro do lar.
“Infelizmente, a gente acaba colocando a nossa filha um pouco em risco. Estamos evitando abraços, ficar perto, comer com os mesmos pratos e talheres e beber no mesmo copo. É complicado com uma criança de apenas 2 anos”, conta.
E aponta uma das cenas mais frustrantes nos pequenos atos do dia a dia. “Quando a gente chega do serviço, ela vem correndo e estica os braços para abraçar. E não deixamos. Ela fica chateada”.
No entanto, a mãe fala que após dois meses de conversas, Bianca compreende melhor a situação.
“É difícil ser mãe estando na primeira linha de contato com a doença e tentamos nos precaver o máximo possível. Eu e o Marcelo explicamos muito e, agora, ela já sabe que estamos indo trabalhar e não pode chegar perto. A gente tenta driblar a proximidade promovendo brincadeiras em casa. Assim, a nossa filha esquece um pouco do contato físico”, explica.
“A gente trabalha rezando para não pegar nada e, caso seja infectado, que tenhamos todas as condições de nos tratar”, complementa.
Assista o vídeo de Meriely:
Infectologista
Mas o domingo não precisa ser só de saudades para quem trabalha na linha de frente. A preocupação do dia a dia da infectologista do Hospital Santa Lúcia Marli Rosane Sartori, por exemplo, será substituída por um respiro.
Ela é esposa do cardiologista Samuel Farias de Oliveira Pessoa. Ambos têm 39 anos. Como não são brasilienses e as famílias moram em outros estados, o Dia das Mães será comemorado somente entre eles e a filha, Gabriela Sartori de Oliveira Pessoa, de 4 anos.
A médica não se dedica somente aos pacientes. Também precisa se esforçar para vencer as complicações de conviver com as regras do distanciamento social e a criança dentro de casa, já que ela e o marido são médicos. Como continuam trabalhando na quarentena, tiveram que manter a babá no serviço.
“A nossa ajudante tem carro e vem para o trabalho dirigindo. Tomamos esse cuidado também com ela para que não precise usar o transporte público e correr o risco da contaminação. Disponibilizamos máscaras de tecido e oriento o uso do álcool em gel. Eu e o Samuel também realizamos todos os cuidados com a desinfecção de roupas e objetos, ao retornar para casa. Tem dado certo”, afirma Marli.
Aos fins de semana, a especialista fica sobreaviso no hospital, caso seja solicitada. “Vamos passar o domingo em casa, preparando algo gostoso para comer e brincando com Gabi. Com a sogra e a mãe, pretendemos fazer a interação por videochamadas.”
Ainda segundo a médica, é importante reforçar a questão do isolamento social.
“O isolamento é um ato de solidariedade com todo o mundo, não só entre os familiares. Mas é momentâneo, tudo vai melhorar, ainda que não exista uma perspectiva clara de tempo para isso acontecer. Percebemos que as crianças sofrem mais. Gabi entende que não pode abraçar e sair de casa porque o coronavírus está na rua. A gente fica com peninha, mas é uma medida necessária”, diz a infectologista.
Veja o depoimento da infectologista Marli para a reportagem:
PMDF
“Nós temos receio. Como trabalhamos em contato com outras pessoas, tomamos cuidado sempre e usamos máscara durante o trabalho para evitar a contaminação”, afirma a soldado da Polícia Militar do Distrito Federal (PMDF) Vanessa Reis, 30.
Ela atua no 9º Batalhão da PM (Gama). A aflição no coração é por causa da filha. Vanessa é casada com o também policial Cleiton Pereira de Lima, cabo do 3º BPM (Asa Norte), e é mãe de Antonella dos Reis Lima, de 2 anos. “Fico preocupada pelo perigo de sermos vetores e transmitirmos alguma coisa para ela”, explica.
A preocupação é de mãe e profissional. Por isso, quando os pais voltam para casa, todos os dias, antes de abraçar uns aos outros, eles vão para uma área reservada, tiram as roupas e as colocam de molho antes de lavar. “Buscamos seguir os protocolos”, observa, cuidadosa.
Vanessa e Cleiton se organizaram para que a rotina dos dois não se choque. Assim, Antonella permanece em casa com eles e não precisa ir para a casa dos avós, que estão no grupo de risco.
“Estamos fazendo muitas atividades com ela em casa e evitamos ter contato físico. Este ano, vamos passar o domingo das mães longe dos nossos parentes. Infelizmente, vai ter que ser assim: mandar o abraço virtualmente e um presente que seja entregue na porta da residência. Pretendemos posteriormente, reunir as famílias e comemorar com todos juntos”, pontua.