Dia das Mães: ex-detentas relatam desafios da maternidade após prisão
Mulheres enfrentam dificuldade aceitação social e estigma por terem sido presas. Atualmente, 62% das internas em presídios do DF são mães
atualizado
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Este será o primeiro Dia das Mães que Dandara da Silva Sousa Matos, 35 anos, passará longe dos cinco filhos. Após ser presa no ano passado, ela está atualmente em uma casa de acolhimento para reabilitação. Além da dificuldade da ressocialização, que já é comum para ex-detentas, mães como Dandara ainda precisam lidar diariamente com os desafios da maternidade que surgem após deixarem o cárcere.
Dandara relembra que em outubro de 2021 foi presa por tráfico interestadual de drogas. À época, ela chegou a ser solta, em audiência de custódia, após passar cinco dias detida. “Mas já afetou toda a minha vida, porque meu nome está sujo. Agora, consta que eu passei por um presídio, então qual a confiança que alguém vai ter em mim para me dar um emprego?”, diz.
“Eu fiz aquilo num momento de desespero [financeiro], mas como sou ré primária e colaborei com a polícia, fui liberada na audiência de custódia. Mas, eu sou uma mulher negra, uso o cabelo curto, então já existe um estigma, já não me contratam pelo físico. Agora, é ainda mais difícil. Eu gostaria de ter uma nova oportunidade, porque se não tivermos novas chances, vamos ter o quê?”, acrescenta ela.
Ela está há duas semanas na Casa Maria de Magdala, unidade da organização não governamental (ONG) Salve a Si, que acolhe mulheres com dependência química. A chácara fica no Núcleo Rural Nova Betânia, em São Sebastião.
Uma vez que as mulheres podem receber visitas apenas no último domingo do mês, Dandara passará o Dia das Mães longe dos filhos – um adolescente de 16 anos, uma menina, de 10, dois gêmeos, de 7, e um menino de 3.
“Eles agora estão com meus pais, em Samambaia Norte. Será meu primeiro Dia das Mães longe deles, mas eles sabem que a mãe precisa ser cuidada, que precisa se amar primeiro para a gente ter uma família unida de volta. Lógico que bate a saudade, o desespero, você se sente sozinha e desolada, mas é parte do processo”, comenta.
O processo de reabilitação na ONG pode durar de seis meses a um ano. Mesmo tendo ingressado na Casa Maria de Magdala há pouco tempo, Dandara já sabe o que quer fazer ao sair. “Eu gostaria de ser jornalista. Quero terminar o EJA [Educação de Jovens e Adultos] e estudar jornalismo”, deseja.
Força dos filhos
Na mesma unidade de acolhimento, outra mulher compartilha uma realidade parecida. Há cerca de 10 anos, Denise Maria Diogo dos Reis (foto em destaque), 42, foi presa acusada de ter participado de um roubo de carro, em São Sebastião, e de um assalto a uma farmácia, na Asa Sul. “Eu estava nas drogas e saí com três pessoas que tinham cometido esses crimes. Eu não participei, mas fui presa quando a polícia nos pegou”, afirma.
“Estávamos no carro quando a polícia pediu para a gente parar e o motorista não parou. Nisso, a polícia começou a atirar e eu levei um tiro nas costas. Os dois rapazes abandonaram o carro e ficou só eu e uma moça. Uma viatura que nos parou na BR me levou ao hospital. Eu fui atendida, me deram uma medicação, mas depois os policiais me jogaram na viatura e levaram para a delegacia. Fiquei com a bala alojada até hoje”, narra Denise.
Denise diz que passou 21 dias detida. “No dia seguinte, desci para a Colmeia [Penitenciária Feminina do DF]. Levou todo esse tempo para o processo chegar ao juiz. Quando chegou, fui colocada frente à frente com as vítimas e elas falaram que eu não estava no crime, e eu realmente não participei. Acabou que, mesmo sem ter passagem, estando baleada e não tendo cometido o assalto, eu fui presa”, acrescenta.
Alguns anos após deixar o presídio, Denise tornou-se mãe. Convivendo com a dificuldade de aceitação social por ser ex-presidiária e ainda tendo que criar as crianças, ela buscou se reerguer para cuidar dos filhos – uma menina de 4 anos e um menino de 6 – e foi quando conseguiu emprego como auxiliar de cozinha.
“Só que eu tive uma recaída. Eu deixava meus filhos com a minha mãe no início da noite e saía para usar drogas. Chegava de madrugada, 4h, 5h da manhã. Eu não estava em paz com aquilo, pensava muito nos meus filhos e foi quando decidi procurar ajuda, pois vi que eles sofriam com a minha ausência”, comenta.
Após seis meses de tratamento na Casa Maria de Magdala, Denise sente que venceu. “Eu terminei a reabilitação e depois, voltei para a ONG como monitora e estou aqui há um ano no cargo”, comemora.
“O que me fez voltar para a realidade da vida foi o amor dos meus filhos por mim”, completa.
De acordo com a Secretaria de Administração Penitenciária (Seape), os presídios do DF somam, atualmente, 520 mulheres detidas. Deste total, 322 são mães, o que representa 62%. Há ainda quatro internas grávidas e três lactantes.
Uma dessas presas é Deuzilene Ribeiro, 39, que usa uma tornozeleira eletrônica. A Justiça deixou a mulher ir para casa justamente para cuidar dos filhos que ainda não são independentes.
A interna teve seis crianças, quatro delas, hoje, são maiores de idade, com 18, 19, 24 e 25 anos; além disso, tem um filho com 5 anos e outro com 12. A mulher ainda assumiu a guarda de um sobrinho, também de 12 anos. Apesar de a Justiça deixá-la ficar em casa, a mulher relata uma rotina de desafios, especialmente os psicológicos.
“A rotina aqui fora chega a ser pior que no presídio. Lá dentro, sou obrigada a me adequar. Aqui fora, as crianças me veem com a tornozeleira eletrônica, as pessoas ficam sabendo e pensam qualquer coisa. O sofrimento é dobrado”, narra.
Segundo a mãe, a maior parte das mulheres presas cometeu crimes justamente para conseguir sustentar os filhos. “Quando se fala de mulheres presas, as pessoas pensam em vagabundas. A maior parte das mulheres presas está lá porque não teve alternativa”, resume.
Esse foi o caso da própria Deuzilene, que entrou no crime depois que o ex-companheiro foi preso e ela não tinha como sustentar a família. Assim, ela se associou ao marido dentro da prisão e atuou no tráfico de drogas, mas foi detida em 2019 e cumpriu oito meses na penitenciária feminina, até ser autorizada a ficar em casa. Agora, a detenta afirma que permanecerá nos limites da lei.
“Hoje, pro mundo do crime eu não voltaria. Não tenho essa vontade, estou tentando uma faculdade de psicologia para minha filha, tenho meu filho evangélico, não ganha bem mas está trabalhando e quero bolsa para o meu filho adolescente virar jovem aprendiz. Estou correndo para que ninguém diga que meus filhos foram pro crime por minha causa”, afirmou a mãe.
Deuzilene trabalha como auxiliar em uma escola de Ceilândia pela Fundação de Amparo ao Trabalhador Preso (Funap), instituição que visa contribuir para a reintegração de pessoas presas na sociedade. Apesar de ter esperanças no futuro, a auxiliar não vai comemorar o Dia das Mães.
“Desde que perdi minha mãe, há 5 anos, não comemoro. Essa era a data mais importante para ela, e todo mundo aqui em casa já sabe que é assim, comemoramos em outro dia”, afirmou.