DF registra 11 casos de violência patrimonial contra mulheres por dia
Números dizem respeito ao período de janeiro a março deste ano, segundo levantamento da Secretária de Segurança Pública do DF
atualizado
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Jovem, estudante e apaixonada. Maria* casou-se com o primeiro namorado no fim da adolescência. Com o tempo, no entanto, viu as promessas de amor se transformarem em agressões. Após finalmente conseguir libertação, descobriu no divórcio “o tamanho da maldade” do homem. Machucada e enganada pelo parceiro, a moça perdeu a casa, demais bens e precisou assumir a reponsabilidade solo de criar os filhos pequenos. Além das marcas deixadas no corpo, Maria também foi vítima do 3º maior tipo de violência cometido contra mulheres: a patrimonial.
“Por ter um cargo importante, meu ex-marido constantemente me diminuía e me atacava psicologicamente. Após ser covardemente agredida e quase virar estatística de feminicídio, finalmente pedi o divórcio”, relembra a vítima.
Diante da separação, Maria descobriu que o ex-marido havia pego a assinatura dela, afim prejudicá-la. “Através de uma procuração, ele passou todos os nossos bens para o nome dos pais dele. Eu perdi minha casa e tudo que tinha. Sofri muito e precisei morar em pensões de Brasília até me reerguer. Esse tipo de violência destrói, diminui, tira a nossa dignidade e até amor próprio”, recorda a mulher.
Casos nos quais a violência verbal evolui para agressão física são mais comuns do que parece. Apesar de tapas ou socos serem a primeira representação quando se trata de violência contra a mulher, não é apenas isso que define um relacionamento abusivo.
Silenciosa e quase invisível, a violência patrimonial está presente na maioria dos relatos de crimes relacionados a lei Maria da Penha no Distrito Federal. Este tipo de agressão ocorre de forma sutil e, na maior parte dos casos, não é suficiente para fazer a vítima procurar ajuda.
De acordo com o levantamento anual da Secretaria de Segurança Pública do Distrito Federal (SSP-DF), a violência caracterizada pelo controle financeiro e dos bens da mulher tem a terceira maior incidência na capital do país há quatro anos consecutivos, abaixo apenas da violência física e psicológica. Só no primeiro trimestre de 2022, 1.044 casos foram registrados no DF, o que equivale a 11 denúncias por dia.
Nas redes sociais, diversos relatos de internautas também chamam atenção para gravidade da agressão. “Nosso filho tem epilepsia e estava convulsionando. Ele não queria levar o menino no hospital porque era de madrugada e queria continuar dormindo. Fui até a garagem para tirar o carro e socorrer sozinha a criança. Ele então saiu, tomou a chave das minhas mãos com força e voltou para a cama. Eu tive que socorrer nosso filho de ônibus”, desabafou uma mulher no perfil “Mas ele nunca me bateu”, dedicado a denúncias de vítimas de violência doméstica, no Instagram.
De acordo com a psicóloga Luciana Lopes, por reconhecer apenas a agressão física como violência doméstica, a vítima demora um pouco para identificar a violência patrimonial. A especialista ressalta que pessoas expostas a esse crime podem sofrer consequências como transtorno de estresse pós-traumático, dificuldades ligadas à sexualidade, ansiedade, síndrome do pânico, distúrbios do sono, confusão mental, entre outros.
“A violência patrimonial parte do controle e da humilhação que podem chegar à agressão física. Por isso é importante estar atento aos sinais. Se o seu parceiro destrói seus bens materiais, objetos pessoais ou de trabalho, se utiliza o dinheiro para te chantagear, troca suas senhas de banco sem a sua permissão, controla cartão de crédito e o seu acesso a um automóvel ou ao celular, por exemplo, você está sendo vítima deste tipo de violência e precisa que algo seja feito. Procure socorro”, aconselha a psicóloga.
Procurar por ajuda foi o que levou Alice* a colocar fim na relação abusiva a qual estava. Ao Metrópoles, a jovem contou que conheceu o ex-companheiro pelas redes sociais. Segundo ela, desde o início o relacionamento era conturbado. Por 10 meses o homem a agredia psicologicamente, escondia as chaves de casa para ela não sair, a impedia de utilizar o próprio carro, controlava o uso do celular, entre outros. Certo dia, ela chegou a ser violentada após negar ter relação sexual, momento em que conseguiu forças para denunciar o criminoso.
“Além de controlar meus bens, ele também me impedia de ver meus pais, excluía números do meu celular e frequentemente ia ao meu trabalho para me vigiar. Só consegui me livrar de tudo depois que uma tragédia aconteceu. Ele me estuprou e ainda fez registros do crime. Meu corpo ficou cheio de hematomas e marcas de mordida. Nesse momento chamei a polícia e eles me ajudaram. Até hoje carrego sequelas de tudo o que passei”, relatou a mulher.
A jovem contou, ainda, que chegou a pedir ajuda antes da agressão física, mas foi calada pela própria sociedade. “As pessoas me perguntavam se eu não estava exagerando, que não era bem assim e tentavam me desacreditar. Eu me sentia presa e não tinha apoio. Eu estava na posição de ter que provar ter sido agredida. Hoje sou uma pessoa desconfiada e não consigo me relacionar com ninguém. Mas sei que ter encontrado força para denunciar, mesmo com medo, mudou minha vida. Esse é o primeiro passo”, ressaltou.
Lei Maria da Penha
De acordo com a lei Maria da Penha, de nº 11.340, a violência patrimonial é “entendida como qualquer conduta que configure retenção, subtração, destruição parcial ou total de seus objetos, instrumentos de trabalho, documentos pessoais, bens, valores e direitos ou recursos econômicos, incluindo os destinados a satisfazer as necessidades da mulher”.
Segundo a advogada Marília Mesquita Araújo, violências como essa sempre vêm acompanhadas de outros tipos de agressões. Por isso, ao menor sinal, é imprescindível a denúncia.
“Vivemos em uma sociedade machista que preserva a imagem do homem como abastecedor do lar conjugal, o que dificulta ainda mais a compreensão da própria vítima. Apesar disso, a lei estabelece medidas protetivas com relação à violência patrimonial, dentre elas, ordens judiciais que restitui a vítima bens indevidamente subtraídos pelo agressor (a). Situações em que a vítima outorga procuração ao parceiro, o juízo pode suspender liminarmente a eficácia do ato, vetando ações e negócios que possam prejudicar a mulher. Seja qual for a violência, no entanto, a denúncia é a única solução”, pontua.
Segundo especialistas, na maioria das vezes as vítimas de violência patrimonial são mulheres que não possuem renda. Em geral, são aquelas responsáveis pelas tarefas domésticas do lar. Quando o parceiro é o principal provedor da família, “sente-se no direito” de controlá-la, bem como seus gastos e os gastos com a casa.
Confira a seguir o que configura violência patrimonial:
Sinal Vermelho
O projeto aprovado pelo Congresso, em 2021, também assegura em lei a campanha Sinal Vermelho contra a Violência Doméstica.
A iniciativa estabelece um protocolo para a mulher que sofre qualquer tipo de violência denunciar em segurança. A campanha sugere que a vítima faça um “X” em vermelho na palma da mão e mostre, discretamente, a atendentes de farmácias, órgãos públicos e agências bancárias. Nesse caso, os funcionários são orientados a acionar imediatamente a polícia para acolhimento da vítima.
Pela proposta aprovada, os poderes Executivo e Judiciário, o Ministério Público, a Defensoria Pública e órgãos de segurança podem atuar junto a entidades privadas para a promoção do programa – permitindo, portanto, o convênio de outras empresas além das farmácias, como hotéis, mercados, repartições públicas e outros.