DF: jovem transexual de 15 anos consegue mudar o nome no documento
Processo na Justiça teve o acompanhamento da Defensoria Pública. Decisão anterior do STF não contemplava adolescentes
atualizado
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Janaína* nasceu Alexandre*, mas se identifica com o gênero feminino e utiliza outro nome social. Mais do que isso, agora, a adolescente transexual de 15 anos, moradora de Santa Maria, conseguiu mudar o nome e o gênero em seus documentos. O processo corre em segredo de Justiça. Por isso, os nomes são fictícios.
A jovem obteve o direito por meio de uma ação judicial apresentada pelo Núcleo de Defesa dos Direitos Humanos da Defensoria Pública do Distrito Federal (NDH/DPDF). Após a distribuição do processo na Justiça, o caso foi encaminhado ao Núcleo de Assistência Jurídica (NAJ) de Santa Maria, onde ela reside.
Antes de buscar o apoio da Defensoria Pública, a jovem era acompanhada pelo Centro de Referência em Assistência Social da Diversidade Sexual, Racial e Religiosa (Creas da Diversidade), em 2017, e pelo Centro de Referência, Pesquisa, Capacitação e Atenção ao Adolescente em Família (Adolescentro). Para a defensora pública e integrante do grupo de trabalho LGBTI do NDH, Karoline Leal, o caso de Janaína* foi muito emblemático, porque “ela já chegou com uma certeza muito clara sobre o que queria”.
Relatório médico
Para consolidar o pedido, o defensor público e coordenador do NAJ de Santa Maria, Rafael Lemos do Rego, apresentou um relatório emitido por um médico da Secretaria de Saúde do Distrito Federal (SES). O documento atesta que a alteração de nome e gênero facilitaria a inclusão da menor à sociedade de maneira menos traumática.
Lemos destacou que, “em Santa Maria, o processo seguiu os trâmites regulares, com apresentação de parecer psicossocial e laudo médico, além da opinião favorável do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT). Quanto ao mérito do pedido, a alteração do nome e do registro civil assegura a Janaína* o bem-estar social e concretiza o direito a felicidade, já reconhecido pelo Supremo Tribunal Federal (STF)”.
Baseado em princípios
O juiz da 2ª Vara Cível, de Família e de Órfãos e Sucessões de Santa Maria concordou com os argumentos da Defensoria Pública e baseou a decisão não só em dispositivos legais mas também em princípios.
Segundo o magistrado, “possibilitar a alteração de nome do sexo/gênero no registro civil não apenas preservaria a segurança jurídica (…) dos princípios da publicidade e da veracidade registral, mas principalmente alcançaria a finalidade (…) para assegurar no plano real a dignidade da pessoa, evitando (…) constrangimentos na vida civil e qualquer tipo de atentado ao direito existencial”.
A defensora pública Karoline Leal, que deu início ao processo de Janaína, explicou que a retificação de nome e gênero feita administrativamente em cartório só pode ocorrer para pessoas maiores de idade. A decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), na ADI 4275, não contemplou menores de idade. Logo, essas pessoas precisam ajuizar uma ação para conseguir a alteração no registro.
Cautela
Karoline Leal esclarece que a questão da identidade de gênero de crianças e adolescentes deve ser sempre administrada com muita cautela. “Descobertas são naturais da adolescência. Então, às vezes, a própria condição de pessoa em desenvolvimento causa uma série de dúvidas e desconfortos. Mas isso não significa, de jeito nenhum, que vamos desconsiderar a vontade do adolescente. Ele é sujeito de direitos. Mas a gente sempre olha com um cuidado adicional”, pontua.
Segundo os defensores públicos do NDH, após a decisão do STF acontece um movimento de progressão de direitos da população LGBTI. “Agora as pessoas estão buscando mais o acesso ao direito à saúde, à hormonioterapia, por exemplo. Percebemos essa progressão numa escalada de ascensão de direitos”, explica Karoline.
“É muito comum que as pessoas trans nunca tenham acessado um hospital, exatamente pelo medo de serem maltratadas, hostilizadas. Mudar o nome e o gênero é algo basilar na fruição de direitos”, diz a defensora pública. “A retificação de nome e gênero gera inclusão”, conta.
“Temos diversos casos de adolescentes que deixaram a escola por causa de preconceito, por conta da dificuldade do uso de banheiro, porque, como não tinham o documento retificado, os dirigentes das escolas se apegavam ao sexo biológico e acabavam gerando um constrangimento muito grande a pessoas”, destaca Karoline Leal. (Com informações da Defensoria pública do DF)