DF é o novo lar dos refugiados que chegam ao Brasil
Somente este ano, 3.516 expatriados escolheram ficar em Brasília, 41% do total dos que desembarcaram no país
atualizado
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Todos os dias, o sírio Samir (nome fictício, pois ele prefere não se identificar) acorda antes mesmo do nascer do sol, se posiciona em direção à Meca e ora com o Corão nas mãos. Ele repete o ato mais quatro vezes ao longo do dia. Sua prece preferida é a que pede ao deus Alá para afastar o mau olhado de sua família.
Mas a rotina de Samir, tão comum aos islâmicos, é diferente da de seus conterrâneos. Em vez de viver em um dos prédios da cor de ocre que refletem o sol escaldante do Oriente Médio, o sírio mora em um edifício na Asa Sul.
O Distrito Federal é o endereço escolhido pela maioria dos refugiados que desembarcam no Brasil. De acordo com o Comitê Nacional para os Refugiados (Conare), o país recebeu até agosto deste ano 8.530 pessoas. E 3.516 deles transformaram a capital do Brasil em um novo lar. Ou seja, 41,2% dos refugiados ficaram na capital.
“Além de estarem mais próximo do governo federal do que em outras cidades, os brasilienses são receptivos a novos moradores”, explica Rosita Milesi, diretora do Instituto Migrações e Direitos Humanos (IMDH). O órgão recebe e orienta os imigrantes no DF, além de oferecer assistência. Em 2014, chegaram 7.662 imigrantes no Brasil – 11% a menos de 2015.
Trata-se da maior população de refugiados reconhecidos no Brasil em toda sua história.
Beto Vasconcelos, presidente da Conare
Perdas e ganhos
Depois de ver de perto a loja de roupas femininas que comandava em Damasco, capital da Síria, explodir após o lançamento de um míssil, Samir decidiu que ele, sua esposa e seus três filhos mereciam um futuro diferente e melhor. “O coração bate forte pela minha mãe e por meus familiares que ficaram por lá, mas não tinha condições de permanecer naquele lugar”, diz.
Ele economizou US$ 15 mil e conseguiu autorização para desembarcar em junho do ano passado em Florianópolis (SC). Um mês depois, pegou um ônibus até Brasília e por aqui ficou. “Apesar das pessoas serem mais fechadas, fomos muito bem recebidos”, afirma. Hoje, o sírio e a mulher trabalham num restaurante, enquanto os filhos vão à escola pública.
São pessoas em uma situação muito peculiar em relação ao que encontramos em outros anos. Eles precisam mesmo da nossa ajuda.
Rosita Milesi, diretora do IMDH
Samir faz parte do grupo de refugiados que recebeu um olhar diferenciado do Ministério das Relações Exteriores (MRE), que passou a conceder vistos especiais por causa da guerra civil que atingiu a Síria. Não à toa, o Brasil recebeu somente neste ano 2.097 sírios, a nacionalidade com maior número de imigrantes no país.
Superação
Porém, a capital de todos os brasileiros abriga também pessoas de outras zonas de conflito. É o caso de Loida Barrabi, 46 anos, e Guilhermo Viton, 62, cubanos que chegaram aqui em 2009 como meros turistas acompanhados da filha Laura, 24. Assim que saiu do aeroporto, a família se dirigiu à Polícia Federal e lá pediu refúgio.
Enquanto viviam na ilha caribenha, Loida trabalhava como vendedora de frutas e Guilhermo já havia sido preso três vezes por ter ideias contrárias ao governo dos irmãos Castro. “Em Cuba não havia a menor possibilidade de prosperarmos. Aqui isso foi possível”, conta ela. Com a ajuda de amigos cubanos que já moravam em Brasília conseguiram montar o restaurante “Laura” (de comida brasileira, diga-se de passagem), que funciona há quatro anos no Riacho Fundo I.
E a filha, que emprestou o nome ao empreendimento, se tornou pesquisadora no Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e mora sozinha em um apartamento do Plano Piloto.
Em busca de conquistas
O refugiado é todo aquele que se desloca para o outro país com o objetivo de escapar de qualquer perseguição motivada por política, religião, raça e nacionalidade. Quando dá sinal verde para que o migrante permaneça em seu território, o país concede um visto de permanência provisória, permitindo que o Ministério do Trabalho emita uma carteira profissional para o interessado poder arranjar emprego.
Mas, para conseguir o Registro Nacional de Estrangeiro (RNE), que possibilita a obtenção de um passaporte brasileiro, a burocracia é grande e muitas vezes nem sempre resolve. É o caso do iraquiano Ahmed, 60, que vive no DF desde 2003, construiu sua própria loja de conveniência em 2004 no Grande Colorado, em Sobradinho, e, até hoje, não pode visitar sua terra natal. “Tenho medo de ir e não me deixarem voltar, já que não tenho documento brasileiro”, explica.
A vontade de visitar o país depois de tantos anos se deu após perceber que alguns amigos seus estão passando por dificuldades por causa do Estado Islâmico. A guerra que o afastou de Bagdá e matou sua única filha, além de pais e irmãos, era outra, mas a dor de ver seu país sendo destruído novamente fez com que a ferida voltasse a abrir. “Queria dizer a eles para não desistirem e tentarem a vida em outros lugares. É possível”, receita.