DF corre risco de se tornar paraíso de cibercriminosos internacionais
Segundo policiais federais, legislação branda tem atraído bandidos. Goiás, Maranhão e Ceará também concentram esse tipo de crime no país
atualizado
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A prisão de um israelense morador de Brasília durante megaoperação internacional da Polícia Federal e do FBI (o Departamento Federal de Investigação dos Estados Unidos) contra crimes cibernéticos, na última segunda-feira (06/05/2019), expôs uma realidade preocupante na capital do país. De acordo com investigadores, o DF pode virar um oásis para criminosos virtuais, devido às legislações frágeis e às lacunas jurídicas do país.
Segundo o Metrópoles apurou com policiais da Polícia Federal, além do DF, estados que apresentam a maior concentração de cibercriminosos brasileiros e estrangeiros são Goiás, Pará, Maranhão e Ceará. No caso da capital, há um “atrativo” a mais: a localização, pois está no centro do território e possui um dos aeroportos mais movimentados do Brasil.
Os policiais federais ouvidos pela reportagem, que pediram para terem os nomes preservados, chamam atenção para o crescimento dos crimes cibernéticos no país, principalmente os relacionados à fraude bancária, capazes de causar danos no mundo inteiro devido à comercialização dos mais variados dados na deep web e na dark web – camada da internet que não pode ser acessada por meio de mecanismos de busca comuns, como o Google.
Apesar do êxito nas investigações da PF e dos resultados reconhecidos internacionalmente, obstáculos legais e estruturais ainda são um desafio para a repressão aos crimes cibernéticos no Brasil. Segundo os investigadores, o país tem se tornado um “paraíso de criminosos cibernéticos”, em referência aos “paraísos fiscais”.
Atualmente, nações desenvolvidas investem na repressão e têm legislações específicas, detalhadas e com penas altas. Em junho de 2017, por exemplo, o tribunal de Nova York manteve a decisão de uma juíza de primeiro grau que condenou um réu acusado de crime cibernético à prisão perpétua. Ross Ulbrith operava um mercado negro na dark web atuando na compra e na venda de drogas, documentos falsos e lavagem de dinheiro.
No último domingo (05/05/2019), um dia antes da prisão do morador do DF, as Forças de Defesa de Israel (IDF) explodiram um prédio localizado na Faixa de Gaza. O local abrigava uma equipe de hackers voltada para desestabilizar o espaço cibernético do país.
Israel e Estados Unidos são nações que investem pesado no combate a esses crimes. O FBI hoje conta com 1,2 mil agentes que apuram exclusivamente os cibercrimes. No Brasil, entretanto, a Polícia Federal possui uma estrutura enxuta e não dispõe de delegacias especializadas nas superintendências regionais. O que, segundo os investigadores que atuam nos casos, diminui a celeridade e a efetividade no enfrentamento a esse tipo de infração.
Apesar das limitações, a PF tem atuado com força no combate aos cibercriminosos, como Tal Prihar. O israelense, de 37 anos, mantinha uma vida confortável e discreta. Vivia com a mulher, também israelense, e seus quatro filhos em uma casa do Lago Sul, na QL 22.
A residência, conforme o Metrópoles revelou, é a mesma em que o ex-ministro José Dirceu morava em 2015, quando foi preso pela PF, após ser condenado no mensalão. A filha mais nova do casal nasceu no Brasil. A família mora no mesmo endereço há cerca de um ano.
Prihar coordenou mais de 40 mil transações de vendas ilícitas de armas, drogas e material de pornografia infantil diretamente de um local estratégico: perto de embaixadas e do Aeroporto Internacional de Brasília. O israelense escolheu a região administrativa mais segura da capital para viver com a família.
Além de ter a renda domiciliar média de R$ 23.591, o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) do Lago Sul chega a ser maior do que o da Suíça, que tem o terceiro maior IDH do mundo. Em 2015, o IDH do país europeu chegou a 0,930 – número considerado muito alto pela Organização das Nações Unidas (ONU). No Lago Sul, no mesmo período, o índice foi de 0,933.
A investigação – que contou com cooperação internacional entre as polícias dos Estados Unidos e do Brasil, por meio da Polícia Federal – constatou que Tal Prihar e outros israelenses operavam desde 2013 administrando o site DeepDotWeb.com. Ele utilizava o portal para praticar crimes, como tráfico de drogas e armas, contrabando e lavagem de dinheiro.
O israelense era uma espécie de agente facilitador, que mediava o contato entre usuários e fornecedores. Quando as vendas de produtos ilícitos era fechada, ele recebia uma “comissão” em forma de moeda virtual, o bitcoin. A atividade clandestina permitiu que Prihar acumulasse ao menos US$ 15 milhões da criptomoeda.
O site abastecido por ele e seu comparsa israelense Michael Phan, preso em Israel, também ensinava os meios “seguros” de comprar produtos e drogas on-line. Eram oferecidos links de fornecedores e centenas de tutoriais para os consumidores navegarem anonimamente.
Confira imagens do site criado pelo morador de Brasília:
Além dos negócios obscuros, o morador do DF abriu uma empresa de marketing em Brasília. O endereço da firma é o mesmo que o residencial. A atividade da instituição ainda é investigada pela Polícia Federal, uma vez que a empresa pode ter sido usada como uma forma de lavar o dinheiro obtido com o crime. As investigações constataram que o estrangeiro estava na fase de converter as moedas virtuais em dinheiro real.
Tal Prihar foi alvo da PF pela primeira vez em 27 de dezembro de 2018. Com ordem judicial, os policiais entraram na casa e localizaram R$ 1 milhão em espécie (moeda estrangeira e reais) e apreendeu diversos equipamentos, que estavam ligados e sendo utilizados pelo criminoso no momento da investida policial. Na última segunda (06/05/2019), mais R$ 200 mil foram localizados na residência.
Ao Metrópoles, investigadores relataram que ele parecia não se importar com o dinheiro levado, mas demonstrou nervosismo quanto à apreensão dos equipamentos. Após prestar esclarecimentos, foi liberado e, no dia seguinte, passou a fazer diversas transações na sua carteira de moeda virtual. Também voltou a alimentar o site.
Desde então, continuou sendo monitorado, até ser preso na última segunda-feira (06/05/2019), em Paris. No dia seguinte, o procurador-geral do estado da Pensilvânia (EUA), Scott W. Brady, comentou a operação que levou Prihar à prisão.
“Essa é a ação mais significativa da história contra a dark web. A Procuradoria-Geral dos EUA usou todo o seu conhecimento cibernético para atacar a venda de opioides. Esse caso significa o primeiro ataque à grande estrutura que apoia e promove a venda de drogas”, disse.
O procurador-geral assistente Brian Benczkowski, da Divisão Criminal do Departamento de Justiça dos EUA, disse que “esse excelente trabalho nos permitiu penetrar nessas redes criminosas supostamente anônimas, e aqueles que as usaram para cometerem crimes serão responsabilizados, independentemente de onde morem ou como tentam esconder suas identidades”.
Repressão
Em Brasília, o caso ficou aos cuidados de policiais federais dos grupos da Unidade de Repressão a Crimes de Ódio e Pornografia Infantil (Urcop), do Grupo Permanente de Análise (GPA) e da Unidade de Tecnologia e Capacitação (UTC) subordinados ao Serviço de Repressão a Crimes Cibernéticos (SRCC) e à Coordenação-geral de Polícia Fazendária. Os investigadores usaram de altíssima tecnologia, em conjunto com o FBI.
Segundo o agente especial do FBI Robert Jones, sites como DeepDotWeb são ameaças globais, e são necessárias parcerias internacionais para fechá-los. “Os esforços feitos por todas as agências investigadoras do mundo mandam a mensagem de que nós estamos indo atrás dos operadores desses sites perigosos”, completou Jones.
Segundo o diretor assistente do FBI, Robert Johnson, os criminosos acreditavam que poderiam se esconder em meio às mensagens criptografadas. Esse caso demonstra que a polícia é capaz de localizar e prender. “Trabalhamos em conjunto com polícias de diversos países para investigar atividades nefastas e fechar sites como o DeepDotWeb”, disse.
Legislação
Ao longo de 20 anos, projetos de lei que definem os cibercrimes foram apresentados no Congresso Nacional, e muitos acabaram arquivados. O PLS nº 89/2003 entrou em discussão no Senado e, em 2012, após nove anos de debate, a proposta foi aprovada e transformada na Lei Ordinária nº 12.735/2012.
Porém, dos 23 artigos apresentados, apenas dois foram mantidos. A norma tipifica “condutas realizadas mediante uso de sistema eletrônico, digital ou similares, que sejam praticadas contra sistemas informatizados e similares”.
A Lei Carolina Dieckmann, de 2012, detalha sobre a tipificação criminal dos delitos informáticos. As alterações no Código Penal foram feitas após a atriz global ser vítima de crackers, que invadiram o computador dela e divulgaram fotos íntimas. A rapidez na aprovação, no entanto, deixou lacunas.
A lei não define, de forma clara, o que é “invadir um dispositivo informático”. A norma, embora tenha sido reconhecida como um avanço, sofreu críticas por parte de doutrinadores. Uma das principais reclamações diz respeito à falta de punições duras, uma vez que a pena para quem comete esse tipo de crime é de um a três anos de prisão, além de multa, o que o qualifica como crime de menor potencial ofensivo.
E é com base exatamente na pena que os investigadores enfrentam outro obstáculo. Por ser considerado crime leve, não é possível solicitar, por exemplo, interceptações, o que dificulta a investigação que depende da quebra de sigilo de dados.
Camada obscura
Os dados que percorrem a rede mundial de computadores vão além do que é mostrado nas ferramentas de busca. Muito do que não aparece nos resultados de busca, desde arquivos científicos, livros raros ou até mesmo novos vírus, estão presente na deep web.
Uma das formas mais comuns de se navegar em parte da deep web é a feita pelo navegador Tor, que dificulta a embaralha a identificação dos computadores ao acessarem determinado conteúdo. O site foi criado pela Marinha dos Estados Unidos em 1996 e é mantido, atualmente, por voluntários pelo mundo.