DF: com pais em casa, violência contra crianças e adolescentes aumenta 18%
Durante o isolamento social imposto pela pandemia, o Distrito Federal registrou 8.907 queixas de violação a direitos de meninas e meninos
atualizado
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Uma denúncia a cada 10 minutos. Foi com essa frequência que a Coordenação de Sistema de Denúncias de Violações de Direitos de Crianças e Adolescentes (Cisdeca) e os conselhos tutelares do Distrito Federal receberam, entre os dias 23 de março e 19 de maio, casos a serem investigados. O número total é de 8.907 queixas e representa aumento de 17,65% com relação ao mesmo período do ano passado, acendendo alerta para quem trabalha na área.
Por violações, a Secretaria de Justiça e Cidadania (Sejus) considera casos de maus-tratos, negligência, violência física, psicológica, sexual, entre outras. Isso significa que o DF teve 153 denúncias de alguma dessas infrações por dia e seis delas por hora durante os 58 dias avaliados.
O Disque 100, do Governo Federal, também possui dados que reforçam a vulnerabilidade de crianças e adolescentes. Em 55% das denúncias recebidas nesse canal, as vítimas têm entre 0 e 18 anos. Os casos mais comuns de violação são negligência e violência psicológica, física e sexual, sendo que 52% acontecem na casa da vítima e 58% das vezes os pais são suspeitos.
Hessley Santos, conselheiro tutelar em Santa Maria, conta que é nítido o crescimento de queixas de possíveis maus-tratos e violência contra meninas e meninos brasilienses. “A denúncia feita por vizinhos e outras pessoas de fora de casa subiu bastante. A incidência de casos com certeza aumentou”, diz.
O que chama mais a atenção de Hessley, no entanto, é que esse número subiu mesmo com as aulas suspensas durante o período de isolamento social. “Normalmente, são as próprias crianças que chegam para professores, diretores, e contam o que acontece”, explica.
Realidade pior
Por esse motivo, apesar de o número ser alto, o conselheiro não descarta que a realidade seja ainda pior. “A violação de direitos da criança e do adolescente é muito velada. Acreditamos que as aulas on-line devem trazer ainda mais notificações, e estamos buscando meios para conseguir atendê-las”, projeta.
O meio que a conselheira Francisca Alves, de Sobradinho II, achou para manter as pessoas denunciando foi espalhar cartazes por toda a cidade com números que funcionam como canais diretos com a Cisdeca e até mesmo dar orientação pelo celular pessoal. “A pessoa chega e me conta. Prefere fazer isso a ligar em um número fixo. Eu tomo nota e repasso para nosso administrativo”, detalha.
A conselheira Joana D’arc Fernandes, de Planaltina, lembra que o principal caminho que precisa ser tomado é o da conscientização. “Essa orientação é muito importante. Eu mesma sempre compartilho em todas as redes sociais a necessidade da denúncia”, diz.
Segundo ela, essa época de confinamento foi propícia para o recebimento de acusações. “Pegamos casos de maus-tratos, supostos abusos. As demandas continuam aparecendo”, pontua.
Casos
Uma servidora da Saúde que preferiu não se identificar contou ao Metrópoles quais casos mais chamaram a atenção dela durante a pandemia. “Apareceu uma criança aqui com doença venérea, teve outro caso de assédio de padrasto com enteada. Tudo isso repassamos ao conselho tutelar”, revela.
Outra situação que chamou a atenção da servidora foi a reincidência de infecção urinária em uma garota ainda muito jovem. “Pode ser um problema renal, mas pode ser outra coisa. Sabemos que outras pessoas da família foram dormir lá e isso tudo precisa ser averiguado”, ressalta a profissional da Saúde.
Contexto atípico
A especialista em direito da família Renata Gonçalves e Silva acredita que, de fato, o contexto atípico da pandemia pode refletir na convivência dentro dos lares.
A maior parte dessas violações é perpetrada por pessoas próximas à vítima e a maioria delas acontece no ambiente doméstico. Com todos dentro de casa, essas situações podem aumentar, a exemplo de como ocorre com a violência doméstica
Renata Gonçalves e Silva, especialista em direito de família
Ainda segundo ela, a suspeita é de que, em casa, longe da escola, muitas crianças estejam mais expostas a situações de abuso e exploração sexual, geralmente praticadas por padrastos, pai, mãe, tio, avós e vizinhos.
“A preocupação também deve vir com os números pós-pandemia. Quando as crianças voltarem às escolas e creches, como estarão essas denúncias?”, questiona a especialista.
Ela explica que a escola é o primeiro lugar onde a criança começa a estabelecer relações fora do âmbito familiar, sentindo-se um sujeito social. “É nesse espaço em que também consegue expressar e vocalizar transtornos e incômodos gerados por situações que está vivendo. Talvez essa violação de direitos seja ainda maior”, avalia Renata.
Conselhos reabertos
A Sejus diz estar atenta para o aumento das violações de direitos contra crianças e adolescentes durante a pandemia da Covid-19. Por esse motivo, foi determinada a reabertura dos conselhos tutelares, na terça-feira (09/06).
De acordo com decreto assinado pelo governador Ibaneis Rocha (MDB), o atendimento ao público é das 12h às 18h, de segunda a sexta-feira, assim como o Centro 18 de Maio. As unidades de Ceilândia e Estrutural não devem funcionar para o atendimento presencial por causa das medidas restritivas nessas cidades.
Outra ação da pasta é a campanha “A proteção de crianças e adolescentes é dever de todos. Não seja cúmplice. Denuncie!”. De acordo com a secretária Marcela Passamani, é papel da Sejus fazer essa orientação.
“Todas as pessoas devem ficar alertas: vizinhos, familiares e amigos para identificar qualquer caso suspeito. É a partir da denúncia que o Estado pode agir para retirar uma criança ou adolescente da situação de violência e aplicar as medidas de proteção às vítimas e de responsabilização dos agressores”, ressalta.
O atendimento será feito em regime de plantão e sobreaviso por meio da Coordenação do Sistema de Denúncias de Violação de Direitos da Criança e do Adolescente, nos telefones 3213-0657, 3213-0763, 3213-0766, do Disque 100 ou por e-mail: cisdeca@sejus.df.gov.br.
Colaborou Nathália Cardim