DF: após greve, metroviários vendem até roupas para pagar contas
Categoria tem salário descontado pela Companhia do Metropolitano por paralisação de 77 dias
atualizado
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Três meses após protagonizarem a maior greve da história da categoria no Distrito Federal, servidores da Companhia do Metropolitano (Metrô-DF) ainda sentem o impacto da paralisação que durou 77 dias. Amparada por liminar do Tribunal Superior do Trabalho (TST), a empresa promove descontos nos salários dos metroviários desde julho, quando terminou o ato. As reduções nos vencimentos, no entanto, têm preocupado os trabalhadores, que começaram o mês de outubro no vermelho.
Com os descontos, a maioria dos trabalhadores tem recorrido a empréstimos bancários para quitar as dívidas ao final do mês. Outros não conseguem realizar o procedimento por problemas no contracheque.
É o caso de Marciana Meiry Rodrigues (foto em destaque). Mãe de uma filha pequena, a servidora disse não ter recebido nada nos últimos três meses. “Está horrível, estou precisando reduzir todos os custos. Fora isso, tenho prestações atrasadas e não posso fazer empréstimo, porque não tenho contracheque.”
Desesperada, a funcionária quer vender seu carro para aliviar o bolso. “Eu penso nisso [em vender o carro], pois já estou com a mensalidade da escola da minha filha atrasada. Mas aí eu lembro: ‘Como vou ir trabalhar?’. Eles [o Metrô-DF] não estão pagando nem o dinheiro do transporte, ou seja, não tenho nem como ir de ônibus”, reclama.
Com medo de retaliações, um metroviário de 28 anos que não quis ser identificado disse ter vendido objetos pessoais para conseguir pagar as contas. “Vendi tênis, roupa e perfume para poder dar um jeito. Moro em um apartamento da Octogonal que já está com as prestações atrasadas. Tenho muito medo de ser despejado. Com esse dinheiro, eu ainda ajudo nas contas dos meus pais, que moram na Estrutural”, contou.
Em entrevista ao Metrópoles, um segurança do Metrô-DF sob condição de anonimato alega ter desenvolvido crise de ansiedade por causa da situação financeira. “Nem a alimentação estamos recebendo. Estou com esposa grávida, esperando meu primeiro filho, e não recebi nada. Esse afastamento [por problemas médicos] me salvou, pois não precisei ir ao trabalho. Do contrário, estaria pagando para trabalhar.”
Na casa de Renata Campos, o Dia das Crianças deste sábado (12/10/2019) será comemorado sem brinquedos. “Eu estou sem salário há três meses. Vivo da ajuda de parentes, mas não tenho como honrar as contas do fim do mês. Sou mãe de seis filhos, e as crianças sentem emocionalmente todo esse processo”, relatou a representante do Sindicato dos Trabalhadores em Empresas de Transportes Metroviários do Distrito Federal (SindMetrô-DF).
Procurada pela reportagem, a Companhia do Metropolitano defendeu que “os descontos efetuados referentes aos dias parados tiveram como base legal os artigos 7º da Lei 7.783, de 1989, e o 6º da Lei 605, de 1949, bem como decisão do Tribunal Superior do Trabalho”.
Segundo a empresa, considerando que há suspensão do contrato de trabalho durante a greve, “não há direito ao recebimento de nenhuma verba remuneratória, inclusive de descansos semanais remunerados”. “Desse modo, não há que se questionar a legalidade dos descontos”, finalizou o Metrô em nota.
A empresa informou ainda que não pode de efetuar o pagamento dos salários dos empregados que estão afastados das atividades para desempenhar cargo no Sindmetrô, uma vez que não há Acordo Coletivo de Trabalho (ACT) vigente. “Duas diretoras do sindicato citadas, Renata Campos e Marciana Meiry Rodrigues, assim como outros cinco empregados, decidiram dedicar-se exclusivamente ao sindicato, deixando de trabalhar pelo Metrô-DF. Por isso, seus contratos estão suspensos, em licença não remunerada, conforme documento em anexo. Para recebem os salários novamente é preciso que voltem ao trabalho”, ressaltou em nota.
Impasses
O drama vivido pela categoria parece longe de um desfecho. Nessa segunda-feira (07/10/2019), os servidores cobraram do Metrô-DF o cumprimento de sentença normativa deferida pelo Tribunal Regional do Trabalho da 10ª Região (TRT-10). A decisão assegura o retorno de todos os benefícios perdidos com a extinção do acordo coletivo de trabalho (ACT) da categoria, cuja validade estava expirada e suspensa pelo Tribunal Superior do Trabalho.
Ao ser questionada durante a audiência na 19ª Vara do Trabalho do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios (TJDFT), a empresa confirmou que “não vem cumprindo a sentença normativa”, por entender que a decisão foi suspensa pelo TST. Entre os benefícios não pagos pela companhia estão plano de saúde, utilização de valores antes empenhados para pagamento de vale-alimentação e salários dos dirigentes sindicais.
Diante do posicionamento da companhia, a juíza Solyamar Dayse Neiva Soares, do TJDFT, deu 48 horas para que a defesa do SindMetrô-DF respondesse ao tribunal – prazo que se encerrou nessa quarta-feira (09/10/2019).
Após a manifestação da entidade, será a vez de o Ministério Público do Trabalho (MPT) se posicionar sobre o imbróglio, que perdura desde 20 de agosto. O órgão, então, terá mais 48 horas para a manifestação, o que se encerra nesta sexta-feira (11/10/2019). Ou seja, é mais provável que a decisão não saia nesta semana.
Os imbróglios perduram desde 29 de junho, quando o TST derrubou liminares do TRT e cassou o ACT – vencido e pendente de renovação – dos metroviários, além de autorizar o governo a cortar o ponto dos grevistas. A categoria permaneceu parada durante 77 dias, a maior greve da história do Metrô-DF. Durante a paralisação, não houve acordo entre governo e empregados. A empresa pública não aceitou a renovação do ACT por dois anos e propôs a extensão dele apenas até 2020.
O movimento foi marcado por uma guerra de sentenças nos tribunais trabalhistas. Na decisão de 20 de agosto, o governador do DF, Ibaneis Rocha (MDB), havia recorrido a uma determinação do TST que autorizava o corte dos salários. “Greve com pagamento de salário é férias remuneradas, e isso eu não admito”, disparou o emedebista, na ocasião.