DF: 70% dos casos de intolerância são contra religiões de matriz africana
Segundo especialistas, discriminação trilha junto com o caminho do racismo. Religiões cristãs não representam nem 10% das ocorrências
atualizado
Compartilhar notícia
O preconceito enfrentado diariamente por seguidores de religiões de matriz africana se reflete em números. Das 55 ocorrências criminais tipificadas como intolerância religiosa registradas de janeiro de 2018 a abril de 2022, na Polícia Civil do Distrito Federal (PCDF), 70,9% são relacionadas a ofensas dirigidas a fiéis de ritos africanos. No entanto, o número ainda é considerado subnotificado, segundo especialistas, e esconde o verdadeiro tamanho do problema.
Para uma das maiores lideranças do candomblé no Distrito Federal, a yalorixá Mãe Baiana de Oyá, a discriminação trilha junto ao caminho do racismo. Para se ter noção, no período analisado pela reportagem, religiões cristãs, como o catolicismo e vertentes evangélicas, juntas, somam seis ocorrências policiais, contra 39 de matriz africana. O espiritismo kardecista teve seis denúncias. Religiões não informadas, quatro.
“Isso é racismo religioso, institucional, preconceito. Uma mistura de tudo isso. A gente sofre diversos ataques”, lamenta a líder. “A gente prega a paz, o amor e a consideração ao nosso povo. Nós temos acolhimento para dar a quem bate na nossa porta com fome e sede. A gente desempenha um papel social”, diz Mãe Baiana.
Ranking de ocorrências:
Na visão do psicanalista e historiador Fred Tomé, a intolerância surge em virtude de uma criminalização imposta por parte da sociedade. “Essa perseguição está associada a sua criminalização. Uma ideia de bem contra o mal, bastante alimentada pelo discurso evangélico que cresce a cada eleição, fazendo mais votos”, defende.
O presidente da Federação de Umbanda e Candomblé de Brasília e Entorno, Rafael Moreira, entende que o principal caminho para uma convivência harmônica é a manutenção de políticas públicas junto ao governo. “A gente vem tentando atuar junto ao governo para a diminuição desses casos”, informa.
“A Federação tem quase 2 mil terreiros afiliados; 90% deles são em residência, onde desmonta a sala ou a área e toca. Alguns vizinhos acabam discriminando com ataques de pedras ou verbais. Somos irmãos de fé. A minha religião não é pior que a dele e nem a dele pior que a minha. O mal está no ser humano e não na religião. Quem faz o mal é o ser humano”, expõe Rafael.
Para a delegada Ângela Maria, titular da Delegacia Especial de Repressão aos Crimes por Discriminação Racial, Religiosa ou por Orientação Sexual ou Contra a Pessoa Idosa ou com Deficiência (Decrin), os dados apresentados representam subnotificação.
“Sempre tem a subnotificação”, alerta. “As pessoas acham que não vai dar em nada, não confia na instituição, têm vergonha de vir. São vários fatores que fazem com que a subnotificação continue”.
Ângela explica que a delegacia tem o papel de proteger a vítima. “A Decrin atua de uma forma que chamamos de investigação protetiva, com foco na vítima e em não revitimizar a pessoa que nos procura. Geralmente, a pessoa que sofre intolerância religiosa, em casos de matriz africana, está ligada ao racismo, por, em maior parcela, ser praticada por pessoas negras”, revela.
Além disso, a Polícia Civil trabalha com “uma escuta ativa”, aponta a delegada. “Precisamos entender o que é considerado sagrado para aquela pessoa. Quem ofende ou profana aquilo, está enquadrada dentro da discriminação religiosa”, pontua.
Outro ponto é a prevenção, que, de acordo com Ângela, tem sido reforçada por meio de palestras e seminários. “Capacitando outros policias para que eles conseguiam compreender essas particularidades da investigação, pois é diferente, para que eles não revitimizem essas pessoas que nos procuram”, explica.
Sobre um número expressivo de casos em 2019, a policial entende que a divulgação da Decrin naquele período teve um papel determinante. “Tivemos muitas campanhas e divulgação da delegacia. A partir do momento que as pessoas tem conhecimento da delegacia, elas começam a relatar mais. Elas se sentem mais seguras”.
“É muito importante denunciar, pois o estado vai saber o que está acontecendo de fato e produzir politicas públicas mais eficazes no combate desse tipo de crime. Precisamos saber onde estão acontecendo, quais são as religiões que mais sofrem”, cobra a delegada.
Serviço
A Decrin funciona de segunda a sexta-feira, das 12h às 19h, no Complexo da Polícia Civil do DF (PCDF), no Parque da Cidade. Outro meio para denúncia é a ocorrência eletrônica, denúncia anônima, no telefone 197, ou, por fim, na delegacia mais próxima. “Todas as DPs têm uma sessão especializada”, finaliza Ângela.