Detentos que trabalham em órgãos do DF reclamam de atraso em benefício
Secretaria de Saúde não repassa recursos à Funap há dois meses. Problemas de comunicação também causam atrasos em outros órgãos
atualizado
Compartilhar notícia
Os empregos oferecidos pela Fundação de Amparo ao Trabalhador Preso (Funap) a internos do sistema prisional do DF representam uma oportunidade de recomeço para os apenados. No entanto, o programa de reinserção dos detentos na sociedade tem apresentado uma falha grave. Frequentemente, as bolsas-auxílio são pagas com atraso, o que compromete o orçamento familiar dos que dependem do dinheiro.
É o caso de João (nome fictício), que cumpre pena em regime aberto. Há seis anos, ele trabalha na lavanderia de um hospital público do DF, por meio de convênio com a Funap. Há dois meses, porém, não recebe o benefício. “Minha situação é muito difícil porque não consigo pagar a pensão das minhas duas filhas e meu nome está sujo. Além disso, fiquei com uma dívida enorme de aluguel”, afirma.
João é um dos 1,2 mil presos dos regimes semiaberto e aberto que trabalham em órgãos públicos e empresas privadas por meio da parceria com a Funap. Os detentos recebem auxílio que varia entre R$ 702,75 e R$ 1,2 mil, dependendo do cargo que ocupam e das qualificações que possuem, além de vales refeição e transporte. Ao todo, são 67 contratos firmados pela fundação com conveniados.Entre os órgãos públicos que têm convênio com a Funap, estão as administrações regionais de 11 cidades; as secretarias de Educação, Saúde, Planejamento, Segurança Pública, entre outros. Também participam órgãos governamentais como a Adasa, o Detran-DF e o Ibram. Fora do âmbito distrital, a Funap ainda tem convênio com o Supremo Tribunal Federal (STF), o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e o Tribunal Superior do Trabalho (TST).
O atraso no pagamento tem ocorrido em locais como a Secretaria de Saúde do DF. Desde 2011, a pasta conta com cerca de 300 detentos para trabalharem nas lavanderias dos hospitais públicos da capital.
De acordo com João, há débitos de até dois anos atrás. “No fim de 2014, nós também ficamos dois meses sem receber e, até agora, o dinheiro não saiu. O governo já disse que não vai pagar as dívidas da gestão anterior, então a gente fica sem saída”, lamenta.
A presidente da Associação de Familiares de Internos e Internas do Sistema Penitenciário do DF e Entorno (AFISP DFE), Alessandra Paes, afirma que as reclamações sobre atrasos nos benefícios são constantes. “As famílias sempre nos procuram para denunciar esses casos, mas infelizmente não podemos fazer muito. Vamos atrás de informações e conversamos com a Funap, mas nossas mãos ficam atadas”, explica.
A Secretaria de Saúde confirma as dívidas. De acordo com a pasta, os pagamentos de janeiro e fevereiro de 2017 estão atrasados. A pendência com a Funap relacionada ao período é de aproximadamente R$ 330 mil. Já a de 2014 soma R$ 270 mil. De acordo com a SES-DF, já há trâmite para pagamento da dívida mais antiga. A deste ano, deve ser quitada “quando houver disponibilidade financeira”.
Câmara Legislativa
Atrasos em repasses, no entanto, não são as únicas razões que atrapalham o pagamento dos apenados. Nos últimos três meses, os detentos que trabalham na Câmara Legislativa também receberam o benefício após o prazo estipulado. Segundo a Casa, o problema foi causado por um problema da própria Funap.
O contrato firmado entre a CLDF e a fundação prevê a contratação de três sentenciados para a prestação de serviços gerais, a um custo de R$ 2,26 mil por mês. O acordo, válido desde fevereiro do ano passado, se estende até janeiro de 2018. No entanto, os atrasos no pagamento têm ocorrido desde o início deste ano.
Os apenados que trabalham no local só receberam o benefício de janeiro no dia 3 de março. Já a nota para pagamento de fevereiro, que deveria chegar à CLDF no início do mês seguinte, foi entregue pela Funap à Divisão de Orçamento e Finanças e Contabilidade (DOFC) da Casa no dia 29 de março.
Questionada pelo Metrópoles sobre a demora, a fundação afirmou, em nota, que “o atraso na folha de pagamento dos reeducandos que exercem atividades laborais na Câmara Legislativa ocorreu devido a uma circunstância pontual na comunicação entre o setor da pasta que gerencia o contrato de trabalho e a Funap”.
Ainda de acordo com a entidade, “eventuais atrasos podem acontecer em função de procedimentos que não envolvem somente a Funap, mas que abrangem os órgãos e empresas conveniadas e seus respectivos setores responsáveis por gerenciar os contratos, seja no processo de repasse dos recursos à Funap ou em algum outra eventualidade, como falha de comunicação entre as partes. Para minimizar possíveis intercorrências na gestão dos contratos de trabalho dos reeducandos, a Funap procura otimizar seus procedimentos internos para tornar a comunicação com os órgãos parceiros mais eficaz”.
Reintegra Brasília
Os convênios entre a Funap e entidades públicas e privadas para a reinserção de presidiários no mercado de trabalho são firmados por meio do programa “Reintegra Brasília”, criado por decreto distrital em novembro de 2003.
Os apenados são escolhidos para a seleção de contratação por meio de alguns critérios pré-estabelecidos entre a Funap e as penitenciárias, como: antiguidade (quem está há mais tempo aguardando por vaga); se o detento possui alguma qualificação profissional; participação em projetos da penitenciária, como serviços voluntários; além da situação de vulnerabilidade social do detento (se tem filhos, se participa ou não de programas assistenciais de governo ou se é portador de deficiência).
Colaborou Suzano Almeida