Pragas e risco de queda: DF perde ao menos 38 árvores por dia
Até agosto, 9.321 árvores foram retiradas pela Novacap. Número, porém, pode ser maior. Queimadas e desmatamento não foram contabilizados
atualizado
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“Quanto mais árvores, maior será a evapotranspiração total realizada [em um local] – o que faz com que mais água seja enviada à atmosfera, minimizando o efeito local da seca”. A afirmativa, do biólogo e professor do Departamento de Engenharia Florestal da Universidade de Brasília (UnB) Reuber Brandão, foi dada ao Metrópoles um dia antes de o Distrito Federal registrar recorde histórico de seca e do dia mais quente do ano, com 36,9ºC , nessa sexta-feira (4/10). A capital completa, neste sábado (5/10), 165 dias sem chuvas.
Durante o período em que a estiagem castiga a unidade da Federação, 9.321 árvores foram suprimidas pela Companhia Urbanizadora da Nova Capital (Novacap) – o que corresponde a 38 unidades retiradas por dia. Os dados são de 2024, referentes aos meses de janeiro a agosto. Em 2023, segundo a pasta, ocorreram 13.297 supressões. Em 2022, 11.146 plantas foram perdidas. Ou seja, nos três anos, a Novacap eliminou 33.764 árvores da capital.
Todas essas supressões promovidas pela Novacap são feitas após minuciosos estudos para avaliar as condições das árvores. Todas, por motivos diversos, precisam ser removidas para evitar riscos à população. Quando isso ocorre, normalmente outras são plantadas no lugar.
No entanto, o que mais preocupa são aquelas arrancadas do solo e não registradas oficialmente. Nesses casos, normalmente a vegetação é eliminada por meio de ações de grileiros e outros que promovem queimadas criminosas.
De acordo com Reuber, que também é integrante das redes Biota Cerrado e Especialistas em Conservação da Natureza, quanto mais árvores existirem em uma região, menor será a sensação de calor. “A retirada de árvores num setor específico tem impacto microclimático. Então, dentro de cidades, as árvores ajudam a diminuir as ilhas de calor. Elas contribuem para a melhora da sensação de temperatura, além de prover um espaço de lazer, de relaxamento para a sociedade e de atrair e manter a fauna no local. […] Então, as ilhas de calor que aparecem dentro de uma localidade podem ser minimizadas pela presença dessas árvores”, declarou o docente.
À reportagem o Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet- DF) explicou que a evapotranspiração das árvores – água que sai das plantas para a atmosfera em forma de vapor d’água (umidade) – é parte responsável pela formação de nuvens e, consequentemente, a ocorrência das chuvas. “Local arborizado é, justamente, onde tem mais umidade. Principalmente porque as árvores liberam essa umidade. Exemplo da Amazônia, florestas, etc.”, declarou o instituto.
As supressões feitas pela Novacap ocorreram pelos seguintes motivos: “Diagnóstico como pragas ou doenças; árvores que oferecem riscos de queda iminente; árvores mortas; plantas invasoras que possam prejudicar a visibilidade das vias; arbustos que causam algum tipo de insegurança, entre outros”. A companhia também informou que “neste ano vem contemplando todas as regiões administrativas com cerca de 100 mil novas árvores de várias espécies”: “O plantio será reiniciado em outubro, com a chegada do período chuvoso e finalizado em dezembro”.
O Metrópoles indagou a companhia quanto à quantidade de árvores retiradas para a realização das diversas obras que ocorrem na unidade da Federação, mas a Novacap informou “não ter o detalhamento”.
Racismo ambiental
Uma imagem publicada em 2023 pelo ativista e mestre em planejamento urbano Raphael Sebba voltou a viralizar nas mídias sociais e levantou debates sobre arborização e segregação. A postagem contrasta a quantidade de áreas verdes no Sol Nascente — maior favela da América Latina, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) — e no Lago Sul, que, se fosse um município, teria a maior renda média por pessoa entre todas as cidades do Brasil.
Um ano depois, o Metrópoles sobrevoou endereços na Asa Sul, no Plano Piloto, e no Sol Nascente, em Ceilândia. O contraste de áreas verdes nas duas regiões é expressivo.
Veja:
- Asa Sul
- Sol Nascente
A reportagem questionou o Instituto de Meteorologia se as altas temperaturas do Distrito Federal podem ser sentidas de maneiras diferentes dependendo da região da unidade da Federação. Em resposta, o Inmet disse que áreas ou regiões com mais árvores apresentam sensação térmica mais amena, sim: “Sobretudo, quando se trata de grandes árvores que produzem sombras. No caso de vegetação rasteira, protege o solo de receber diretamente a radiação solar ao longo do dia”.
Segundo o professor Reuber Brandão, não há uma preocupação estatal com planejamento de áreas verdes em regiões consideradas mais pobres. “Racismo ambiental é um conceito complexo, que tem sido útil para explicar a maior exposição das populações mais pobres – não necessariamente de descendentes de povos escravizados – aos efeitos de mudanças climáticas. Mas é fato que não há preocupação com o estabelecimento de áreas verdes onde os moradores são de menor poder aquisitivo”, pontuou o especialista.
De acordo com o docente, se há mais árvores próximas às casas das pessoas, maior é a sensação de conforto térmico.
Queimadas e desmatamento
O incêndio no Parque Nacional de Brasília, maior unidade de conservação da capital, deixou a cidade coberta por fumaça. De janeiro a agosto deste ano, foram 8 mil hectares queimados no DF. Nos primeiros 18 dias do mês seguinte – setembro –, os incêndios de grandes proporções se espalharam de maneira assustadora e destruíram mais 10 mil hectares do Cerrado.
“Ainda não sabemos o impacto dos fogos que ocorreram este ano, mas certamente há diversas perdas em vidas de animais, afugentamento da fauna para fora do Parque, perda de ecossistemas onde ocorreram fogo subterrâneo, fora os impactos na saúde humana com a fumaça. […] Fogo mesmo só vai acabar quando essa gente [criminosos] conseguir queimar tudo”, desabafou Brandão.
Para o professor, a destruição da vegetação desenha um futuro difícil para a humanidade. “O que precisamos é torcer para que venham muitas chuvas para ajudar na regeneração da vegetação, contando com a resiliência do Cerrado. No entanto, as previsões climáticas do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC) e demais agências de monitoramento é que o futuro é de menos chuvas, estações chuvosas mais curtas e maiores temperaturas”, finalizou.
De acordo com o Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (IPAM), o Cerrado é o bioma que mais queimou no país nos últimos 39 anos. Ao todo, foram 88 milhões de hectares atingidos pelas chamas entre 1985 e 2023, uma média de 9,5 milhões de hectares por ano.
Segundo um painel do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), o desmatamento do Cerrado no Distrito Federal em 2023 (8,39 km²) foi o maior desde 2014, quando 20,37 km² da região foram perdidos.
Crime
A Polícia Civil do Distrito Federal (PCDF) informou que, qualquer caso de incêndio em vegetação será tratado, no mínimo, como crime com dolo eventual – quando se assume a responsabilidade sobre uma ação que possa, ocasionalmente, resultar em um delito, como ingerir bebida alcoólica e assumir a direção de veículo automotor, por exemplo.