Denúncias de importunação sexual contra médicos aumentam em média 48%
A polícia contabilizou, até julho deste ano, seis ocorrências de importunação sexual e mais duas de assédio registradas contra médicos no DF
atualizado
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A Polícia Civil do Distrito Federal (PCDF) contabilizou, nos primeiros sete meses deste ano, seis ocorrências de importunação sexual e mais duas de assédio sexual registradas contra médicos. Nos 12 meses de 2021 foram sete denúncias de importunação e nenhum de assédio.
Dessa forma, em 2022, a polícia recebeu, em média, 0,86 denúncias de importunação sexual contra médicos por mês. Já a média mensal de 2021 foi de 0,58 registros. Isso representa um aumento de 48%, em média, nos registros.
Em 2020, os números foram menores: quatro ocorrências de importunação e duas de assédio. Os dados foram obtidos via Lei de Acesso à Informação (LAI).
Veja os números detalhados:
Além dos dados registrados na Polícia Civil, a reportagem pediu ao Conselho Regional de Medicina do DF (CRM-DF) números notificados pelo órgão nos últimos anos. Em nota, o CRM disse que “foram instaurados 4 Processos Éticos Profissionais [por assédio sexual] de 2019 a 2022”. O processos correm em sigilo.
Subnotificação
A pesquisadora do Instituto de Psicologia da Universidade de Brasília (UnB) Liliany Souza estuda violência de gênero. Ela analisa que, atualmente, tem se falado mais sobre a temática e sobre situações relacionadas a crimes sexuais. “Isso tem tido mais visibilidade. E nós, seres humanos, temos muito essa questão de identificação. Se a pessoa vê um caso sendo noticiado, vê que estão surgindo novas vítimas, acaba se sentindo mais encorajada a denunciar aquilo também, a falar sobre isso”, comenta.
Para a doutoranda em psicologia clínica e cultura, esse maior conhecimento pode ser um dos fatores que explicam o aumento nas ocorrências. “A gente vê que só na metade deste ano já tem praticamente o mesmo número do ano passado todo. Acho que isso é resultado de uma mudança social e cultural. As pessoas têm falado mais sobre essas questões de gênero, o que gera impacto nas denúncias”, avalia.
Além disso, Liliany entende que os números dos anos anteriores podem ser menores também em razão da pandemia de Covid-19. “Nessa época havia mais dificuldade em fazer denúncia também. Então não é um fator que podemos desconsiderar.”
“Mas, acredito que mesmo com esse aumento, há uma subnotificação. É um tema que está sendo falado mais, as mulheres estão mais encorajadas a registrar boletim de ocorrência, mas não podemos esquecer que os crimes sexuais de forma geral são subnotificados. Então, com certeza, esse número não representa a realidade”, reforça.
Relação de hierarquia entre médico e paciente
Ainda segundo a pesquisadora, certas formas de violência de gênero ocorrem de maneira silenciosa. Quando se fala de uma relação entre médico e paciente, onde há uma hierarquia, é ainda mais difícil que vítimas entendam que estão sendo vítimas de alguma violência sexual quando é o caso.
“Querendo ou não, há uma relação hierárquica. A paciente chega de alguma forma vulnerável, pendente do saber daquela pessoa. Socialmente, já temos uma sociedade estruturada dentro do patriarcado. Em uma situação como essa, a diferença, pela posição que cada um ocupa, é ainda maior”, pontua Liliany.
Assim, ela comenta que, em casos em que há violência sexual de médico contra paciente, o profissional usa de sua posição hierárquica para cometer um crime de forma disfarçada, “exatamente para a paciente ficar na dúvida”.
“Quando ocorre qualquer tipo de assédio ou violência sexual, o primeiro pensamento que temos é de duvidar daquilo que esta acontecendo: ‘Será que estou entendendo errado?’ E não podemos esquecer que, quando estamos falando de crimes sexuais, sem ser os mais severos – como estupro –-, são coisas sutis, disfarçadas. Então, o médico está examinando o corpo daquela mulher e vai tocar em uma parte e fica aquela dúvida: ‘Será que ele está examinando ou está tocando de uma forma que não deveria?’ E, a partir do momento em que a vítima sente esse desconforto, pode ser que esteja havendo esse tipo de crime”, destaca a especialista.