Denunciados na Falso Negativo ignoravam preços acima do mercado, diz MPDFT
Em conversa interceptada pelos promotores, um dos investigados se mostra, inclusive, espantado com o preço salgado dos testes da Covid-19
atualizado
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Menores preços, produtos de melhor qualidade, melhores prazos ou condições. Nada disso importava aos investigados da Operação Falso Negativo na hora de escolher qual empresa seria declarada vencedora das licitações para compras de testes rápidos para detecção do novo coronavírus.
A informação consta em denúncia do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT) remetida à Justiça e obtida pelo Metrópoles.
Segundo os promotores do Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco), do MPDFT, todas as contratações ocorreram “sem qualquer justificativa plausível”, mesmo quando o correto seria declarar apenas uma vencedora: a que apresentou proposta de menor preço.
Uma das empresas citada na denúncia, por exemplo, foi mantida como fornecedora dos testes mesmo após ter descumprido com a entrega parcial de unidades no prazo estabelecido pela Secretaria de Saúde. Ao invés de romper com a concorrente, a pasta reabriu prazo para apresentação de novas propostas, dando nova chance à empresa.
Preços acima do mercado
Todas as quatro empresas contratadas em licitações diferentes apresentaram preços variando entre R$ 73 e R$ 160 para o mesmo modelo de teste de detecção de Covid-19. O fato, de acordo com os investigadores, mostra a despreocupação da cúpula da Secretaria da Saúde com o valor ofertado.
O material produzido pelo MPDFT afirma que os denunciados no âmbito da Operação Falso Negativo sabiam que o valor apresentado estava acima do cobrado no mercado e, mesmo assim, seguiram com a compra dos testes.
Esse é o tema de conversa entre o ex-secretário-adjunto de Gestão em Saúde, Eduardo Pojo, e Emmanuel de Oliveira Carneiro, ex-diretor de Aquisições Especiais da Secretaria de Saúde do DF.
No diálogo, Pojo questiona o valor para Carneiro, que responde dizendo que os testes custarão R$ 180 a unidade. O ex-secretário, então, responde com uma figurinha que representa espanto.
Confira no diálogo abaixo:
Como lucravam os investigados?
Ainda conforme consta na denúncia, os denunciados negociavam percentuais de superfaturamento em cima do valor unitário dos testes ou aditivos contratuais.
Em licitação vencida pela empresa PMH, Iohan Struck “salgou” o preço da unidade do teste rápido em 8%. A manobra teria permitido o desvio de R$ 3 milhões dos cofres públicos para os investigados.
Em mais um diálogo interceptado pelo MPDFT, Jorge Chamon negocia uma aditivação contratual de metade dos testes sem que houvesse qualquer respaldo técnico-científico. A conversa ocorre entre Chamon e Ricardo Tavares, ex-secretário-adjunto de Assistência à Saúde.
“Boa tarde, Jorge. Já alinhei com o Francisco, precisa solicitar o aditivo do teste rápido”, diz Tavares.
Chamon questiona de quanto seria o aditivo e Tavares, então, responde: “Deixa eu ver até quanto pode, porque acho que tem no contrato. Pera aí [sic]”. Ele retorna afirmando que o aumento será de 50%.
Veja a conversa:
A manobra autorizou a nota de empenho no valor de R$ 9.950.000 e, diante da dificuldade de disponibilidade orçamentária, viabilizou a liberação do montante com o Fundo de Saúde do Distrito Federal.
Confira quem foi denunciado pelo MPDFT à Justiça:
- Francisco Araújo Filho, secretário de Saúde à época da operação: foi denunciado por organização criminosa, inobservância nas formalidades da dispensa de licitação, fraude à licitação, fraude na entrega de uma mercadoria por outra (marca diversa) e peculato (desviar dinheiro público)
- Jorge Antônio Chamon Júnior, diretor do Laboratório Central (Lacen): foi denunciado por organização criminosa, inobservância nas formalidades da dispensa de licitação, fraude à licitação, fraude na entrega de uma mercadoria por outra (marca diversa) e peculato (desviar dinheiro público).
- Eduardo Seara Machado Pojo do Rego, ex-secretário-adjunto de Gestão em Saúde: foi denunciado por organização criminosa, inobservância nas formalidades da dispensa de licitação, fraude à licitação, fraude na entrega de uma mercadoria por outra (marca diversa) e peculato (desviar dinheiro público).
- Ricardo Tavares Mendes, ex-secretário-adjunto de Assistência à Saúde: foi denunciado por organização criminosa, inobservância nas formalidades da dispensa de licitação, fraude à licitação, fraude na entrega de uma mercadoria por outra (marca diversa) e peculato (desviar dinheiro público).
- Eduardo Hage Carmo, ex-subsecretário de Vigilância à Saúde: foi denunciado por organização criminosa, inobservância nas formalidades da dispensa de licitação, fraude à licitação, fraude na entrega de uma mercadoria por outra (marca diversa) e peculato (desviar dinheiro público)
- Ramon Santana Lopes Azevedo, ex-assessor especial da Secretaria de Saúde: foi denunciado por organização criminosa, inobservância nas formalidades da dispensa de licitação, fraude à licitação, fraude na entrega de uma mercadoria por outra (marca diversa) e peculato (desviar dinheiro público).
- Iohan Andrade Struck, ex-subsecretário de Administração Geral da Secretaria de Saúde do DF: foi denunciado por organização criminosa, inobservância nas formalidades da dispensa de licitação, fraude à licitação, fraude na entrega de uma mercadoria por outra (marca diversa) e peculato (desviar dinheiro público).
- Emmanuel de Oliveira Carneiro, ex-diretor de Aquisições Especiais: foi denunciado por organização criminosa, inobservância nas formalidades da dispensa de licitação, fraude à licitação, fraude na entrega de uma mercadoria por outra (marca diversa) e peculato (desviar dinheiro público).
- Erika Mesquita Teixeira, ex-gerente de Aquisições Especiais: foi denunciada por organização criminosa, inobservância nas formalidades da dispensa de licitação, fraude à licitação, fraude na entrega de uma mercadoria por outra (marca diversa) e peculato (desviar dinheiro público).
- Glen Edwin Raiwood Taves, empresário individual e dono da empresa Luna Park: foi denunciado por inobservância nas formalidades da dispensa de licitação, fraude à licitação e apropriação de dinheiro público.
- Duraid Bazzi, representante informal da Luna Park: foi denunciado por inobservância nas formalidades da dispensa de licitação, fraude à licitação e apropriação de dinheiro público.
- Mauro Alves Pereira Taves, sócio-administrador da Biomega: foi denunciado por inobservância nas formalidades da dispensa de licitação, fraude à licitação e apropriação de dinheiro público.
- Eduardo Antônio Pires Cardoso, sócio-administrador da Biomega: foi denunciado por inobservância nas formalidades da dispensa de licitação, fraude à licitação e apropriação de dinheiro público.
- Roberta Cheles de Andrade Veiga, funcionária da Biomega: foi denunciada por inobservância nas formalidades da dispensa de licitação, fraude à licitação e apropriação de dinheiro público.
- Nicole Karsokas, funcionária da Biomega: foi denunciada por inobservância nas formalidades da dispensa de licitação, fraude à licitação e apropriação de dinheiro público.
Cinco deles chegaram a ser presos no dia em que foi deflagrada a operação: Francisco Araújo, Ricardo Tavares, Eduardo Hage, Eduardo Pojo do Rego, Jorge Antônio Chamon e Ramon Santana (veja galeria abaixo).
Logo após a operação, todos os alvos que integravam a cúpula da Secretaria de Saúde do DF foram afastados em edição extra do Diário Oficial do DF (DODF) do dia 25 de agosto.
Falso negativo
A ação investiga irregularidades em dispensas de licitações direcionadas à aquisição de testes rápidos para o combate à Covid-19, com prejuízo estimado em R$ 18 milhões aos cofres públicos, somente com as supostas fraudes em contratos.
O valor é referente ao pagamento feito pela Secretaria de Saúde à empresa Biomega Medicina Diagnóstica, em razão da compra de 150 mil testes para detecção do novo coronavírus.
Há ainda suspeição acerca do contrato com a Luna Park Importação, Exportação e Comércio Atacadista de Brinquedos Temáticos. A empresa foi a escolhida pela pasta para fornecer 90 mil testes por R$ 16,2 milhões, de acordo com a investigação.
A operação revelou que, no caso das contratações das empresas Biomega Medicina Diagnóstica e Luna Park Brinquedos, os contratos de aquisição dos testes para a detecção do novo coronavírus tramitaram em questão de minutos.
O processo cita o trâmite que consagrou a empresa Luna Park como vencedora do processo com dispensa de licitação. “Elaborado o projeto básico em tempo exíguo, foi ele analisado e aprovado em questão de minutos, quando, também minutos após, as empresas foram convocadas para o fornecimento dos testes rápidos em 24 horas”, diz trecho do documento.
Há ainda dúvidas sobre a eficácia dos testes e o pagamento de valores acima do mercado pelos produtos.
O outro lado
Ao Metrópoles, a defesa do ex-secretário de Saúde Francisco Araújo classificou a denúncia do MPDFT como “peça insubsistente”. “A acusação padece da falta de prova das alegações ali contidas. Por outro lado, o Ministério Público pediu a prisão do ex-secretário, acusando-o de corrupto, mas não consta da denúncia a acusação de corrupção nem lavagem de dinheiro. Essa denúncia não pode prosperar”, afirmou o advogado Cléber Lopes.
Em nota, a defesa de Ricardo Tavares Mendes classificou a denúncia como “absurdo equívoco”. “A denúncia cita Ricardo Mendes pouquíssimas vezes, a partir de fatos que não configuram qualquer crime, e até mesmo cometendo o erro grosseiro de confundi-lo com outra pessoa de mesmo nome. Claramente, o Ministério Público errou ao mencionar um médico com longa carreira dedicada ao serviço público como suposto partícipe de irregularidades. A defesa tem a convicção de que o Judiciário não cairá nesse absurdo equívoco”, destaca o texto assinado pelos advogados Ticiano Figueiredo e Pedro Ivo Velloso.
O Metrópoles busca contato com a defesa dos denunciados e assim que obtiver retorno vai atualizar todas as reportagens publicadas sobre o caso.
Em nota, o Carnelós e Garcia Advogados, que representa a empresa Biomega – também investigada pelo MPDFT –, ressalta que os representantes da companhia não foram ouvidos durante as investigações. Leia o texto na íntegra:
“A denúncia contra diretores e funcionários da empresa é ato açodado, assim como também foi a deflagração de medidas de buscas e decretação de sequestro. Os representantes da companhia não foram sequer ouvidos para explicar as distorções identificadas nas investigações.
A empresa participou de um processo licitatório com outras concorrentes e venceu pelo menor preço.
A companhia informa que é um laboratório de análises clínicas, e não uma distribuidora de testes. Também não vendeu kits para testagem, mas sim a prestação de serviços para análise e determinação de laudos de exames laboratoriais referentes à Covid-19.
Quanto aos insumos usados na prestação do serviço, esclarece que todos os testes utilizados nos serviços contratados pelo Governo do Distrito Federal têm aprovação da Anvisa.”