Demolição a caminho. Depois de anos de vista grossa, governo do DF “descobre” quiosques irregulares e anuncia derrubada
Embora a legislação diga que estabelecimentos devam ter entre 15 e 60 metros quadrados, alguns chegam aos 200. O Executivo não sabe quantos comércios do gênero existem
atualizado
Compartilhar notícia
Salada de fruta, quentinha, carne de sol, cerveja, cachaça e pratos elaborados. Eles vendem de tudo e estão em todos os lugares. Ultrapassam os limites das áreas destinadas à atividade e invadem calçadas e estacionamentos. E embora exista uma legislação que limita o crescimento dos quiosques, a Lei 4.257 de 2 de dezembro de 2008 tem sido ignorada, inclusive pelos órgãos governamentais, já que cada região administrativa deveria ter um plano de ocupação com previsão de espaços para esse tipo de estabelecimento. Agora, o governo do DF anuncia que as construções que não puderem ser legalizadas terão o mesmo destino daquelas à beira do Lago Paranoá e dos condomínios irregulares: serão demolidas.
O descontrole é tamanho que o próprio Executivo não sabe quantos comércios do gênero existem. No fim do ano passado, a Agência de Fiscalização do DF (Agefis) passou por uma reestruturação interna e criou uma diretoria específica para esses casos. “Essa diretoria passa a operar a partir de março de 2016 e vai, primeiramente, catalogar e diagnosticar as situações para que todos os quiosques que tiverem a metragem acima de 60 metros quadrados sejam alvo da primeira ação de fiscalização da diretoria”, disse o órgão, por meio de nota.De acordo com a Lei 4.257, a instalação dos quiosques deve obedecer a um projeto padrão de arquitetura, com área máxima de 15 metros quadrados para as regiões administrativas do Plano Piloto e máximo de 60 metros quadrados para as demais regiões do DF. A criação de quiosques ficou proibida desde a data da promulgação da lei. A ideia era que, a partir de 2008, novos estabelecimentos seguissem regras dos planos de ocupação específicos. Mas apenas a Octogonal, o Sudoeste, o Setor Comercial Sul, a Orla do Veredinha (em Brazlândia) e parte de Águas Claras têm esse documento.
Para agravar o quadro, a lei de 2008 não freou a proliferação dos quiosques, e o que se vê é o total desrespeito às regras. No centro da cidade, por exemplo, atrás do Banco Central, cerca de 10 comércios do gênero estão instalados das formas mais diversas. Eles vendem de tudo, desde capas de celular até sushi. Quem passa por ali precisa caminhar pelos becos e conviver com o lixo, a água e a gordura que escorrem pelo estacionamento.
“Não me conformo. Fica água parada aqui, tem o risco de acumular focos de mosquitos da dengue. Além da sujeira e da dificuldade que tenho para caminhar aqui”, afirma a moradora da 204 Sul desde 1975 Guilhermina Fraga, 68 anos.
O limite de 15 metros quadrados não é respeitado. A maioria tem muito mais. A situação na área é conhecida e analisada pelo poder público. A Secretaria de Gestão do Território e Habitação (Segeth) elabora o Plano de Ocupações de Quiosques para mudar a situação e faz o georreferenciamento dos quiosques e trailers que existem no DF. O documento será separado por regiões.
“A primeira é o Setor Complementar de Indústria e Abastecimento (Scia). Mas também sabemos da situação perto do Banco Central. Vamos analisar caso a caso. O que for passível de regularização será regularizado. Caso essa possibilidade não exista, vamos remover”, afirma o secretário de Gestão do Território e Habitação, Thiago Andrade.
Segundo Andrade, o objetivo do plano é não permitir o prejuízo para a mobilidade, a acessibilidade das pessoas, ciclistas, para a paisagem urbana e a salubridade. “Jogar esgoto a céu aberto é um problema de saúde pública”, completou.
Guará
Enquanto o plano é elaborado, os comerciantes continuam trabalhando à revelia da legislação. No Guará, por exemplo, o Chalé da Traíra nasceu como um quiosque, com autorização para tal. No entanto, o comércio cresceu, se estabeleceu e hoje tem mais de 200 metros quadrados. Para regularizar a situação, nesse caso, ele precisaria mudar a atividade. Não pode mais ser considerado um quiosque. Na região, um levantamento realizado na época em que o vice-governador, Renato Santana, atuava como administrador, aponta que o local tem 522 comércios do tipo.
Mas não há, no entanto, como saber quem tem autorização ou trabalha regularmente. Um pouco mais à frente do Chalé da Traíra, no Polo de Modas, o Restaurante e Churrasco do João Pescocinho ocupa uma área considerável no estacionamento do comércio. A construção é de alvenaria e consolidada, mas não tem mais de dois anos, segundo moradores do local.
“As situações são as mais incomuns possíveis. Hoje, o governo está impedido de dar autorização, mas estamos trabalhando em um plano de ocupação para permitir algumas remoções e o trabalho na legalidade”, afirma o vice-governador, Renato Santana. A estimativa da vice-governadoria é que o GDF deixe de arrecadar, por ano, R$ 300 milhões em impostos devido à ilegalidade.
A reportagem do Metrópoles foi aos dois estabelecimentos, tentou falar com os proprietários, mas eles não estavam no momento. Ainda houve tentativa de contato pelo telefone, mas os donos dos dois comércios não foram encontrados.
Fiscalização
A Agefis é a responsável por supervisionar as atividades. Por meio de nota, o órgão informou que os quiosques instalados até a data de promulgação da lei de 2008 poderiam continuar nos seus lugares até que cada cidade publicasse seu plano de ocupação.
“Sendo assim, ou os quiosques antigos iriam ficar no mesmo lugar ou seriam removidos para outro local indicado pela administração regional. Acontece que nos últimos anos poucas cidades do DF publicaram esse plano, o que dificulta o programa de fiscalização, pois a Agefis não pode retirá-los antes de a administração confirmar se ele fica no mesmo lugar ou se será necessário sua remoção”, informou.