Amiga em enterro de Luciana, vítima de feminicídio: “Revolta”
Corpo de funcionária terceirizada do TSE foi sepultado na tarde desta quarta-feira (25/12/2019), no cemitério Campo da Esperança
atualizado
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O velório e sepultamento de Luciana de Melo Ferreira, 49 anos, vítima de feminicídio, foi marcado por revolta e pedido de Justiça. A funcionária terceirizada do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) foi morta com, aproximadamente, 40 golpes no peito, desferidos com um objeto perfurocortante, segundo a perícia da Polícia Civil do Distrito Federal (PCDF). O acusado é Alan Fabiana Pinto de Jesus, 45 anos, que está internado no Hospital de Base do Distrito Federal (HBDF), sob custódia, em uma área conhecida como “Papudinha”.
Amigos e familiares de Luciana se despediram da mulher, descrita como amável e de fácil trato. A comerciante Rosângela Ferreira, conheceu o então casal no clube de motociclistas o qual faziam parte. Sobre a vítima, só elogios. “Ela fazia amizade com facilidade, era muito do bem, trocamos telefone na época em que nos conhecemos e conversávamos sempre”, diz Rosângela. O sentimento quando fala sobre o acusado é de revolta. “Nada justifica tamanha violência. Esse sentimento de posse, de poder sobre a mulher, é absurdo. O Alan sempre foi um cara explosivo, turrão. Mas ato de violência, nunca teve”, detalha.
Luciana chegou a registrar queixa contra Alan, que precisou usar tornozeleira eletrônica por um tempo. Depois, retirou a denuncia. “Eles já terminaram e voltaram algumas vezes. Acho que eles haviam reatado, que ela decidiu dar uma segunda chance. Fiquei sabendo na segunda-feira que ela retirou a queixa. As mulheres precisam ter consciência de que agressão, seja ela física ou verbal, precisa ser denunciada. Lutem por suas vidas. Se a mulher denunciou não pode voltar atrás. Tem de deixar a Justiça seguir”, lamenta a comerciante.
O assassinato de Luciana foi cometido com requintes de crueldade. A brutalidade causou comoção até mesmo entre os investigadores do caso. “Crime hediondo, cruel, repugnante e covarde”, disse o delegado-chefe da 3ª Delegacia de Polícia (Cruzeiro), Ricardo Viana.
A Justiça decidiu manter Alan preso preventivamente. A decisão de converter o flagrante é da magistrada Lorena Alves OCampos, que conduziu audiência de custódia nesta quarta-feira (25/12/2019). “O modus operandi adotado na execução do delito retrata, in concreto, a periculosidade do autuado e a gravidade concreta da conduta. Segundo consta, o crime foi premeditado e o autor do fato chegou no condomínio da vítima e ficou a aguardando no terraço, escondido, de tocaia, até que ela regressou para a residência por volta as 22h30 do dia 21/12/2019”, destacou a magistrada.
Câmeras de segurança do prédio onde Luciana morava, no Sudoeste, registraram o momento em que o suspeito monitora a chegada da vítima no apartamento, na noite de sábado (21/12/2019). Para a Polícia Civil do Distrito Federal (PCDF), o registro confirma que o 33º feminicídio da capital em 2019 foi premeditado.
Nas imagens (veja abaixo), é possível observar que o vigilante e ex-namorado da vítima observa a movimentação no apartamento. Quando nota a chegada da vítima, Alan desce as escadas correndo, munido de um objeto.
A suspeita é de que o artefato tenha sido usado para golpear Luciana. O corpo da mulher tinha pelo menos “40 marcas de perfuração por objeto perfurocortante”, conforme informado pelos investigadores.
“As imagens mostram que o crime foi premeditado. Nos vídeos, ele aparece vigiando a vítima, monitorando a chegada da Luciana. Sabemos que ele ficou de campana à espera dela”, explicou o chefe da 3ª Delegacia de Polícia.
Cerca de 30 minutos depois, o vigilante é flagrado deixando a portaria do edifício. Ele carrega uma bolsa nas mãos. Para o delegado, foi uma tentativa de desviar a linha de investigação da PCDF, dando a entender que o crime seria um latrocínio (roubo seguido de morte). A suspeita é de que Alan tenha entrado na portaria após digitar a senha de acesso na entrada.
“Lutou para não morrer”
A perícia da Polícia Civil concluiu que Luciana “lutou para não morrer”. “Em conversa com o médico descobrimos que Alan teria cometido o crime no sábado e no domingo tomou posto em seu trabalho, no Ministério da Economia. Deu entrada na segunda-feira [22/12/2019] no Hran [Hospital Regional da Asa Norte] com traumatismo cranioencefálico. Na terça, foi transferido para o Hospital de Base. Segundo o médico, ele realmente tem micro lesões no cérebro. Ele está aparentemente aéreo, viajante, diz não saber o que estava acontecendo e que desconhecia a vítima”, disse o delegado.
A PCDF ainda desconhece o que teria provocado a lesão no suspeito. “Não podemos afirmar que tenha sido provocada durante a luta com a vítima. Ele não conseguiu falar nada, mas é fato que ele sofreu o trauma. Também é fato, e os peritos comprovaram, que a vítima lutou para não morrer”. Os investigadores não descartam a hipótese de que o trauma tenha sido provocado durante uma possível tentativa de suicídio de Alan.
Alan deverá ficar por mais três dias no Hospital de Base, em decorrência do diagnóstico de traumatismo cranioencefálico. O tempo, segundo repassado pelo neurocirurgião ao delegado, é suficiente para que o suspeito fique em observação e seja melhor avaliado.
“Não estou sabendo”
O vigilante disse que “não se lembra” de como foi parar no HBDF. Em vídeo obtido pelo Metrópoles, Alan é questionado por um policial. Com o vigilante deitado sobre uma maca, o PM pergunta: “Você conhece a Luciana?”. Como resposta, ouve apenas “hum?”, seguido de silêncio.
O policial continua: “A Luciana, sua ex-namorada, foi morta com uma facada no peito. O senhor está sendo acusado de homicídio. Está sabendo disso?”. “Não estou sabendo de nada não”, diz Alan.
O vigilante é novamente questionado: “O que aconteceu com o senhor, que está aqui no hospital?”. “Eu estava no trabalho, no serviço, e do serviço eu vim pra cá”, responde.
“Mas o que aconteceu? Por que o senhor está com o olho roxo? Alguém te bateu? Foi acidente de moto, de carro?”, continua o policial. “Não lembro”, finaliza o vigilante.
Veja o vídeo:
Tornozeleira
Alan usava tornozeleira eletrônica até 4 de dezembro. O motivo foi uma tentativa de homicídio contra Luciana. Segundo informações obtidas pelo Metrópoles, o acusado teria provocado um acidente de carro de propósito para ferir a vítima quando ela disse que queria terminar o relacionamento. A tentativa de feminicídio ocorreu em outubro deste ano.
O vigilante a ameaçou de morte e jogou o carro em que ambos estavam contra uma árvore. Luciana pulou momentos antes da colisão e se feriu.
Na época, o homem, que é morador de Ceilândia, foi preso em flagrante e denunciado por violência doméstica. Ele passou semanas detido, até que a Justiça concedeu liberdade, mediante uso de tornozeleira eletrônica. Em 21 de outubro, foi realizada a audiência de custódia.
Para ser solto, Alan teve que, além de usar tornozeleira, pagar fiança de R$ 2 mil e se comprometer a manter distância de ao menos 500 metros da vítima. Em 4 de dezembro, a Justiça autorizou a retirada do dispositivo.