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Delações revelam que Máfia das Próteses tinha até “Código de Conduta”

Depoimentos de três envolvidos no esquema apontam absurdos nos procedimentos de empresas e médicos investigados na Operação Mr. Hyde

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Skull x-ray raio x mafia das proteses medico radiografia
1 de 1 Skull x-ray raio x mafia das proteses medico radiografia - Foto: Istock/Reprodução

Médicos envolvidos na Máfia das Próteses tinham um “Código de Conduta” para definir quais empresas forneceriam órteses e próteses para o uso em procedimentos cirúrgicos. No entanto, o mesmo cuidado não era tomado quando se tratava dos pacientes. A legislação e a ética  não foram suficientes para  impedir os profissionais de reutilizarem material descartável em procedimentos de punção. Brocas eram usadas “até quando elas suportassem” — algumas chegavam a perder o corte. Ainda fazia parte da rotina do esquema criminoso a substituição dos materiais pedidos, por outros mais baratos.

Esses e outros absurdos foram narrados em depoimentos ao Ministério Público do DF e Territórios (MPDFT) por três representantes comerciais da TM Medical, empresa que era responsável por fornecer equipamentos para realização dos procedimentos cirúrgicos em hospitais.

Nas delações premiadas — já homologadas pela Justiça —, Danielle Beserra de Oliveira, Rosângela Silva de Sousa e Sammer Oliveira Santos contam como era feito o pagamento de propina, como ocorriam as negociações, entre outros detalhes que dão ares de “thriller” à narrativa da Operação Mr. Hyde. A ação foi deflagrada em setembro do ano passado, quando o esquema foi desarticulado.

Confira alguns trechos dos acordos aos quais o Metrópoles teve acesso e que fariam ficar de cabelo em pé até o vilão do livro “O Médico e o Monstro” — publicado pelo autor escocês Robert Louis Stevenson, em 1886 — do qual se emprestou o nome que batizou a operação.

Código de conduta
No depoimento da enfermeira Sammer Oliveira Santos, ela relata que existia um “Código de Conduta” imposto pelos próprios médicos. Funcionava assim: quando um médico escolhesse determinada empresa para fazer uma cirurgia, as organizações preteridas deveriam respeitar essa escolha para não “atrapalhar” o esquema. Dessa forma, órteses, próteses e materiais especiais (OPMEs) eram vendidas a preços superfaturados e médicos chegavam a mutilar pacientes durante procedimentos para justificar o uso de equipamentos mais caros.

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Pasta preciosa
Em determinada cirurgia, Rosângela conta que a médica Eliana de Barros Marques Fonseca — que está entre os 16 réus do esquema — teria ficado nervosa ao perder uma pasta de anotações. Segundo a delação, a preocupação foi pelo fato de, naquela pasta, estar o dinheiro que ela tinha acabado de receber do esquema por um trabalho realizado.

O episódio também é citado por Danielle em depoimento, sem a menção ao dinheiro. Segundo a representante comercial, quando a pasta sumiu, Eliana “ficou bem preocupada”, porque disse que “a vida dela estava naquela pasta e ela não conseguia trabalhar sem aquele material”. Os advogados da acusada não foram localizados pela reportagem para comentar a citação.

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“Mordida” de até 50%
A delação de Sammer levanta a suspeita de um percentual acima do que se imaginava ser cobrado. Além dos 15% a 30% possivelmente recebidos pelos médicos, a enfermeira relatou que, “na época em que a empresa (TM Medical) cogitou trabalhar com a especialidade bucomaxilofacial, ela colheu informações de que, nessa área, os valores giravam em torno de 50%”, afirmou ao Ministério Público.

Sammer relatou ainda que os valores das cirurgias bucomaxilofaciais eram “exorbitantes, giravam em torno de R$ 200 mil e R$ 300 mil”. Ela soube que apenas as empresas que pagavam esse percentual de 40% a 50% se mantinham no mercado. A enfermeira ainda diz que Micael Bezerra, sócio da TM Medical, tentou entrar nessa área oferecendo o produto nacional, “mas a aceitação era muito fraca”.

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“Ávidos por dinheiro”
No depoimento aos promotores, Rosângela diz quem seriam os médicos “mais ávidos por dinheiro”: Henry Greidinger Campos (foto abaixo) e Juliano Almeida e Silva, todos réus na Mr. Hyde. A técnica em enfermagem afirma, inclusive, que Micael — responsável, segundo ela, pelo repasse da propina — teria comentado que Henry pedia para receber antecipado.

Sobre Juliano, Rosângela diz que, nas cirurgias do médico, era comum ele dizer: “Olha, Rô, você já pode ligar para o Micael e falar pra ele vir”. A reportagem entrou em contato com os advogados de Henry e Juliano, mas não obteve retorno.

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Henry Campos, dono da Ortopedia Sudoeste, chegou a ser detido e liberado pela polícia

 

Material descartável reutilizado
A respeito dos instrumentos cirúrgicos, Danielle diz, em depoimento, que o correto seria utilizar brocas descartáveis, mas eles se valiam de um outro modelo, que permitia a reutilização. Diz, ainda, que a broca era utilizada por um número ilimitado de vezes, “até quando ela suportasse”.

Segundo a técnica em enfermagem, os médicos sabiam que o material que estavam usando não era novo. Ela cita na delação que, quando a broca estava sem corte, o médico chegava a dizer: “Essa aqui não está mais cortando, despreza ela pelo amor de Deus, não deixa isso aqui voltar pra caixa, não”.

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O bom pelo barato
Em um trecho do depoimento, Rosângela conta que observava, em alguns procedimentos, o hemostático — instrumento utilizado para estancar hemorragias — sempre em forma de esponja, mesmo o pedido sendo do tipo em pó.

Segundo a instrumentadora, a orientação de Johnny Wesley Gonçalves Martins, apontado como o líder da Máfia das Próteses, e Micael era que sempre se fornecesse a esponja, mesmo que tivesse sido pedido o em pó. Aos procuradores, Rosângela disse que a esponja é mais barata que o tipo em pó, e que o lacre do primeiro tipo, apresentado ao hospital, passa como o do segundo.

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Micael, o responsável por “lidar diretamente com os médicos”
Sammer afirmou não ter presenciado pagamento de valores extras aos médicos: “Era sempre o Micael quem lidava diretamente com os médicos”, disse. Segundo a enfermeira, os médicos perguntavam pelo Micael frequentemente. “Ele ligava perguntando em qual consultório eu estava, em qual horário o médico deixaria o local e pedia que esperasse, pois ele faria uma visita”, relatou Sammer.

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Micael Bezerra Alves, sócio da TM Medical

 

Márcio Catingueiro fazia as empresas “cotar e ganhar” 
No depoimento, Sammer ainda disse que encontrou diversas vezes com Antônio Márcio Catingueiro Cruz, funcionário do Hospital Home. Ele era um representante comercial que fazia a ponte entre empresas de OPMEs, os médicos e os planos de saúde.

Segundo a enfermeira, o médico era uma das pessoas que ficavam na salinha de OPMEs do centro cirúrgico. “Márcio sempre estava com alguém da Diretoria do Home pelos corredores do hospital e/ou com alguém da empresa de OPME. No mercado, comentava-se que Márcio ‘facilitava’ para as empresas no hospital, de modo que as empresas ‘conseguissem’ cotar e ganhar. Em troca, ele recebia uma ‘ajuda’ das empresas. Eu sabia que Márcio fazia esse trabalho para a TM porque muitas vezes era visto se reunindo com Micael”.

De acordo com o advogado do Hospital Home, Délio Lins, as delações servem para ratificar que a unidade de saúde não tem envolvimento em qualquer tipo de esquema. “Sempre nos colocamos à disposição para ajudar na investigação. A denúncia contra o dono do hospital foi rejeitada desde o início”, lembrou.

Segundo ele, Márcio Catingueiro era coordenador da equipe que fazia as cotações das OPMEs e que o fato de ele andar com diretores do hospital não diz nada. “Andar ao lado de alguém é a coisa mais normal do mundo, ainda mais quando se trabalha no mesmo lugar. Cerca de 80% das cotações das OPMEs eram feitas pelos planos de saúde. O hospital atuava em poucos casos”, afirmou. Délio Lins explicou ainda que Márcio foi afastado das funções até que as investigações sejam concluídas.

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Agulhas de punção reutilizadas e lacres falsos
Segundo Sammer, agulhas de punção utilizadas em neurocirurgias eram reutilizadas, mesmo sendo descartáveis. Como o material é todo confeccionado em metal, os integrantes do esquema faziam a esterilização do produto. “Quando o médico solicitava agulha de punção nova, era fornecida, mas quando a exigência não era feita, eram fornecidas agulhas esterilizadas (reutilizadas). O hospital esterilizava essa agulha sem problemas, mesmo sendo descartáveis”, afirmou a enfermeira.

De acordo com ela, nesse procedimento, a TM era paga como se estivesse usando uma agulha nova. “Se era aberta uma agulha nova, o lacre dessa agulha era entregue. Mas se a agulha era reutilizada, entregava-se um lacre falso”, contou no depoimento.

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