Degradada, insegura e com lojas fechadas, W3 mergulha em decadência
Considerada o primeiro “shopping” de Brasília, a via dá sinais de incapacidade para se reinventar e, assim, voltar a atrair frequentadores
atualizado
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Por anos a fio desde a inauguração de Brasília, em 1960, a mais icônica das vias que ligam as asas Sul e Norte, a W3, atraiu multidões. Vitrines coloridas das centenas de lojas ao longo dos 12km de extensão seduziam moradores de todos os cantos do Distrito Federal. Empresários disputavam “a tapa” espaços no antigo coração comercial da cidade – inclusive, ali foi palco de festejos carnavalescos na então recém-inaugurada capital da República.
Hoje, quase cinco décadas depois do seu apogeu, a W3 mostra cada vez mais sinais de decadência e abandono, principalmente na metade sul, a mais antiga e tradicional da via. Nela, calçadas esburacadas põem em risco os raros pedestres que passam por lá. E mais: insegurança e falta de estacionamentos afastam o público da avenida onde as fachadas estão deterioradas.
Nesta reportagem do DF na Real, o Metrópoles aborda o declínio da W3, considerada pelos frequentadores e comerciantes dos tempos de ouro do local como o primeiro “shopping” de Brasília – ainda que fosse a céu aberto. Durante a derrocada, iniciada na década de 1970, houve diversas tentativas de revitalização, todas elas frustradas pela inércia do poder público. No fim da matéria, os candidatos ao Governo do Distrito Federal (GDF) expõem suas propostas sobre o tema.
“Era a Veneza brasiliense”, relembra Ilda Pereira Parente, 60 anos, dona de uma loja de móveis e artigos para decoração na 502 Sul há duas décadas e moradora da capital do país desde 1969. Ela compara a W3 de quando desembarcou na capital federal a um dos principais pontos turísticos do mundo, a Cidade dos Canais, no norte da Itália. “Era um lugar de compras, firmas. Também de restaurantes, muita gente caminhando”, descreve.
Antes da inauguração de Brasília, microempresários da Cidade Livre – onde hoje é o Núcleo Bandeirante – ocuparam as primeiras lojas de alvenaria da W3. O comércio era variado, de oficinas mecânicas a venda de roupas, além de restaurantes.
Em 1997, quando Ilda inaugurou a loja, o “funeral” da W3 estava começando. Apesar disso, o início do declínio ocorreu 26 anos antes, logo após a inauguração do Conjunto Nacional. A situação se agravou, segundo ela, por causa do aumento populacional e da redução dos estacionamentos ao longo da via. A violência também afastou os frequentadores. “Houve um mês em que minha loja foi assaltada sete vezes”, relembra. Apesar disso, Ilda não arreda o pé do local.
As pessoas cada vez mais têm carros. Ninguém vai arriscar pegar sol, chuva, ser assaltado, andar em calçada esburacada. Querem estacionar muito perto das lojas. Além disso, shopping tem conforto, banheiro, ar condicionado, praça de alimentação. A W3 não está assim por causa de recessão, mas porque não houve interesse por parte de governo algum
Ilda Pereira Parente, comerciante
Dona de uma panificadora na 512 Sul, Danielle Bastardo, 35, engrossa o coro de críticas. Administradora do negócio iniciado por seus pais em 1975, ela aponta a insegurança e a falta de iluminação como principais causas para a desocupação da W3. “Não ando a pé por aqui, tenho medo. Já fui assaltada na 712 [no lado oposto da via, onde há apenas residências]”, conta. Danielle também demonstra indignação por causa das pichações nas fachadas dos estabelecimentos e atribui isso à falta de policiamento no local.
As reclamações fazem parte do discurso não somente de quem está na avenida há décadas, mas também daqueles que se instalaram no local em meio ao declínio. É o caso de Licínio Pereira de Carvalho, 59. Dono de uma banca de jornais e revistas na 515 Sul, ele diz que “paga para trabalhar”, pois o lucro obtido é pequeno. O motivo? A escassez de fregueses.
“Já pensei em colocar o espaço para aluguel. A despesa é alta. Moro no Arapoanga [em Planaltina-DF, a 46km da banca], gasto muito com combustível todo dia. Mas é meu único meio de sobrevivência”, lamenta.
Neste ínterim, desde o início da decadência até os dias atuais, os templos religiosos viram na W3 Sul terreno fértil para se espalharem. Em dezembro de 2017, o Metrópoles mostrou que havia, em média, um local de culto por quadra – inclusive na W2.
Os poucos locais de lazer também sofrem. Um dos principais atrativos artísticos da avenida, o Espaço Cultural Renato Russo (508 Sul), ficou fechado por cinco anos. Em 2013, o Corpo de Bombeiros e o Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT) interditaram o lugar.
Graças a recursos financeiros do Banco do Brasil, o espaço passou por: reformas estruturais e restauração dos ambientes internos; adequação de acessibilidade; instalação de elevador e novos equipamentos de som, projeção e iluminação; e revisão hidráulica e elétrica. O local foi reaberto em junho passado.
W3 Norte
As duas metades da W3 nem parecem integrar a mesma avenida. Há um contraste entre elas. No lado norte, o calçamento está mais preservado e sobram vagas nos estacionamentos, características que a tornam mais convidativa. Apesar disso, essa parte da via tem um problema em comum com a outra: a insegurança.
“Eram 6h30 quando um homem me abordou com uma faca. Levou meu dinheiro. No começo, eu resisti em entregar meu celular. Mas, como vi que não havia polícia ou mais gente caminhando, entreguei”, recorda a auxiliar de cozinha Claudiane Nery, 22, funcionária de um restaurante na 709 Norte. O assalto ocorreu a 95m do local de trabalho.
Além do perigo, a W3 Norte exibe o que, para moradores e comerciantes, são outros sinais de decadência. O principal aparece à noite, à beira da pista: garotas de programa. O Metrópoles percorreu a via na última quinta-feira (18/10) e registrou o vaivém dessas mulheres.
“Se houvesse chamarizes na W3 Norte, principalmente à noite, não haveria a presença de prostitutas. Isso acaba afastando quem quer se instalar aqui, seja para morar ou ter negócio”, reclama a professora Luciana Valadares, 29, que mora numa das quadras 500.
Revitalização frustrada
À medida que os sinais de abandono se agravavam, comerciantes da W3, preocupados, iniciaram ações para tentar frear o processo. O governo também demonstrou interesse em revitalizar a área, embora os projetos não tenham se concretizado.
Em 2002, concurso nacional idealizado pelo GDF – à época comandado por Joaquim Roriz – e pelo Instituto dos Arquitetos do Brasil (IAB) renovou a esperança de recuperação. O projeto vencedor entre os 27 considerados foi o do arquiteto e urbanista Frederico Flósculo. Ele e sua equipe apresentaram proposta para criação de um “corredor cultural”.
“Organizações do mundo inteiro seriam convidadas a investir em Brasília e, por meio do corredor cultural, atualizariam o comércio. Haveria políticas de crédito associadas a investimentos especiais na cultura”, detalha Flósculo, que é professor da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo (FAU) da Universidade de Brasília (UnB). O projeto não saiu do papel, segundo o especialista, por falta de interesse do então chefe do Executivo local.
O Roriz achou que era trabalhoso, queria resultados imediatos para atender a interesses imobiliários. Queria verticalizar a W3, ter prédios de até 16 andares. Mas isso não fazia o menor sentido, não iria atrair frequentadores. Esse tipo de mentalidade atrasa a cidade. A W3 é vítima de sucessivos governos que não conseguem colocar projetos que internacionalizem Brasília
Frederico Flósculo, professor de arquitetura e urbanismo da UnB
Apesar da frustração, comerciantes ainda se esforçam para revitalizar seus estabelecimentos com ajuda do governo. Porém, a tentativa mais recente prevê reforma de apenas duas das 16 quadras da W3 Sul: a 511 e a 512, ao custo de R$ 2,3 milhões, de acordo com edital de licitação aberto desde agosto na Secretaria de Infraestrutura e Serviços Públicos (Sinesp).
O secretário de Economia, Desenvolvimento, Inovação, Ciência e Tecnologia (Sedict), Valdir Oliveira, contou que a pasta participou de parte do diálogo entre empresários e governo.
“O novo desenho precisa muito se basear naquilo que queremos, o que a comunidade quer. O Estado cuidaria de infraestrutura, e os empresários, de suas fachadas. Só haverá chance de dar certo com todos envolvidos”, explica o chefe da Sedict. O plano de revitalização envolve também a Secretaria de Gestão do Território e Habitação (Segeth) e a Companhia Urbanizadora da Nova Capital do Brasil (Novacap).
Outro lado
De acordo com a Segeth, o projeto de revitalização da 511/512 Sul prevê paisagismo e acessibilidade com requalificação dos estacionamentos e becos. A pasta afirma também que pretende estender as melhorias a toda a avenida. Já a Sinesp diz que investiu R$ 2 milhões na troca das lâmpadas de vapor de sódio por LED em toda a W3, por meio do Programa Ilumina Mais Brasília. “A pasta aguarda o recebimento das luminárias para iniciar a instalação”, afirma.
Ainda segundo a secretaria, em parceria com a Companhia Energética de Brasília (CEB) e a Novacap, a Sinesp fez, em setembro, manutenção de luminárias e postes, além da poda de árvores em toda a W3.
Já a Secretaria das Cidades informa que executou ação de limpeza e desobstrução dos bueiros da avenida, “a fim de evitar os alagamentos no período de chuva”. “A força-tarefa ficou em ação durante todo o mês de agosto, com prioridade aos pontos considerados críticos pela Defesa Civil”, diz. De acordo com a pasta, foram desobstruídas 198 bocas de lobo da W3 Norte e das tesourinhas, das quais as equipes retiraram 28 toneladas de lixo.
Sobre a insegurança, a Polícia Militar do Distrito Federal (PMDF) afirma que “tem implantado, em todo o Plano Piloto, reforço de policiamento, a Operação Brasília, com as novas viaturas Corola e ASX”. Segundo a corporação, os veículos circulam das 4h às 12h, para coibir roubos em paradas de ônibus, e das 20h às 4h, para evitar principalmente roubos a transeuntes e furtos em estabelecimentos comerciais.
Veja as propostas dos candidatos ao GDF para revitalização da W3: