De “mulas” a ostentação. Veja como traficantes se aliaram a militares para enviar drogas à Europa
O Metrópoles teve acesso à investigação que culminou na Operação Quinta Coluna, deflagrada na última terça-feira (2/2)
atualizado
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Inquéritos conduzidos pela Polícia Federal indicam que os 39kg de cocaína transportados à Espanha pelo sargento da Força Aérea Brasileira (FAB) Manoel Silva Rodrigues, em junho de 2019, pertenciam a traficantes internacionais que moram em Brasília.
O Metrópoles teve acesso a trechos da investigação, que culminou na Operação Quinta Coluna, deflagrada na última terça-feira (2/2). Os documentos detalham como os criminosos se associaram a militares com o objetivo de transportar entorpecentes para a Europa.
De acordo com a apuração da PF, Marcos Daniel Penna Borja Rodrigues Gama, morador do Lago Sul e conhecido como “Chico Bomba”, seria o chefe da organização criminosa especializada em tráfico internacional que contou com integrantes da FAB para levar cocaína a outros países.
Gama é apontado como um dos donos da cocaína encontrada na mala do sargento Rodrigues, em 2019. O flagrante foi realizado durante uma escala em Sevilha, na Espanha. O militar estava a bordo de uma aeronave de apoio à comitiva do presidente da República, Jair Bolsonaro (sem partido), que viajava ao Japão para a reunião da cúpula do G20.
Lavagem de dinheiro
Marcos Gama mantém negócios que, de acordo com a Polícia Federal, serviriam para lavagem de dinheiro. Ele é sócio da Premier Academia Ltda., localizada na Asa Sul; da Belix Incorporações, na Asa Norte; e da PCL Serviços Administrativos, em Santa Catarina. As empresas também foram alvo da PF na operação de terça-feira.
Além das empresas, Gama tem imóveis de alto padrão. Segundo informações da Receita Federal do Brasil, há duas propriedades milionárias no nome dele: uma de R$ 1,6 milhão e outra de R$ 2,3 milhões.
O investigado também comprou um veículo Mitsubishi ASX por R$ 101,5 mil e obteve acréscimo patrimonial de R$ 3,3 milhões sem comprovação da origem dos rendimentos. Segundo as apurações, a compra dos imóveis foi realizada mediante a participação de familiares do investigado – como pai, ex-esposa e filha.
Depoimentos colhidos pela PF detalham que o pagamento dos bens adquiridos era feito sempre em espécie. Para os investigadores, as transações financeiras apontam forte indício da prática de lavagem de dinheiro, em que pessoas próximas dos investigados são utilizadas para receber recursos de origem ilícita sem prestarem contas ao Fisco.
Gama ainda tem passagem na polícia por outros delitos, como posse ilegal de arma de fogo, receptação e estupro.
Veja vídeo da casa onde mora Marcos Gama:
Ligações perigosas
Os policiais verificaram que Marcos Gama tem histórico de constantes viagens ao exterior. Ele, inclusive, realizou o mesmo itinerário em voos para a Europa com o traficante Michelle Tocci, conhecido como “Barão do Ecstasy”, conforme revelou o Metrópoles.
Morador do condomínio Brisas do Lago, no DF, Tocci é apontado como um dos proprietários da cocaína transportada pelo militar da FAB, enquanto Gama seria o chefe da quadrilha. O “Barão do Ecstasy” também foi alvo de buscas realizadas pela PF na terça-feira.
Filho de um ex-diplomata italiano, Tocci já foi preso, acusado de liderar uma quadrilha internacional de traficantes que levava cocaína para Amsterdã, na Holanda, e trazia ecstasy, haxixe e skunk para Brasília.
A Operação Quinta Coluna mirou, ainda, em Augusto Cesar de Almeida Lawall, que, do mesmo modo, seria um dos proprietários do entorpecente apreendido na aeronave militar.
Segundo o inquérito policial, a relação entre os traficantes e os militares da FAB teve início quando Lawall apresentou um homem, morador do Paranoá, a Marcos Gama. Esse homem, que não foi identificado nas investigações, tinha contato com um militar da FAB responsável pela logística e pelo aliciamento de “mulas”, que fariam o transporte da droga.
“Oi, amor”
Os policiais federais descobriram que, no ano em que o sargento foi preso com a droga, ele e a esposa, Wikelaine Nonato Rodrigues, fizeram uma reforma que custou R$ 26 mil no apartamento do casal. Os policiais acreditam que a mulher participou ativamente das atividades ilícitas no transporte do entorpecente.
Testemunhas apontam para gastos excessivos do casal. Antes de ser preso, Manoel Silva Rodrigues comprou uma motocicleta de R$ 32 mil, com pagamento em espécie. A mulher passou a efetuar diversos depósitos com poucas quantidades em dinheiro.
Dados colhidos no celular de Wikelaine mostram que ela e Jorge Luiz da Cruz Silva, sargento da FAB que também é investigado pela PF, sabiam da atividade ilícita e participaram auxiliando Manoel Rodrigues. Silva estava lotado no gabinete do vice-governador do DF, Paco Britto, e foi exonerado após a operação da PF.
Há informações de que Manoel Rodrigues adquiriu um celular apenas para falar com os traficantes. O aparelho teria sido ocultado pela esposa após a prisão dele na Espanha.
As investigações apontam, ainda, que Jorge Luiz da Cruz Silva tinha a função de recrutar “mulas”, militares da FAB, para o transporte de substâncias ilícitas. Provas colhidas pela Polícia Federal revelam que ele tinha contato com Manoel Rodrigues por meio de mensagens de celular. Os textos enviados por Silva sempre continham a expressão “Oi Amor” no início.
Os dois se encontraram antes das viagens realizadas por Rodrigues no avião da FAB, em 29 de abril e 24 de junho. Jorge Silva trocou o celular após a prisão do sargento.
A ex-mulher de Rodrigues também aparece na investigação. Marta Vanessa Figueiredo da Rocha teria auxiliado Wikelaine e ocultado R$ 40 mil. O irmão de Wikelaine, Dário Nonato Reis, é investigado por guardar o dinheiro no apartamento dele.
Outro militar da FAB que entrou na mira da PF é o tenente-coronel Alexandre Augusto Piovesan. Ele ingressou no Grupo de Transporte Especial, responsável pelas viagens aéreas do presidente da República, em 2013, aproximadamente dois anos antes de Manoel Rodrigues. Ele também teria apagado dados do celular após a prisão de Rodrigues em 2019.
O segundo sargento da Força Aérea Brasileira Márcio Gonçalves de Almeida também é investigado pela PF.
Outro lado
A FAB se manifestou sobre a operação. Confira a nota na íntegra:
“O Inquérito Policial Militar (IPM) instaurado no âmbito do Comando da Aeronáutica para apurar o caso do sargento detido no aeroporto de Sevilha, Espanha, em 25 de junho de 2019, foi concluído dentro do prazo. Os autos foram encaminhados para a Auditoria Militar competente, que enviou para o Ministério Público Militar, a quem coube oferecer a denúncia, estando a ação penal em curso, conforme determina o Código Processo Penal Militar.
A Força Aérea Brasileira e a Polícia Federal atuaram conjuntamente desde o início das investigações e, na data de hoje [2/2], militares apoiaram o cumprimento de diligências necessárias ao prosseguimento da investigação de crimes de competência daquela força policial.
A FAB atua firmemente para coibir irregularidades e reitera que repudia condutas que não representam os valores, a dedicação e o trabalho do efetivo em prol do cumprimento de sua missão institucional.”
Os advogados de Michele Tocci informaram, por meio de nota que, em relação ao “episódio de transporte de droga na aeronave oficial da Força Aérea Brasileira, há – especificamente quanto a Michele Tocci – clara tentativa de resgatar para hoje, sem fatos novos, a mesmíssima suspeita de mais de 15 anos atrás. Noutros dizeres, suspeita fundada em notícias e registros policiais da época que foram categoricamente recusados pelo Poder Judiciário. De fato, a análise do inquérito policial permite à defesa ponderar que não há lastro probatório idôneo que vincule Michele Tocci a quaisquer condutas atribuídas a agentes da Força Aérea Brasileira.”
“Durante mais de um ano e meio de investigação, em que plurais oficiais da Força Aérea tiveram até mesmo os deslocamentos de seus carros minuciosamente analisados, não se alcançou sequer um encontro com Michele Tocci ou por ele intermediado. Mais do que isso, não se alcançou qualquer registro de ligação telefônica ou por aplicativos, nenhum tipo de contato, tampouco qualquer movimentação financeira entre agentes da Força Aérea Brasileir e Michele Tocci. É por isso que a investigação, ela mesma, se limita a sugerir que existe – e isso jamais foi negado – vínculos pessoais de amizade há mais de 20 anos entre Michele, Augusto e Marcos o que, à toda evidência, não traz consigo qualquer predicado de suspeita. A realização de viagens juntos ao exterior – por si só – nada diz, sobretudo quando nelas não identificados quaisquer atos de apoio à traficância.”
O Metrópoles tentou contato com os investigados, as empresas citadas e as respectivas defesas. O espaço segue aberto.