De esgoto a carrapatos: pontos do Lago Paranoá têm riscos a banhistas
Adasa fiscalizou pontos de lançamento de águas pluviais e encontrou irregularidades. Equipe foi alvo dos carrapatos na primeira vistoria
atualizado
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De esgoto a carrapatos com febre maculosa, perigos cercam o Lago Paranoá e ameaçam a saúde de quem frequenta o reservatório. Durante vistoria aos pontos de lançamentos de águas pluviais, a Agência Reguladora de Águas, Energia e Saneamento do Distrito Federal (Adasa) se deparou com lixo, graxa, óleos e esgoto clandestino no sistema de drenagem que leva ao emblemático espelho d’água da capital da República. As informações constam em relatório inédito ao qual o Metrópoles teve acesso.
Em 18 de maio, a primeira visita foi à galeria nas proximidades da Estação de Tratamento de Esgoto Sul. Na ocasião, toda a equipe da Coordenação de Fiscalização da Superintendência de Drenagem Urbana (SDU), composta à época por três servidores e três estagiários, foi picada por carrapatos-estrela, hospedados em capivaras, e apresentou sintomas de febre maculosa.
O caso gerou processo administrativo de investigação de acidente em serviço na Adasa. A meta de concluir os trabalhos até outubro teve de ser prolongada por um mês em razão das picadas. A febre maculosa é uma doença infecciosa febril aguda de gravidade variável, cuja apresentação clínica pode se apresentar de formas leves e atípicas até manifestações graves.
O relato consta em documento assinado em 7 de dezembro de 2018 pelo superintendente de Drenagem Urbana, Marcos Helano Montenegro. Durante as vistorias, entre maio e novembro, integrantes do grupo foram novamente picados, mas sem comunicados de maior gravidade.
Porém, os efeitos não sumiram rapidamente. “Os servidores e estagiários relataram apenas o incômodo das picadas e coceiras que perduraram por meses”, revela trecho do documento.
A equipe passou a redobrar os cuidados, conforme aponta o laudo. Contudo, não havia instrumento necessário para evitar novos acidentes. “Até o momento, a agência não concluiu o processo de aquisição de equipamentos de proteção individual adequados para os servidores que realizam atividades de fiscalização.”
O Metrópoles foi às margens do Lago Paranoá e encontrou água suja e lixo. Veja as imagens registradas na terça-feira (25/12):
Aviso
Na última sexta-feira (21), Montenegro expediu ofício para a Secretaria de Saúde informando da situação na orla do Lago Paranoá e solicitando providências a respeito da “presença significativa de capivaras, bem como de diversas áreas infestadas com o carrapato-estrela, transmissor da febre maculosa e hospedado nos animais”.
O gestor frisa a gravidade da circunstância. “O manejo das capivaras não é objeto de atuação da Adasa, mas a presença das mesmas, hospedando o carrapato-estrela, traz riscos à saúde pública, em especial a dos frequentadores da orla do Lago Paranoá.”
O superintendente também contou que a ação fiscalizatória verificou a presença de esgoto sanitário em alguns lançamentos da rede de águas pluviais pública.
Irregularidades
A Coordenação de Fiscalização da SDU vistoriou in loco 158 pontos de lançamentos de águas pluviais no Lago Paranoá. Oito deles não estavam no cadastro da Companhia Urbanizadora da Nova Capital (Novacap).
A rede, de responsabilidade da Novacap, apresenta estado de abandono, segundo a equipe da Adasa. “O mais provável é que esses lançamentos nunca tenham recebido manutenção ou limpos desde o momento de sua implantação”, diz trecho do laudo.
A ausência da formalização do trabalho é vista como um obstáculo. “Muito embora esteja na legislação desde 2008, até o momento não há contrato de concessão estipulando as responsabilidades da concessionária [Novacap], o que dificulta a regulação da prestação de serviço de drenagem por parte da Adasa.”
Das localidades fiscalizadas, 17 apresentaram ao menos uma irregularidade, como esgoto clandestino e resíduos sólidos. Onze pontos não foram encontrados por falha nos dados da Novacap ou impossibilidade de acesso, de acordo com o relatório.
Recomendações
A equipe técnica da Adasa elaborou sugestões para a superintendência repassar aos órgãos responsáveis. Além da Novacap, estão na lista de quem deve tomar providências a fim de mitigar as irregularidades na orla do Lago Paranoá a Secretaria de Saúde, o Instituto Brasília Ambiental (Ibram) e a Companhia de Saneamento Ambiental do DF (Caesb).
À própria agência, a Coordenação de Fiscalização cobra celeridade na aquisição de equipamentos de proteção individual para a prevenção de doenças laborativas específicas das ações de fiscalização em zonas que possam causar enfermidades aos servidores.
Confira o que foi sugerido à SDU recomendar a cada órgão:
Novacap: realizar a atualização no cadastro dos seus lançamentos de águas pluviais; o monitoramento da qualidade da água de drenagem lançada no Lago Paranoá; e promover fiscalização e manutenção periódica de suas estruturas de lançamentos de drenagem, inclusive a remoção de vegetação que impede o acesso de alguns lançamentos.
Caesb: localizar e remover ligações clandestinas de esgoto na rede de drenagem encontradas pela Adasa.
Secretaria de Saúde: adotar medidas sanitárias para minimizar a proliferação de carrapatos, vetor da febre maculosa, à população local, bem como aos usuários eventuais do Lago Paranoá.
Ibram: informar sobre a presença de capivaras na orla no Lago Paranoá e do provável crescimento significativo de sua população, o que pode acarretar doenças e prejuízos aos brasilienses; e sobre os possíveis danos ambientais causados pela falta de manutenção das redes de drenagem, bem como das interconexões irregulares de esgoto que são lançados no Lago Paranoá.
O outro lado
Em nota, a Secretaria de Saúde informou que, em setembro de 2018, a Diretoria de Vigilância Ambiental (Dival) fez análise e diagnóstico situacional e expediu recomendação aos trabalhadores, administrações, moradores e órgãos ambientais acerca do Lago Paranoá.
Completou, ainda, que a Dival recomenda a conscientização e sensibilização da população que reside no Lago Paranoá, assim como da comunidade que frequenta o local, a fim de informar sobre prevenção no contato com o carrapato-estrela. “Bem como as medidas de proteção para reduzir o risco de contágio pela bactéria Rickesia rickesii e o desenvolvimento da febre maculosa e outras enfermidades associadas.”
A pasta pontuou que o espelho d’água é um corredor ecológico de grande importância de fluxo gênico da espécie conhecida como “cabeça de viado” e que, além da capivara, “a presença de outros animais silvestres pode ser coadjuvantes na disseminação dos carrapatos”.
A Secretaria de Saúde ressaltou que os últimos casos de febre maculosa foram registrados em 2012: dos três, apenas um foi confirmado laboratorialmente. A pasta acrescentou que a Dival monitorou os carrapatos recentemente e não identificou nenhum contaminado com a doença.
Sobre a potabilidade da água do Lago Paranoá, informou que um mecanismo de análise conhecido como membrana filtrante assegura a qualidade.
A Novacap destacou que tomou conhecimento do relatório há pouco tempo, “porém, já está em andamento a elaboração de projeto e termo de referência para manutenção das redes de águas pluviais, incluindo os espaços citados na demanda”. Segundo a empresa, “diversos lançamentos citados são clandestinos ou estão em áreas privadas, como clubes e condomínios. Esses casos serão devidamente apurados pelos órgãos competentes”.
A Caesb informou, em nota, que “não tem responsabilidade, nem faz fiscalização em redes de águas pluviais”. Explicou também que as ligações clandestinas de esgoto, “que eventualmente ocorrem em regiões diversas do Distrito Federal, são irregularidades cometidas por um particular em redes de águas pluviais, públicas, que não são construídas, controladas e nem fiscalizadas pela Caesb”.
A empresa disse não ter sido notificada sobre o relatório. “Assim que o for, vai responder para a Adasa que a companhia não tem cadastros, mapeamento, localização e nem equipamentos apropriados para fiscalizar redes de águas pluviais”, acrescentou.
Sobre ligações clandestinas em redes de esgoto da própria Caesb, a empresa pontuou que “são feitas, rotineiramente, fiscalizações, notificações e eventualmente aplicações de multas para quem comete essas irregularidades”.
Os demais órgãos mencionados não retornaram o contato da reportagem até a última atualização deste texto.