De 10 casos de injúria racial, 9 ocorrem presencialmente e 1 nas redes
Entre janeiro de 2019 e novembro de 2022, a PCDF recebeu 2130 casos de injúria racial e racismo. A maioria das ofensas foi presencial
atualizado
Compartilhar notícia
O preconceito racial não se esconde atrás das telas das redes sociais. Avança pelas ruas e na vida real. Segundo levantamento da Polícia Civil do Distrito Federal (PCDF), entre janeiro de 2019 e novembro de 2022, a cada 10 dez ocorrências de injúria racial que ocorrem na capital da República, nove são ofensas disparadas presencialmente. No caso de racismo, 69% dos crimes ocorreram cara a cara, enquanto 31% pela internet.
De acordo com a pesquisa, foram registradas 2.072 ocorrências de injúria racial no período investigado. Desse total, em 1.903 episódios as vítimas foram ofendidas diretamente pelos criminosos. Apenas 169 ocorreram pela internet. No mesmo corte temporal, a polícia recebeu 58 casos de racismo. Sendo que 40 deles realizados presencialmente e 18, on-line.
Veja a pesquisa na íntegra:
Racismo e Injuria Racial by Metropoles on Scribd
O estudo também aponta a tendência de crescimento do preconceito na capital federal. Somando os casos de injúria racial e racismo, o DF testemunhou 477 ocorrências em 2019. O número recuou para 457 em 2020. E acelerou para 598 em 2021. Entre janeiro e novembro de 2022, já foram registrados novamente 598 casos. E há novos casos em dezembro, a exemplo da história revelada pelo Metrópoles, a qual uma jornalista foi xingada de “preta desgraçada” em um evento de samba.
O número alertam para a frequência dos episódios. Pelo recorte parcial 2022, os crimes raciais ocorreram diariamente. A taxa é de 1,7 casos a cada 24 horas. Semanalmente, em média, as delegacias recebem 12 registros de ocorrência. Recentemente, o Metrópoles noticiou outro levantamento mostrando a incidência do preconceito por região, contando também com os casos de discriminação racial. O Plano Piloto surgiu como o líder de casos.
Segundo a delegada-chefe da Delegacia Especial de Repressão aos Crimes por Discriminação Racial (Decrin), Ângela Santos, a maior parte das ocorrências registradas aponta para crimes de fato. O resultado das investigações é reflexo direto da consciência do racismo estrutural e do racismo institucional. Ou seja, se as equipes policiais não registrarem os crimes da forma devida, os casos de racismo e injúria racial podem ser subnotificados.
“A injúria é uma forma de xingamento, de humilhação, de constranger, envergonhar. Essa é a origem da injúria. É você atingir aquilo que é mais profundo para a pessoa. É a honra subjetiva. No caso da população preta, são mais de 300 anos de escravidão e aproximadamente 100 anos de liberdade. É não foi uma liberdade assistida. A população foi jogada, foi marginalizada”, comentou a delegada.
Segundo a delegada, no caso do racismo, o criminoso não consegue aceitar a convivência com pessoas pretas. O preconceito está tão enraizado que o agressor não tolera dividir espaços, indo desde um elevador até a moradia em um condomínio. “A pessoa traz isso da sua formação. Possivelmente, aprendeu isso com os pais. A gente não nasce racista. Como disse [Nelson] Mandela: ‘Se a gente aprende a odiar, pode aprender também a amar'”, afirmou.
Movimento Negro
Para a advogada Josefina Serra dos Santos, participante do Movimento Negro Unificado (MNU), a denúncia é vital para combater o preconceito. No entanto, segundo a ativista, em muitos casos, crimes que poderiam ser enquadrados como racismo são desclassificados e acabam virando injúria racial. Este movimento, abranda as penas e permite que os criminosos não sejam presos.
“As pessoas desclassificam racismo para injúria racial. Consideram que foi um crime de menor potencial ofensivo. E aí a pessoa não responde presa e tem o benefício de pagar a fiança. Porque se for tipificado como racismo a pessoa responde presa, porque racismo e inafiançável. Infelizmente, alguns agentes públicos, que na maioria das vezes é branco, se coloca no lugar do racista, do ofensor. Quem sofre racismo é quem sente”, explicou.
Segundo a ativista, ainda é necessário conscientizar grande parte do membros dos órgãos de controle. Para Josefina, não há um aumento de casos. O que está ocorrendo é o aumento das denúncias. Mas o preconceito está enraizado no cotidiano. “Hoje as pessoas têm mais elementos para denunciar. A vítima pode gravar pelo celular ou uma testemunha pode fazer a gravação”, disse.
“Não exigimos que as pessoas gostem uma das outras. A gente exige é que as pessoas nos respeitem, como respeitam qualquer pessoa. Se isso não acontecer, a tendência é de se confirmar a divisão da sociedade brasileira. Racismo é uma violência. É uma desumanização. No Brasil, nós negros somos discriminados pelo fenótipo. Eu ainda tenho esperança de mudança”, alertou.
Risco de naturalização
Apesar do baixo registro de ocorrências de crimes praticados pelas redes, o presidente da Comissão de Direitos Humanos da Câmara Legislativa (CLDF), o deputado distrital Fábio Felix (PSol) identificou um grande número de postagens racistas pelas redes sociais. E a subnotificação desses casos pode pavimentar a naturalização do racismo no futuro.
“Essa onda de racismo on-line é um primeiro passo para um processo de naturalização e legalização de práticas racistas no cotidiano, presencialmente. Quando a gente naturaliza uma série de ofensas racistas em comentários, transmissões ao vivo, em todos os espaços na internet, e isso tem acontecido nos últimos cinco anos com muita força, vemos o primeiro passo para se naturalizar as ofensas racistas no cotidiano. É terrível que as pessoas se sintam à vontade para cometer esses crimes”, disse.
Segundo o parlamentar, as políticas públicas de enfrentamento à desigualdade racial e ao racismo foram desmontadas. O distrital destacou o desmonte da Fundação Palmares, do fim da Secretaria Nacional de Promoção da Igualdade Racial, do esvaziamento do debate sobre ações afirmativas, como as cotas e abandono da agenda legislativa sobre a reflexão da violência policial contra a população negra.
Para Felix, a volta das políticas públicas contra a desigualdade racial e o racismo é urgente e deve ser uma prioridade para o futuro governo do presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Em segundo lugar, defende que a agenda antirracista seja levada para o debate público, principalmente com denúncias. E, por fim, em terceiro, o parlamentar sugere a inserção do ensino sobre a história da África e da educação antirracista para dentro das salas de aula.
“A educação é fundamental para a gente conseguir gerar uma consciência de transformação na próxima geração. Podemos aproveitar a chegada no novo ensino médio para incluir disciplinas antirracista”, sugeriu. Por fim, o deputado considera necessário um pacto com as forças de segurança em geral. Para o distrital, existe modus operandi muito violento contra o povo negro, a começar pelo perfil de suspeição e a forma de abordagem.
“O racismo se reverbera de diversas formas, incluindo no racismo religioso”, completou. Neste ano, Felix aprovou uma legislação específica contra o racismo religioso na CLDF. O texto foi encaminhado para avaliação do governador Ibaneis Rocha (MDB).
Denúncias
O registro pode ser feito em qualquer delegacia ou na Decrin. A Decrin funciona de segunda a sexta, das 12h às 19h. Os telefones de contato são: 3207-4242 ou 197. Outro serviço disponível é o da Delegacia Eletrônica, que pode ser acessado pelo site da PCDF.
A CDH também recebe denúncias por e-mail (direitoshumanos@cl.df.gov.br) ou Watshapp (61-9904-1681). Também é possível entrar em contato neste link.