Escola de Música de Brasília sobrevive no improviso
Além de penúria estrutural, o tradicional centro de ensino atravessa uma crise interna causada por divergências entre direção, professores e alunos
atualizado
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As 900 vagas oferecidas pela Escola de Música de Brasília (EMB) para as aulas que começaram no dia 5 de agosto passado foram alvo de acirrada disputa, como ocorre a cada semestre. No entanto, a mais de um mês do início do período letivo, os novos alunos, selecionados por sorteio, convivem com um cenário pouco animador, já conhecido dos veteranos.
Chão descascado, telhas esparramadas pelo terreno, espaços ocupados por entulho e corredores mal iluminados turvam a visão. Aos alunos que esperam o início da próxima aula, resta sentar-se no piso frio e aguardar. Na Instrumentoteca, a riqueza do acervo divide atenção com a quantidade de peças ociosas e danificadas pela utilização contínua.
O Teatro Levino de Alcântara é o único que tem recebido atenção: novas poltronas e ar-condicionado em funcionamento destoam do resto das instalações. É um oásis em meio ao caos que contamina até o diretor da escola, Ayrton Macedo Pisco. “Aqui, tudo é impossível”, lamenta.Ele conta que este ano, até o mês de julho, havia recebido da Secretaria de Educação apenas R$ 15.455,00 para operar o espaço. “Uma harpa custa R$ 130 mil. Cada afinação dos pianos, R$ 15 mil. Não há verba”, afirma. Um professor, que pediu para não ser identificado, informou que os docentes assumem atribuições que transcendem o ensino da música. Alguns precisam tirar cópias de chaves das salas e das partituras para os alunos.
Questionada pela reportagem sobre os planos para a melhoria da infraestrutura da escola, a secretaria se manifestou por meio de uma nota oficial: “O plano de obras de 2015 a 2018 está sendo elaborado para uma ampla manutenção na rede pública de ensino. O Centro de Educação Profissional – Escola de Música de Brasília está nesta lista”.
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Crise interna
Além da penúria estrutural, uma crise interna se instalou entre direção, professores e alunos em 2015. Diretor desde 2011, Pisco gerou desconforto entre os educadores ao aplicar medidas polêmicas, como cobrar com mais firmeza a precisão das folhas de ponto.
Para ele, as mudanças obedecem à necessidade de transparência exigida atualmente em qualquer órgão público. “A gente tem tradição de um serviço público que era impenetrável, que fazia as próprias regras”, explica, lembrando a época em que a EMB era diretamente subordinada ao gabinete do secretário de Educação. Em agosto de 2012, a escola passou a responder à Coordenação Regional de Ensino (CRE) do Plano Piloto e Cruzeiro. “Temos que derrubar essas tradições, e esse tipo de abalo causa certos desconfortos, como a marcação de ponto”.
“A gente tem tradição de um serviço público que era impenetrável, que fazia as próprias regras. Temos que derrubar essas tradições, e esse tipo de abalo causa certos desconfortos, como a marcação de ponto”
Ayrton Macedo Pisco, diretor
Alguns professores classificam as atitudes de Pisco de excesso de moralismo. Ele nega que sua relação com o corpo docente esteja abalada. “Teve gente que me disse, ‘a escola virou uma prisão’. Não é prisão, mas contrato de trabalho”, diz. “Hoje tenho encontrado muita gente que me apoia e as pessoas estão percebendo que não tenho interesse pessoal nisso. As regras são mais definidas e, no futuro, serão ainda mais. A iniciativa pública deverá ser tão eficiente quanto o serviço privado”.
Apesar das dificuldades, Pisco não quer perder de vista a missão da EMB. “A escola tem que ir aonde o povo está”, diz. “Imagine quantas das 600 mil crianças da rede pública são ignorantes em música. Temos aqui um manancial gigantesco e deixamos na inanição cultural um mundo de crianças que também pagam impostos”, avalia.
“Desconforto generalizado”
Professor de contrabaixo elétrico Oswaldo Amorim enxerga um cenário em completa contradição com a versão dada por Pisco. “É um desconforto generalizado. Clima de desânimo, de desconfiança. É um denunciando o outro aqui dentro. E um diretor que só difama o corpo docente. A Secretaria de Educação lavou as mãos”, diz o músico. Ele cita, em especial, um episódio ocorrido em abril deste ano.
Um grupo com cerca de 50 estudantes e professores marcou assembleia para pedir a exoneração de Pisco. Mas o diretor entrou na Justiça com liminar que suspendeu a reunião. “As atitudes dele beiram o surreal”, desabafa. Para Amorim, também ex-aluno da instituição, a secretaria está “míope”. “Temos que tirar leite de pedra com a estrutura atual. Eles (da secretaria) só querem números, não estão preocupados com as condições de aprendizado, como a falta de isolamento acústico”, conta.
O mesmo professor que reclama de ter que tirar cópias de chaves e partituras conta que, desde que passou a ser subordinada à CRE, a EMB sofre as mesmas cobranças que uma escola comum da rede pública. “Eles querem medir a produção e a qualidade com números. Somos diferentes a começar por ser uma escola técnica”.
Com medo de retaliação, outro educador também pediu anonimato em suas declarações. Ele observa que a instituição não recebe do GDF demonstrações de respeito e bons investimentos. A postura do diretor, afirma, agrava a situação. “Ele deveria ser a voz da escola junto ao governo, mas é o algoz. O professor não tem condições de dar aula por cinco horas seguidas. Ele exige coisas absurdas como lista de presença em reuniões sem importância nenhuma. Quem não vai é penalizado”.
Recém-formado em contrabaixo elétrico pela instituição, o aluno Frederico Nepomuceno sentiu o clima tenso entre direção e professores. “Nunca vi um período tão crítico na escola”, comenta. As divergências atrasaram o início das aulas no primeiro semestre deste ano (previsto para fevereiro) a tal ponto que o calendário escolar foi decidido apenas em maio.
Fotos: Daniel Ferreira/Metrópoles