Comercial da 205/206 Norte se reinventa e vira a queridinha do Plano Piloto
Novo centro budista reforça a revitalização da quadra ironicamente conhecida como “Babilônia Norte”
atualizado
Compartilhar notícia
Amada por uns e mal vista por outros tantos, as quadras comerciais 205 e 206 Norte fogem do modelo padrão arquitetônico das ruas das “asas” de Brasília. Por muito tempo, as paredes brancas, que dão uma forma única a esses blocos e os fazem destoar do traçado planejado da capital, receberam a alcunha de “a quadra estranha do Plano Piloto”. De uns anos para cá, no entanto, um coletivo de artistas e empreendedores iniciou um processo de revitalização. E, no último dia 7, a inauguração de um centro budista, em uma das 72 salas comerciais que compõem o curioso conjunto, impulsionou essa transformação do local.
A Lama Sherab Drolma, professora residente do templo Khadro Ling, em Três Coroas (RS), esteve na cidade para abençoar o novo espaço.
Achei legal a gente ter vindo para cá. É muito bom fazer parte dessa renovação da quadra. Todos os aspectos da vida humana estão aqui
Lama Sherab Drolma
Uma das coordenadoras do local, a servidora pública Fátima Guimarães explica que, dentro da proposta de paz e harmonia do templo, fez muito sentido retornar a sede do local para a quadra que vem abrigando novos espaços culturais. A 206 Norte foi a casa do centro Chagdud Gonpa Padma Ling em seus primeiros anos.
Inaugurado em 1979, esse experimental projeto arquitetônico de Doramélia Marra da Motta atualmente hospeda os mais diferentes e improváveis comércios. A lista contempla o Sindicato dos Jornaleiros, presente ali há quase 50 anos; o petshop Armazém Rural, conhecido há quase 25 anos pelos seus habituais encontros de animais de estimação; o Macarrão na Rua que, desde 2002, promove o tradicional nhoque da sorte – sempre no dia 29 de cada mês; além de consultórios veterinários, academia de crossfit, padaria, restaurante self-service, galerias de arte e escola de música.
A colorida placa do Espaço Café Art já anuncia que ali o visitante encontrará pessoas de coração festivo. A artista plástica Liane Moreira Lopes, 47 anos, é a dona do espaço e, há sete anos, oferece cursos de desenho, pintura, dança e costura. Quando resolveu voltar para Brasília, depois de temporadas em outros estados e países, veio certa de que criaria na 205 Norte o seu ateliê. “Aqui, tem uma energia para as artes. Mas ralei para deixar o espaço do jeito que eu queria. Quando aluguei, tinha até pulga. Fiz uma grande reforma”, lembra Liane.
Todos os empreendedores entrevistados pelo Metrópoles informaram que tiveram muito trabalho para deixar o local alugado com a cara do comércio. “Tivemos que reformar tudo. Foi um investimento de quase R$ 60 mil”, comenta a publicitária Fernanda Mujica, 26 anos. Ela, juntamente com a também publicitária Alessandra Cavendish, 25, transferiram o endereço da Avocado Design para a quadra labiríntica.
Quem olha para a fachada da 206 Norte não acredita que por trás do concreto exista um escritório visualmente incrível e com uma proposta inovadora. Pufes, almofadas amarelas, tapete de grama e videogame são alguns do itens que conferem a atmosfera jovial ao espaço. Alessandra e Fernanda tocam um estúdio de branding, que repensa a comunicação e o design de um negócio. As amigas dividem o espaço com a Manifesto, empresa que se autointitula como um laboratório de experiências. “A gente queria estar aqui. Desejávamos um visual urbano”, aponta Alessandra.
A quadra virou o xodó de quem gosta de arte
Fernanda Mujica, empresária
Apontado por muitos como o propulsor dessa mudança de perfil da quadra, o centro cultural Espaço Cena foi inaugurado em 2005 por Guilherme Reis, atual secretário de cultura do DF. O local passou a atrair, então, uma legião de artistas locais, que encontraram ali um terreno fértil para a proliferação de novas propostas artísticas. O ator e produtor Chico Sant’Anna, 64 anos, é o responsável pelo teatro de bolso do lugar e conta que, por causa do fechamento dos palcos oficiais, o Cena tem sido muito procurado.
Os blocos comerciais colados e sem identificação aparentes complicam a vida de quem precisa encontrar endereços no local. As idealizadoras da Avocado revelam que os clientes nunca conseguem entrar pela porta da frente do escritório. Por esse motivo, elas tiveram que reformar a porta de trás da sala.
A excentricidade da quadra não está apenas no formato dos prédios. Relatada por muitos dos comerciantes do local, a história de um senhor que vive em um carro há quase 15 anos já virou um causo da região. De acordo com os frequentadores do espaço, ele vive cercado de pombos e gatos. Seu oficio é alimentar a bicharada. O humor incerto dele, no entanto, já rendeu muitas inimizades. “Preferimos evitá-lo”, revela a artista plástica Liane.
Com esse movimento cultural, as noites da quadra passaram a receber mensalmente um cinema ao ar livre, além de encontros de food trucks semanalmente, quando não diariamente. Se até bem pouco tempo atrás a comercial da 206 Norte era ironicamente conhecida como “Babilônia” em alusão às suas ruínas, uma nova babilônia, que agora remete à diferentes culturas e espaços, tem se reerguido. Se essa era “a quadra estranha do Plano Piloto”, por quê não ser a mais nova queridinha de Brasília?