Com acervos defasados e gestão confusa, bibliotecas públicas do DF funcionam na “boa vontade”
Dos 29 espaços, poucos para o tamanho da população, três estão com as portas fechadas. Direção compartilhada entre Secretaria de Cultura e administrações regionais de cada cidade dificulta a administração das unidades
atualizado
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Se a situação das bibliotecas públicas do Distrito Federal fosse contada em livro, daria uma narrativa dramática, confusa e com final em aberto. Elas resistem de portas abertas em um cenário bem distante do ideal: acervos defasados, gestão confusa, rotatividade de equipes, problemas de infraestrutura. Ao todo, somando Brasília e as regiões administrativas, há 29 espaços de leitura espalhados pela unidade da federação. O número é pequeno perto do tamanho da população de Brasília e, para piorar, algumas ainda estão fechadas.
A gestão das bibliotecas é compartilhada entre a Secretaria de Cultura e as administrações das cidades. Mas cada lugar funciona como um organismo independente, com sistemas próprios de organização de acervo, horários de funcionamento e perfis profissionais. Uma Babilônia que depende de uma sintonia – nem sempre afinada – entre representantes da Cultura e de cada região administrativa. A secretaria entra com suporte técnico e operacional, formação de acervo, capacitação de pessoal e intercâmbios entre os espaços. As administrações cuidam de contratação de funcionários, limpeza, segurança e serviços estruturais, como internet.
Carência de livros – e de mais bibliotecas
Diretora do sistema de bibliotecas do DF, órgão da Secretaria de Cultura, Graça Pimentel vê esse modelo de gestão como desafiador. “Temos recursos apertados. E as administrações não têm orçamento próprio para suprir as dificuldades de cada espaço”, conta. “Outro problema é a falta de recurso para aquisição de acervo”.
Graça lista uma terceira dificuldade: o recurso humano qualificado. “A cada quatro anos, os funcionários são trocados. E você se vê tendo que treinar e conversar com novas equipes. Isso engessa o trabalho”, lamenta. Os bibliotecários de todos os espaços geralmente se reúnem mensalmente na Biblioteca Nacional. Nos últimos meses, porém, a frequência de encontros foi interrompida pelo cenário de greve dos servidores e de crise financeira que afeta o GDF.
Com acervo abastecido por doações da comunidade, as bibliotecas atraem públicos distintos — universitários, concurseiros e crianças. Graça Pimentel enxerga uma carência de títulos e espaços. “Precisaríamos ter, no mínimo, o dobro de bibliotecas no DF”, explica. “Deveríamos ter uma a cada 30 mil habitantes. Ou ao menos a cada 100 mil. Porque os pontos de leitura são distantes”, continua.
Três das 29 bibliotecas públicas estão inativas: Planaltina (por risco de desabamento), Biblioteca de Artes do Espaço Cultural Renato Russo, na 508 Sul (por causa da futura reforma do prédio) e Riacho Fundo II (foi erguida em área indevida e será realocada em lugar a ser definido pela administração regional) — a Biblioteca Demonstrativa, fechada desde maio de 2014 em um processo demorado de revitalização, é de responsabilidade do Ministério da Cultura.
Realidades distintas
Localizada na 512/513 Sul, a Biblioteca Pública de Brasília tornou-se uma espécie de refúgio para quem não pretende se deslocar até a Biblioteca Nacional. O desfalque dos espaços da 508 Sul e da Demonstrativa reforça esse cenário. “Se houvesse padrão, haveria um plano geral de catalogação, de horários. Esse sistema atual só funciona na boa vontade”, avalia a bibliotecária Priscilla Pimentel, da Biblioteca Pública.
Desligados, os 10 computadores ainda aguardam a chegada do Projeto Bill Gates. Priscilla enumera um acervo de 20 mil títulos e cerca de 12.200 usuários cadastrados. Marcos Roberto Sá é um deles. Mora no Paranoá e estuda no Instituto Brasiliense de Direito Público (IDP). Ele costuma visitar o espaço duas vezes por semana, sempre acompanhado pelas filhas, Mariana, de 9 anos, e Isadora, 7. “O melhor acervo das bibliotecas públicas está aqui. Mas a Demonstrativa faz muita falta. Quando precisamos de algum livro que não encontramos, vamos ao Sebinho”, diz o segurança, de 40 anos.
Novos espaços de leitura
Apesar das dificuldades e de um ano especialmente complicado na gestão pública do DF, dois novos espaços foram inaugurados em 2015 (em Vicente Pires e na Cidade Estrutural). Três passaram por reformas (Ceilândia, Riacho Fundo I e Águas Claras) e a de Brazlândia ainda está em manutenção.
Inaugurada há apenas dois meses, a Biblioteca Pública da Estrutural tem ajudado jovens e crianças da cidade. Uma das bibliotecárias, Silvana Tavares, considera o lugar “um presente” para a cidade. Gletison Rodrigues frequenta o espaço desde a abertura. Antes, costumava estudar em casa ou pegar ônibus até Águas Claras ou Taguatinga em busca de mais tranquilidade para se concentrar nos livros.
Aos 28 anos, o jovem cursa o quarto semestre de direito na Uniplan e pretende prestar concurso para seguir carreira militar. Ele considera o acervo ainda um pouco desatualizado, mas avalia que a proximidade do espaço facilita o planejamento dos estudos. “Eu perdia muito tempo em ônibus, às vezes andando em até quatro conduções. Aqui fica a cinco minutos da minha casa. Sentia falta de um local assim.”