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Crime de ódio: 28 autores se suicidaram após feminicídios no DF

Secretaria de Segurança Pública do DF traçou perfil de assassinos que cometeram feminicídio seguido de suicídio entre 2015 e 2024

atualizado

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Mulher idosa mostra a mão. Nela está desenhada um X em vermelho pensão
1 de 1 Mulher idosa mostra a mão. Nela está desenhada um X em vermelho pensão - Foto: Breno Esaki/Metrópoles

Na última segunda-feira (11/11), Denise Medeiros de Oliveira, 30 anos, foi vítima de um brutal assassinato após ser esfaqueada pelo ex-namorado Adriel Munis, 29 anos, que, logo em seguida, tirou a própria vida. O crime aconteceu no apartamento da vítima, em Vicente Pires.

Em agosto, uma ocorrência semelhante foi noticiada no Gama. Os corpos de Rosemeire Rosa Campos, 46 anos, e do ex-marido, Anderson Cerqueira, 45 anos, foram encontrados em um condomínio. O homem teria matado a ex-companheira e atentado contra a própria vida.

Os dois assassinatos têm algo em comum: o feminicídio seguido de suicídio do agressor. Os casos ocorridos no Distrito Federal chamam a atenção para um fenômeno que foi registrado em 14,4% dos crimes, entre março de 2015 e setembro de 2024.

Um estudo realizado pela Secretaria de Segurança Pública (SSP-DF) monitorou neste período 28 ocorrências nas quais o feminicídio foi seguido pelo suicídio do autor.

O perfil dos feminicidas que atentaram contra a própria vida após matarem mulheres com quem mantiveram algum vínculo afetivo apontam que 54% deles eram ex-companheiros das vítimas.

Além disso, em 46% das ocorrências, o crime teria sido motivado em razão do autor não aceitar o fim do relacionamento.

O estudo também revela que a idade média desses criminosos era de 44 anos. A maioria deles estudaram até o ensino médio (43%) e eram profissionais autônomos (43%).

A psiquiatra forense Andrezza Brito ressalta que a grande maioria dos feminicídios não possui relação com alguma doença mental do agressor, mas um sinal de alerta é o histórico de agressão à parceira e o acesso a armas de fogo já que é o principal instrumento empregado nesses crimes.

De acordo com a médica, os estudos científicos mostram que há algumas diferenças no perfil dos agressores que comentem feminicídio seguido de suicídio.

“Entre os fatores de maior risco para que o feminicídio seja seguido pelo suicídio do perpetrador são: filhos do agressor com a vítima, doença mental ou física prévia, o crime ser cometido por arma de fogo, tentativa de suicídio prévia ou ideação suicida do perpetrador, idade maior que a vítima. A literatura médica mostra também uma relação com a profissão de policial”, explica a médica.

O crime pode ser visto pelo autor como uma forma de “resolver o problema”. A psiquiatra aponta que homem vê a mulher como propriedade e há uma grande dificuldade em lidar de maneira saudável com sentimentos de rejeição e ciúmes.

“Falta de bons vínculos interpessoais, dificuldades financeiras, baixo limiar a frustração, desemprego, acesso a arma de fogo, uso de álcool ou drogas e questões culturais podem influenciar negativamente na ocorrência de feminicídios seguidos de suicídio”, comenta a psiquiatra forense.

Extinção da pena

Por definição, a extinção da punibilidade ocorre quando há o fim do direito do Estado de punir um indivíduo por um crime. Um dos motivos que pode levar à aplicação da extinção da pena é a morte do acusado.

Quando o feminicida comete suicídio causa a sensação de impunidade para familiares e amigos da vítima. Para os entes, há um sentimento de que a justiça não pode ser feita, porque o próprio autor do feminicídio dá fim à vida.

“Quando alguém comete um crime e morre, independente da causa da morte, o processo é extinto. Nesses casos em que o autor se suicida após o feminicídio vai haver um arquivamento, após a polícia concluir a investigação. A atuação do Ministério Pública fica muito restrita e acaba sendo de fiscalização e de proposta de arquivamento no Poder Judiciário”, esclarece o promotor de Justiça Raoni Maciel, coordenador do Núcleo do Tribunal do Júri do MPDFT.

O promotor acredita que em casos como esse a Justiça não prevalece, visto que o autor não responderá pelos crimes que cometeu. Nada pode ser feito para responsabilizar alguém pela morte daquela vítima.

“Eles não ficaram aqui para suportar os atos deles. São casos de pessoas tão covardes que além de terem a covardia de matar uma mulher ainda se furtam a responder pelo o que fizeram com as vítimas”, pondera.

Cobertura de crime de ódio

A juíza Fabriziane Zapata, coordenadora do Núcleo Judiciário da Mulher e titular do Juizado de Violência Doméstica e Familiar do Riacho Fundo, enfatiza que o feminicídio não se trata de um crime passional, nem de um ato praticado por alguém que amou demais; é um crime de ódio e, assim, deve ser apresentado.

“A cobertura midiática de casos de feminicídio, especialmente aqueles seguidos de suicídio, é um tema delicado e de grande responsabilidade. Evitar o sensacionalismo é crucial. Reportagens que exageram detalhes gráficos ou emocionais podem glorificar ou romantizar o ato, o que é extremamente perigoso”, alerta a magistrada.

Zapata destaca que é importante não divulgar detalhes específicos sobre o método utilizado no crime e no suicídio, visto que pode evitar a imitação por parte de pessoas vulneráveis.

“O caso deve ser inserido dentro de um contexto mais amplo de violência de gênero e feminicídio, destacando a necessidade de políticas públicas e medidas preventivas. A cobertura deve ser utilizada para educar o público sobre os sinais de alerta e os recursos disponíveis para vítimas de violência doméstica e para o autoconhecimento, de modo que a pessoa saiba quando se encontra no limite e que precisa buscar ajuda profissional”, orienta.

Busque ajuda

O Metrópoles tem a política de publicar informações sobre casos de suicídio ou tentativas que ocorrem em locais públicos ou causam mobilização social. Isso porque é um tema debatido com muito cuidado pelas pessoas em geral. O silêncio, porém, camufla outro problema: a falta de conhecimento sobre o que, de fato, leva essas pessoas a se matarem.

“Existe um mito de que a mídia irá estimular outros casos de suicídio com a divulgação do fato, mas o problema é a divulgação errada. A psicoeducação é preventiva, precisamos falar sobre suicídio. A população precisa ser informada de que a grande maioria dos suicídios podem ser evitados com o tratamento psiquiátrico adequado. Há sinais e sintomas possíveis de identificar na pessoa que irá tentar ou cometer o suicídio. Com o reconhecimento destas alterações, a família deve procurar ajuda para a pessoa”, reforça a psiquiatra forense Andrezza Brito.

Depressão, esquizofrenia e uso de drogas ilícitas são os principais males identificados pelos médicos em um potencial suicida. Há problemas que poderiam ser tratados e evitados em 90% dos casos, segundo a Associação Brasileira de Psiquiatria.

Está passando por um período difícil? O Centro de Valorização da Vida (CVV) pode te ajudar. A organização atua no apoio emocional e na prevenção do suicídio, atendendo, voluntária e gratuitamente, todas as pessoas que querem e precisam conversar, sob total sigilo, por telefone, e-mail, chat e Skype, 24 horas, todos os dias.

O Núcleo de Saúde Mental (Nusam) do Samu também é responsável por atender demandas relacionadas a transtornos psicológicos. O Núcleo atua tanto de forma presencial, em ambulância, como a distância, por telefone, na Central de Regulação Médica 192.

O Centro de Valorização da Vida (CVV)  é um dos poucos serviços em Brasília em que se pode encontrar ajuda de graça pelo disque 188. Cerca de 50 voluntários atendem a quem precisa, 24 horas por dia.

 

 

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