Crime da 113 Sul: MP diz que PCDF “plantou mentira” para proteger Adriana Villela
Declaração do promotor Maurício Miranda ocorre a 10 dias do julgamento da arquiteta e se refere a atuações da 1ª DP e 8ª DP
atualizado
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Faltando 10 dias para Adriana Villela ser levada ao banco dos réus, defesa e acusação afinam estratégias para o embate que promete movimentar o Tribunal do Júri de Brasília. O Ministério Público do DF e Territórios sustenta que a arquiteta é a mandante da morte dos próprios pais, o ministro aposentado do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) José Guilherme Villela e a advogada Maria Villela. A funcionária da casa, Francisca Nascimento Silva, também foi assassinada. O crime ocorreu em 28 de agosto de 2009.
Em entrevista ao Metrópoles, um dos promotores que vai atuar no Júri diz estar convicto de que o trabalho inicial da Polícia Civil do DF nos primeiros meses seguintes à localização dos corpos foi “orquestrado para plantar uma mentira” e “excluir” Adriana da lista de culpados pela barbárie que ficou conhecida na cidade como o crime da 113 Sul.
O promotor de Justiça Maurício Miranda avalia que a má atuação da primeira unidade a conduzir as investigações, a 1ª DP, na Asa Sul, à época sob o comando da ex-delegada Martha Vargas, ocorreu por um motivo específico: “Afastar as apurações do crime de homicídio e levar à conclusão de latrocínio”. Martha, inclusive, foi condenada à prisão por fraude processual e por plantar provas. Por tais crimes, perdeu o cargo de delegada e a aposentadoria de R$ 16 mil.
Com suspeitas pairando sobre a imparcialidade das investigações, ainda em 2009, a Justiça determinou que o caso passasse integralmente à antiga Coordenação de Crimes Contra a Vida (Corvida). No entanto, de acordo com Miranda, outra delegacia, a 8ª DP (SIA) — à época chefiada por Deborah Menezes —teria usurpado a competência da Corvida e comprometido a elucidação célere do triplo homicídio.
Foi a equipe de Deborah que viajou a Montalvânia (MG) e prendeu o ex-porteiro do prédio dos Villela, Leonardo Campos Alves. Embora tenha confessado participação no crime com outros dois comparsas, a 8ª DP sustentava que Leonardo havia cometido um latrocínio. A tese foi rechaçada pelo MPDFT, que assegurava a participação de Adriana como mandante. “Qual era a mentira que eles queriam plantar no processo? Usaram chave falsa, vidente, tortura, pra quê? Tudo para inocentar Adriana”, denuncia o promotor, que apesar de não ser mais o titular do processo, atuará no Júri.
Defesa diz que investigações são “absurdas”
Do outro lado, a arquiteta tenta desqualificar as provas apresentadas pelo MPDFT. Ela conta com a defesa de dois dos maiores criminalistas do país, Antônio Carlos de Almeida Castro, o Kakay; e Marcelo Turbay. Eles entraram com habeas corpus pedindo a anulação da sentença de pronúncia contra a cliente por avaliarem que os laudos emitidos por papiloscopistas da Polícia Civil acerca das digitais de Adriana colhidas na cena do crime não têm valor.
O ministro do Superior Tribunal Federal (STF) Luís Roberto Barroso, acatou, em parte, o pedido e determinou que o presidente do Tribunal do Júri apresente aos jurados o laudo no dia 23 de setembro. São eles que vão decidir se o documento poderá ou não ser usado como prova. “A Corvida jamais teve compromisso com a busca pela verdade: forjou provas e prometeu benefícios aos assassinos para que incriminassem Adriana”, rebate Turbay.
O advogado vai além. Para ele, “Adriana foi e continua sendo vítima da atuação desordenada, confusa e ilegal da polícia, alimentada por um promotor que só pensa em holofotes e promoção pessoal. A investigação foi toda marcada por absurdos e injustiças”, completa.
Julgamento histórico
Em 23 de setembro, cada lado (defesa e acusação) terá direito a 15 testemunhas. Elas prestarão depoimento diante de sete jurados, escolhidos entre os 25 previamente selecionados. O MPDFT levará ao Tribunal do Júri um papiloscopista para tentar derrubar a tese da defesa de Adriana. “O trabalho feito pelos papiloscopistas é de alta qualidade. São pesquisadores, doutores, verdadeiros cientistas. As informações que eles coletaram foram publicadas em revistas internacionais de ciência forense”, ressaltou Maurício Miranda.
O promotor detalhou o trabalho técnico executado pelos especialistas. “Diversos casos foram resolvidos com base na datação das digitais. Nesse caso, o que permitiu chegar àquelas conclusões é que cientistas viram as diferenças morfométricas usando a digital da própria Adriana no mesmo ambiente”, afirma.
Miranda ainda alega que as digitais não são as únicas provas da acusação. “Temos todos os depoimentos, gravações e a motivação do crime. Além disso, há um laudo sobre a agressividade dela com os pais, as cartas escritas pela Maria Villela e uma série de elementos para a condenação”, sublinha o promotor. Ele acredita que Adriana será condenada e não terá pena inferior a 60 anos, similar aos dos outros três réus já condenados no caso.
A defesa de Adriana sustenta ter elementos robustos de que seria impossível a arquiteta estar no apartamento dos pais na noite do dia 28 de agosto de 2009. “Comprovamos por meio de testemunha e pagamentos feitos naquele fatídico dia onde Adriana estava desde o momento em que acordou até a hora que foi dormir. Comprovamos que ela não poderia estar no local do crime”, afirma Kakay.
Entrevista com o assassino
O crime que chocou Brasília completou 10 anos no último dia 28. Na data, o Metrópoles publicou com exclusividade uma entrevista com Leonardo Campos Alves, 53 anos, apontado como o responsável por receber dinheiro de Adriana para simular um assalto e esfaquear os pais dela e a empregada.
Por cerca de duas horas, Leonardo contou à reportagem ter presenciado ao menos duas brigas de Adriana Villela com os pais, disse que a arquiteta chegou a destruir o interior de um apartamento dado por José Villela porque não teria gostado da decoração, e jurou ter entrado no suntuoso imóvel situado no Bloco C de uma das quadras mais nobres do Plano Piloto apenas três vezes: “Para levar uma banheira, para ajudar a subir com compras e para levar um móvel”, disse.
Embora o MPDFT e a PCDF tenham apresentado Leonardo como um dos responsáveis por articular o assassinato a facadas – foram 73 no total –, ele alegou inocência.
Cumprindo pena na Penitenciária do Distrito Federal II (PDF II), no Complexo Penitenciário da Papuda, o ex-porteiro declarou ter confessado participação na barbárie mediante torturas física e emocional. Ao falar de Adriana, demonstrou incômodo e sugeriu que ela tivesse relação com o triplo assassinato.
“Todo mundo sabia que ela nunca trabalhou na vida e ia lá [no apartamento dos pais] só para buscar dinheiro. Ela sempre saía muito irritada, reclamando e batendo a porta com força. Tinha uma péssima relação com os pais. Pelo que eu via, é possível que ela tenha feito algo assim [arquitetado um plano para matá-los], mas não tive nada a ver com isso”, esquivou-se.
Segundo Leonardo, um dos episódios mais marcantes que mostrariam o destempero de Adriana foi o dia em que ela teria ficado irritada com a reforma de um apartamento dado pelos pais, próximo à residência dos Villela, e depredado o imóvel. “Ela não gostou do serviço e saiu quebrando tudo. Chegou a virar uma geladeira, de raiva”, relatou.
Posição dos corpos
Em dois depoimentos distintos, Leonardo Campos Alves confessou ser um dos autores do crime. Em um deles, datado de 2010, inclusive, deu detalhes da posição e vestimentas dos corpos. Dez anos depois, disse ter prestado tais informações à antiga Corvida porque estava “cansado de ser surrado”.
“Quando me buscaram em Montalvânia [MG], me colocaram no carro e me deram um murro que quebrou três dentes. Ficavam me colocando em um saco para eu não respirar e me acordavam jogando água dentro do meu nariz. Até então, eu resistia, pois não queria assumir algo que não fiz. Mas os policiais sequestraram minha filha e fizeram ela me ligar chorando. Pegaram meu ponto fraco. Por imaginar que ela poderia estar passando pelo mesmo que eu, decidi falar tudo o que eles queriam.”
Montalvânia é um pequeno município mineiro distante 682 quilômetros de Brasília. Foi lá que o ex-porteiro acabou detido sob acusação de ter tirado a vida dos Villela e de Francisca. Na versão do MPDFT – a qual acabou confirmada pelos jurados que o condenaram –, após o triplo homicídio, ele se refugiou na cidade.
Segundo consta em processo de mais de 16 mil páginas, como era conhecido de funcionários e moradores do edifício, Leonardo convidou o sobrinho Paulo Cardoso Santana e Francisco Mairlon para subirem ao apartamento. Os dois teriam encontrado a porta aberta e rendido Francisca.
O ex-ministro teria chegado ao apartamento por volta das 19h20, encontrado Francisca amarrada na sala e também foi imobilizado. De acordo com as investigações, cerca de 30 minutos depois, Maria Villela entrou no imóvel e recebeu 12 facadas desferidas por Francisco e o comparsa, segundo aponta o MP.
Na sequência, a dupla desferiu 38 golpes em José Vilella e 23 em Francisca. Os corpos só foram encontrados três dias depois, pela neta do casal Carolina Villela, que estranhou a ausência de notícias dos avós.
Policiais denunciados
Embora mantenha o entendimento de que Leonardo Campos Alves seja um dos autores do triplo homicídio, o MPDFT concordou que sua confissão foi obtida mediante tortura.
Em 17 de julho de 2013, nove policiais civis, um PM e um ex-agente da PCDF foram denunciados por abuso de autoridade, tortura e supressão de documentos na prisão de Leonardo, ocorrida quase três meses após o crime da 113 Sul.
Entre os fatos narrados ao MPDFT, Leonardo disse ter tomado banho recebendo jatos de mangueira e ficado um dia e meio dentro de uma viatura sem acesso a banheiro e água. Além disso, teria sido surrado por agentes e forçado a colocar a cabeça dentro de um saco plástico que o sufocava. Ele ainda teria ficado com a audição do ouvido direito prejudicada após um agente disparar um tiro para o alto com a arma encostada em sua orelha.
“Virei um bicho”
Na cadeia há quase uma década, Leonardo não costuma receber visitas de parentes. Embora tenha sete filhos, o único familiar que tinha o hábito de visitá-lo era um dos irmãos – “Mas ele parou de vir depois de sofrer um infarto”.
Ele não calcula em quanto tempo conseguirá progressão para o regime semiaberto, mas confessa ter medo da reação das pessoas ao verem-no em liberdade. “Eu virei um bicho para o povo, um monstro. Sei que a vida de um ex-detento não é fácil, ainda mais sendo um caso de tanta repercussão. Vou me virar como posso.”
“O mais complexo da minha carreira”, diz juiz
Coube a um jovem magistrado do Tribunal do Júri de Brasília conduzir a presidência do enigmático processo do crime da 113 Sul. Atualmente à frente da Associação dos Magistrados do Distrito Federal e Territórios (Amagis-DF), Fábio Francisco Esteves narrou ao Metrópoles as dificuldades de lidar com um caso marcado por reviravoltas e falhas nas investigações.
“Nesse processo aconteceram casos com que não tive nenhuma experiência nesses 12 anos de magistratura, como a presença de uma vidente que participa de algum momento das investigações. Isso foi uma situação muito peculiar, estranha e diferente”, contou o juiz.
Ele se refere à paranormal Rosa Maria Jaques, chamada pela então delegada-chefe da 1ª DP (Asa Sul), Martha Vargas, para ajudar na elucidação do triplo assassinato. A vidente contou ter visto uma foto de José Guilherme num jornal e que o morto piscou para ela, indicando os responsáveis pela tragédia.
Com auxílio da líder espiritual, a delegada aposentada prendeu três suspeitos em Vicente Pires e apontou como prova principal uma chave do apartamento dos Villela que estaria em posse do trio. Para obter a confissão de Alex Peterson Soares, Rami Jalau Kalout e Cláudio Brandão, Martha e parte de sua equipe teriam torturado os três.
No entanto, dias depois, laudo do Instituto de Criminalística (IC) revelou que a chave apreendida era exatamente a mesma recolhida pela própria Polícia Civil na cena do triplo homicídio. Diante da denúncia em relação à prova plantada, Martha pediu afastamento da investigação, e o caso passou a ser conduzido pela Corvida.
Por tais trapalhadas e erros, em 19 de julho de 2018, o Governo do Distrito Federal (GDF) cassou a aposentadoria de R$ 16 mil de Martha. A decisão foi mantida pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ). Ela foi condenada, em segunda instância, a 16 anos de prisão por ter plantado provas a fim de incriminar três homens sem relação com o triplo homicídio. Só conseguiu direito à prisão domiciliar por ter apresentado à Justiça atestado de que é a única tutora de um irmão considerado incapaz.
Advogada que conduz a defesa contra a cassação do benefício previdenciário, Arlete Pelicano detalhou como pensa Martha. “Segundo relato próprio, ela acha que o caso teria que ser investigado com mais profundidade”, resumiu.
Para o juiz Esteves, contudo, “quando encontramos elementos que não são cientificamente aceitáveis e que não partem de uma racionalidade adequada para poder se construir caminhos de investigação criminal, torna-se algo preocupante”. “Se aquilo prosseguisse, talvez pessoas inocentes pudessem estar condenadas hoje”, completou o magistrado, ao justificar por que determinou a mudança no comando das investigações à época.
Meditação, cachoeiras e trabalhos artesanais: a vida de Adriana Villela 10 anos após o crime da 113 Sul
Apontada como mandante do crime, Adriana Villela aguarda julgamento em liberdade. A arquiteta recebia uma mesada de R$ 8 mil, mas considerava pouco, o que motivava discussões acaloradas com os pais.
Adriana é suspeita de ter contratado Leonardo para matar os pais por R$ 60 mil. Ele, por sua vez, teria prometido dar R$ 10 mil a Francisco para executar o crime.
Há quase nove anos ela mora no Leblon, no Rio de Janeiro, em um apartamento dos pais. A herança deixada pelos Villela, estimada em mais de R$ 40 milhões, foi dividida entre ela e um irmão.
Enquanto não é levada a júri popular, Adriana se define como alternativa. Nas redes sociais, costuma publicar fotos meditando em montes, pintando quadros, curtindo em cachoeiras ou produzindo utensílios com materiais recicláveis. No Facebook, apresenta-se como proprietária de uma marca chamada Atelier de Arquitetura e Reciclagem Verde Garrafa.
Apesar de passar pouco tempo em Brasília, optou por não vender uma mansão no Lago Sul que fica praticamente o ano todo fechada. Em Brasília, ela conta com a defesa de um dos criminalistas mais prestigiados do país, Antônio Carlos de Almeida Castro, o Kakay. Embora não conceda entrevistas, contratou uma empresa de assessoria de imprensa.