Crime da 113 Sul: em depoimento, condenado nega existência de mandante
Catorze anos após o crime, Paulo Santana declarou que morte de casal não foi encomendada. Adriana Villela foi presa e considerada mandante
atualizado
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Em 17 de janeiro de 2024, em entrevista ao Innocence Project – iniciativa voltada ao enfrentamento das condenações de inocentes –, Paulo Cardoso Santana, um dos sentenciados pela morte do casal Villella e da funcionária que trabalhava para a família, no caso que ficou conhecido como Crime da 113 Sul, revelou que o triplo homicídio não foi encomendado.
Adriana Villela, filha do casal, foi acusada e condenada, em 2019, considerada a mandante do crime. Além de “inocentá-la” por meio do depoimento gravado em vídeo, divulgado nessa quinta-feira (1º/2), o detento declarou, ainda, que outro acusado preso não tem envolvimento com o caso: Frascisco Mairlon Barros.
“Em momento algum a gente entrou em contato com Francisco Mairlon. Ele tem nada a ver com isso aí. Ele é inocente, entendeu? Ele foi levado em um processo a pagar por um crime que não cometeu. Está [preso] há 14 anos [e é] inocente”, completou Paulo.
Em outro trecho da entrevista, o detento acrescentou que o crime foi planejado e executado apenas por ele e Leonardo Campos Alves, o ex-porteiro do prédio dos Villela. “Quando tiraram a 8ª DP [delegacia de polícia] do trabalho deles e colocaram outra [responsável pelo caso], trouxeram dois inocentes para pagar por um crime que não cometeram”, declarou Paulo.
Ao ser indagado sobre quem seria inocente, ele disse o nome de Francisco e confirmou o de Adriana. “Nunca mencionei Francisco. Nunca disse que teria mandante. […] Nós faríamos um roubo: amarrar as vítimas e deixá-las lá, entendeu? Só que esse cara [Leonardo] tinha algum desafeto com elas”, completou o preso.
Assista:
Triplo assassinato
O Crime da 113 Sul, em agosto de 2009, vitimou o ministro aposentado do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) José Guilherme Villela; a esposa dele, a advogada Maria Villela; e a funcionária que trabalhava para o casal, Francisca Nascimento Silva.
No dia 28 daquele mês, Carolina Villela, neta do casal, encontrou os avós mortos no apartamento deles, na Asa Sul. O corpo da funcionária da família também estava no endereço. O trio foi assassinado com mais de 70 facadas e nenhuma das vítimas conseguiu se defender.
O imóvel da 113 Sul não tinha sinais de arrombamento e não havia testemunhas ou filmagens de câmera de segurança que pudessem auxiliar na resolução do caso.
À época, brasilienses acompanharam atentos a história que expôs graves falhas nas investigações conduzidas pela Polícia Civil do Distrito Federal (PCDF) e que resultou na prisão da filha do casal, Adriana Villela, apontada como mandante dos assassinatos.
Pelo fato de a porta do apartamento dos Villela não ter sido arrombada, a polícia colocou-a entre os alvos do crime. Para os investigadores, ela teria ajudado a dupla de assassinos a entrar no apartamento da família.
Além dela, foram presos Leonardo, Paulo e Francisco – sentenciado a 47 anos, um mês e 10 dias de reclusão.
Revisão criminal
Ao Metrópoles o Innocence Project detalhou ter estudado por mais de um ano o processo criminal do caso da 113 Sul e verificou uma “chance concreta” de provar a inocência de Francisco. Após a declaração de Santana, a organização não governamental (ONG) pediu ao Superior Tribunal de Justiça (STJ) a liberdade dele, nessa quinta-feira (1º/2).
Agora, o projeto quer permissão da Justiça brasileira para fazer novos confrontos de informações com evidências colhidas durante as investigações.
“Nenhuma relação de Francisco Mairlon com as vítimas ou com os fatos foi apontada nos autos. Enquanto Leonardo e Paulo foram vinculados a objetos, joias e valores retirados de dentro do apartamento do casal Villela, absolutamente nenhum indício de materialidade foi considerado no tocante ao Francisco”, destacaram os advogados do Innocence Project.
Para os advogados da ONG, Francisco foi relacionado ao crime sem “evidências” e logo após Leonardo passar por uma “bateria de incessantes depoimentos na antiga Coordenação de Investigação de Crimes Contra a Vida (Corvida)”, uma das delegacias que investigaram o caso.
“No terceiro depoimento – quinto no total –, [Leonardo] fez providenciais alterações na dinâmica dos crimes: passou a indicar Adriana Villela como a mandante dos crimes; retirou-se da cena dos fatos; e incluiu Francisco Mairlon como o segundo executor das bárbaras mortes, ao lado de Paulo”, comentou um dos advogados.
“A partir desse momento começou-se a escrever, em linhas tortas, o insustentável enredo fático que hoje impera sobre os crimes da 113 Sul, envolvendo injustamente Francisco Mairlon, sem que uma única prova nem sequer tenha sido buscada pela polícia ou pelo Ministério Público para corroborar a imputação do crime que ora lhe recai”, destacou o projeto no documento enviado ao STJ.
Como detalhou o Innocence Project, à época do crime, não houve comparação do material genético de Francisco com as evidências colhidas na cena dos homicídios. A verificação do DNA pode revelar que ele não esteve no apartamento da família no dia dos assassinatos.
Desde o início de 2023, a organização internacional também pede que a Justiça brasileira determine a quebra de sigilo telefônico, bem como a localização via Estação Rádio Base (ERB), do celular que Francisco usava em 28 de agosto de 2009.
Quando foi detido, em 2010, Francisco tinha um número diferente do que usava no ano anterior. Esse novo telefone teve o sigilo quebrado pela polícia; assim, as informações foram extraídas de um celular obtido meses após o crime.
O que diz o Ministério Público
Procurado pela reportagem, o promotor Marcelo Leite Borges, responsável pelo caso no Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT), afirmou que a declaração de Paulo não é novidade. “Não se trata de nova evidência. O citado réu havia se retratado durante o processo e tal questão [a declaração de inocência em vídeo] foi analisada pelo corpo de jurados e por demais instâncias judiciais. Busca-se [o Innocence Project Brasil] reabrir o caso para reexame da prova sob o mesmo argumento. Não é caso de revisão criminal”, avaliou Marcelo.
Em setembro de 2023, o promotor disse ao Metrópoles haver, no ordenamento jurídico brasileiro, requisitos legais para revisão criminal e que provas novas são indispensáveis para uma eventual reabertura de casos.
“As provas apresentadas [pelo projeto] foram discutidas no decorrer do processo. Uma das alegações é a questão do DNA, que foi testado. A outra é a do celular. Nesse último caso, não há comprovação de que o número apresentado [pela ONG] era o usado pelo Francisco”, completou o promotor.
Innocence Project Brasil
O Innocence Project Brasil é uma associação sem fins lucrativos criada em dezembro de 2016. A iniciativa se dedica a reverter condenações transitadas em julgado de pessoas inocentes, mapear causas de erros judiciários e propor medidas para prevenir esse tipo de ocorrência.
Fundado há mais de 30 anos nos Estados Unidos, o Innocence Project de Nova York reverteu a condenação de centenas de inocentes. Se, de início, os exames de DNA eram absolutamente essenciais para provar a inocência de condenados, hoje, o projeto – que conta com uma rede formada por dezenas de organizações espalhadas pelo mundo – usa os mais variados meios para desconstituir falhas judiciais.
Na ONG brasileira, o principal critério para aceitação de um caso é a existência de provas cabais de um condenado ser inocente – mas essas evidências não podem ter sido produzidas ou levadas em conta no andamento do processo inicial.
Quando munido de provas seguras e inéditas de que um condenado não praticou o crime pelo qual cumpre pena, o Innocence Project Brasil pode vindicar a revisão de uma sentença. Desde 2021, a iniciativa tem atuado, ainda, a partir da reanálise de vestígios biológicos.
Como ajudar a ONG
Interessados em contribuir com a organização podem fazer doações de qualquer valor em dinheiro, por meio do Pix doe@innocencebrasil.org.