Crime da 113: ONG internacional revisa processo e espera “reviravolta”
Após um ano estudando o caso, a organização Innocence Project afirma que há chance “concreta” de Frascisco Mairlon Barros ser inocente
atualizado
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Três assassinatos brutais, uma investigação frágil e quatro condenações. Quatorze anos após desdobramentos de um dos casos mais bárbaros de Brasília, que ficou conhecido como o crime da 113 Sul, um novo acionamento da Justiça brasileira por parte de uma organização internacional pode provocar reviravolta na condenação de ao menos um envolvido no triplo homicídio brutal que chocou a capital Federal.
O Innocence Project, iniciativa voltada a enfrentar casos envolvendo condenações de inocentes, estudou por mais de um ano o processo criminal da 113 Sul e verificou “chance concreta” de provar a inocência de Frascisco Mairlon Barros (foto em destaque). Além disso, segundo a ONG, uma outra novidade recente seria o embasamento necessária para uma revisão criminal: a retração de um dos condenados assegurando a não participação de Barros nos homicídios. Nesta quinta-feira (1º/2), a ONG pediu ao Superior Tribunal de Justiça (STJ) a liberdade de Mairlon.
Em uma entrevista, em vídeo, concedida ao projeto, em 17 de janeiro, Paulo Santana, um dos assassinos do casal Villela, mudou o depoimento dado a polícia, em 2010, e assegurou a não participação de Francisco no caso.
Na gravação, Paulo diz que Mairlon é inocente e declara que o homem está pagando por um crime que não cometeu.
Com mais esse novo desdobramento, o projeto solicita permissão da Justiça brasileira para que novos confrontos de evidências colhidas durante as investigações possam ser feitos. Em 2010, o Francisco foi preso por assassinato apenas com base em depoimento de outros acusados.
“Nenhuma relação de Francisco Mairlon com as vítimas ou com os fatos foi apontada nos autos. Enquanto Leonardo e Paulo foram vinculados a objetos, joias e valores retirados de dentro do apartamento do casal Villela, absolutamente nenhum indício de materialidade foi considerado no tocante ao Francisco”, pontuaram os advogados do Innocence Projet.
O crime da 113 Sul, ocorrido em agosto de 2009, vitimou o ministro aposentado do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) José Guilherme Villela, a mulher dele, a advogada Maria Villela, e a funcionária do casal, Francisca Nascimento Silva.
À época, brasilienses acompanharam atentos a história que expôs graves falhas nas investigações conduzidas pela Polícia Civil do DF e que resultou na prisão da filha do casal, Adriana Villela, como a mandante dos assassinatos. Além dela, também foram detidos Leonardo Campos Alves, Paulo Cardoso Santana e Francisco. Este último, sentenciado a 47 anos, um mês e 10 dias de reclusão.
Segundo os advogados do projeto, Francisco foi inserido no crime sem “evidência” e logo após Leonardo, o ex-porteiro do prédio do casal Villela, passar por uma “bateria de incessantes depoimentos na antiga Coordenação de Investigação de Crimes Contra a Vida (Corvida)”, uma das delegacias que investigaram o caso.
“Em seu terceiro depoimento – quinto no total – [Leonardo] fez providenciais alterações na dinâmica dos crimes: passou a indicar Adriana Villela como a mandante dos crimes; retirou-se da cena dos fatos e incluiu Francisco Mairlon como sendo o segundo executor das bárbaras mortes, ao lado de Paulo”, declarou um dos advogados.
“E foi a partir desse momento que se começou a escrever, em linhas tortas, o insustentável enredo fático que hoje impera sobre os crimes da 113 Sul, envolvendo injustamente Francisco Mairlon, sem que uma única prova sequer tenha sido buscada pela polícia ou pelo Ministério Público para corroborar a imputação do crime que ora lhe recai”, explicou o projeto na ação.
Conforme explicou Innocence Projet, à época do crime, o DNA de Francisco não foi comparado com evidências colhidas na cena dos homicídios. O material genético, segundo o projeto, poderá indicar que o homem não esteve no apartamento no fatídico dia.
Desde o início de 2023, a organização internacional também pede que a Justiça determine a quebra de sigilo telefônico, bem como a localização via Estação Rádio Base (ERB) do celular, que Francisco utilizava em 28 de agosto de 2009.
Segundo o processo, quando foi detido, em 2010, Francisco utilizava um número diferente do que tinha no ano anterior. E foi justamente esse novo número que teve o sigilo quebrado. Ou seja, policiais pediram a extração de dados de um celular adquirido meses após o crime.
Na recente apelação, o Innocence Projet afirma ter encontrado o número utilizado por Francisco em agosto de 2009 e, com isso, solicita na Justiça a quebra de sigilo do telefone.
“Alegações genéricas”
Apesar da solicitação, o Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT) se opôs ao pedido. Em setembro de 2023, o promotor Marcelo Leite Borges explicou ao Metrópoles que se houvesse provas que inocentassem o acusado, o MP não se oporia. Contudo, segundo relatou, os argumentos apresentados pelo Innocence Projet são “desprovidos de fundamentação concreta”.
Ele prosseguiu: “Não se trata de nova evidência. O citado réu já havia se retratado do seu depoimento anterior durante o processo e tal questão já foi analisada pelo corpo de jurados e demais instâncias judiciais. Busca-se reabrir o caso para reexame da mesma prova, sob o mesmo argumento. Não é caso de revisão criminal”.
De acordo com o promotor, há, no ordenamento jurídico brasileiro, requisitos legais para uma revisão criminal, e provas novas são indispensáveis para uma possível reabertura do caso. “As provas apresentadas já foram discutidas no decorrer do processo. Uma das alegações é a questão do DNA, que já foi testado. A outra questão é a do celular. Nesse último caso, não há comprovação de que o número que estão apresentando era o utilizado pelo Francisco”, disse.
“Vieram agora com esse número dizendo que ele [Francisco] estava usando [à época do crime]. Contudo, estava no nome do Francisco? Não. [Estava] no nome de algum familiar dele? Não. Então, não há comprovação [de que pertencia ao acusado]. Se houvesse prova nova que comprovasse uma inocência, o Ministério público seria favorável, obviamente, mas não é o caso”, finalizou.
No último dia 29 de setembro, um outro julgamento do caso ocorreu, ocasião em que o juízo acatou os argumentos da promotoria.
Empenhados em conseguir a permissão para a contraprova, o Innocence Project interpôs um embargo de declaração – espécie de recurso cujo objetivo é esclarecer contradição ou omissão em decisão proferida por juiz ou por órgão colegiado. O recurso deve ser apreciado nos próximos dias.
O crime
Em 28 de agosto de 2009, Carolina Villela encontrou os avós mortos no apartamento deles, na 113 Sul. O corpo da governanta do casal também foi encontrado no local. O trio foi assassinado com mais de 70 facadas e nenhuma das vítimas conseguiu se defender.
Na cena do crime não havia sinais de arrombamento, testemunhas ou filmagens de câmera de segurança que pudessem auxiliar na resolução do caso.
Quando o crime foi descoberto, ele passou a ser investigado pela 1ª Delegacia de Polícia (Asa Sul). À época, a delegada Martha Vargas, que chefiava a 1ª DP, conduziu o caso. Bem conhecida, Vargas era cotada para ser a diretora-geral da PCDF, e, caso assumisse o cargo, entraria para a história como a primeira mulher a conquistar o feito.
Nos meses que sucederam o crime, Martha passou a estampar capas de jornais. Maurício Miranda, promotor que atuou no caso, chegou a dizer ao podcast Revisão Criminal, do Metrópoles, que a delegada conduzia as investigações voltada à imprensa.
Em determinado momento, no entanto, a atuação da PCDF para desvendar o crime empacou. Sem evidências que esclarecessem o que teria acontecido no fatídico dia, a delegada corria o perigo de perder o caso para outra equipe.
Quando tudo parecia não ter mais solução, Martha anunciou ter encontrado os assassinos com a ajuda de uma vidente. Segundo a delegada, a adivinhadora teria dito a ela que o ex-ministro, em uma foto no jornal, teria piscado e indicado onde estariam os criminosos responsáveis pelos homicídios.
Guiada pela paranormal Rosa Maria Jaques, Vargas prendeu três suspeitos em Vicente Pires, são eles: Alex Peterson Soares, Rami Jalau Kalout e Cláudio Brandão. Segundo a delegada, o trio estaria em posse de uma chave do apartamento dos Villela. Para obter a confissão dos homens, policiais da 1ª DP teriam torturado os três.
Dias depois, contudo, um laudo do Instituto de Criminalística (IC) revelou que a tal chave apreendida era, na verdade, a mesma recolhida pela própria Polícia Civil na cena do crime, dias antes.
A situação impulsionou uma investigação interna na corporação. O sigilo do e-mail da delegada foi quebrado e uma troca de mensagens entre Martha e Rosa Maria foi encontrada.
Na conversa entre as duas, Vargas enviou fotos do trio para que a vidente pudesse identifica-los. Diante da denúncia em relação à prova plantada, Martha pediu afastamento da investigação, e o caso passou a ser conduzido pela Corvida.
Anos depois, a delegada foi condenada a 16 anos de prisão por ter plantado provas a fim de incriminar os três homens sem relação com o triplo homicídio. Vargas só conseguiu direito à prisão domiciliar por ter apresentado à Justiça atestado de que é a única tutora de um irmão considerado incapaz.
Troca de delegacia
Com a saída de Martha, o caso foi para Coordenação de Investigação de Crimes Contra a Vida (Corvida) e passou a ser guiado pela delegada Mabel de Faria. Nesse momento, as desconfianças se voltaram para Adriana Villela, filha de João Guilherme e Maria Villela.
Com Adriana na mira, policiais reviraram o escritório de advocacia dos Villelas. Lá, encontraram cartas trocadas entre Maria Vilella e a filha. Em uma dessas cartas, Maria repreende veementemente o comportamento de Adriana e pede respeito a ela e ao marido.
Com a carta em mãos, Mabel utilizou a informação como prova e definiu que a filha do casal Villela estaria envolvida no crime.
À época, amigos, familiares e empregados dos Villelas foram interrogados pela equipe do Corvida. O outro filho do casal, Augusto Villela, chegou a revelar ao podcast Revisão Criminal que os policiais tentavam colocar um familiar contra o outro, sem sucesso.
Em 2010, Adriana foi presa, pela primeira vez, acusada de atrapalhar as investigações. Além dela, a polícia também prendeu Guiomar Barbosa da Cunha, uma das empregadas do casal de vítimas, que, em depoimento, afirmava ter visto um ex-porteiro no dia do crime próximo ao prédio.
Guiomar, que tinha mais de 70 anos, foi detida por falso testemunho e por “apontar suspeitos considerados inverossímeis” pela polícia. Uma semana depois, a empregada saiu da cadeia por força de um habeas corpus.
Dias após as prisões, Mabel deu entrevistas a jornais afirmando que Adriana não era apenas uma suspeita, mas sim autora do crime. Mesmo sem a identificação dos assassinos e afirmando ter mais de uma linha de investigação, a delegada concluiu que Adriana tinha encomendado os homicídios.
Entra em jogo uma terceira delegada
Enquanto a Corvida focava em Adriana Villela, a delegada Deborah Menezes, à época chefe da 8ª Delegacia de Polícia (SIA), aparece com outros dois suspeitos.
Há duas versões de como ela teria chegado aos assassinos. A primeira gira em torno de um detento do regime semiaberto, que revelou as informações. O tal preso era companheiro de cela de Dantas da Conceição Alves, que estava cumprindo pena de assalto a banco, na Papuda. Dantas é filho de Leonardo Campos Alves, o ex-porteiro do prédio dos Villela.
Segundo depoimento, Dantas teria comentado que o pai e o primo Paulo estariam envolvidos no crime da 113 sul.
Uma segunda versão, conforme conta o podcast Revisão Criminal, é a de que Menezes teria conseguido as informações enquanto investigava uma chacina.
A pista, contudo, teria sido descoberta durante a escuta de um grampo telefônico ilegal. Como a prova foi colhida sem permissão judicial, a delegada supostamente montou essa primeira versão da história.
Posteriormente, o mesmo detento, identificado como sendo o informante, prestou outros depoimentos à polícia. Em um deles, o preso declarou que Debora teria oferecido uma determinada quantia para que ele assinasse a declaração com os primeiros fatos. No fim, a versão oficial é a de que um detento buscou a 8ª DP para expor o que teria ouvido.
Com a informação, a delegada Debora enviou a Montalvânia, cidade onde moravam Leonardo e Paulo, uma equipe de policiais. Em 15 de novembro de 2010, a dupla é presa por envolvimento no crime. A prisão, porém, foi orquestrada sem o conhecimento da delegada Mabel, responsável pelo caso, e sem autorização do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT).
Confissões
Nesse meio tempo, Leonardo confessou ter matado o casal Villela e Francisca Nascimento com a ajuda do sobrinho Paulo Santana. Segundo o depoimento do acusado, José Guilherme o teria destratado, despertando nele um sentimento de humilhação.
Conforme consta no processo, Leonardo procurou o ex-ministro para pedir um emprego, mas teria ouvido a seguinte frase: “Se eu fosse arranjar emprego para todo mundo que me pede, eu tinha que abrir uma agência de emprego”. Esse teria sido o estopim para o crime.
Paulo Cardoso Santana acumulava uma série de passagens pela polícia e, meses após os homicídios da 113 Sul, foi preso por matar a pedradas uma pessoa que devia dinheiro a ele. A desconfiança da polícia, à época, era a de que Paulo teria vendido a essa vítima das pedradas uma das joias de Maria Villela, mas não teria recebido o pagamento devido pelas peças.
Leonardo, por sua vez, também tinha maus antecedentes. Ele chegou a incendiar a casa de uma companheira e ameaçou um outro porteiro com uma faca, motivo pelo qual foi demitido do prédio dos Villelas.
Durante a atuação da 8ª DP no caso, um outro nome surgiu: Neilô, um temido morador de Montalvânia. Neilô garantiu, em depoimento, que foi convidado por Leonardo a cometer o crime, mas não aceitou.
Triplo homicídio
Como ex-funcionário do prédio, Leonardo conhecia falhas do condomínio e sabia como acessar o local sem chamar atenção. Ele e Paulo entraram por uma porta auxiliar que, por sua localização, não era vista por câmeras de segurança.
A porta estava aberta e os dois subiram pelo elevador de serviço até o 5º andar. Dali, continuaram pelas escadas até o 6º andar, onde moravam as vítimas. Leonardo conhecia a rotina do casal e sabia até mesmo por qual porta cada um dos integrantes da família entrava.
Por medo de serem reconhecidos, eles colocaram uma espécie de touca improvisada e ficaram de tocaia atrás de uma divisória, que dava acesso a escada, aguardando a chegada de José Guilherme.
Essa é uma informação importante, pois pelo fato de a porta não ter sido arrombada, a polícia colocou Adriana no local do crime. Para investigadores, ela teria ajudado a entrada da dupla de assassinos.
Ao chegar ao apartamento e abrir a porta de serviço, José Villela foi surpreendido com um empurrão nas costas. O ex-ministro caiu no chão e ficou desacordado. Nesse momento, os criminosos entraram, observaram a vítima no chão e cravaram uma faca em suas costas.
Logo após assassinarem José, os criminosos ouviram sons vindos do corredor. Por ter apenas um apartamento no local, Leonardo sabia que poderia ser Maria Villela retornando para casa.
Leonardo e Paulo, então, se esconderam e aguardaram a entrada da próxima vítima. Maria não percebeu que o marido estava caído no chão e nem que invasores estavam em sua casa, por isso seguiu para o hall de entrada, onde foi abordada pelos dois acusados.
No momento, a idosa se assustou, recusou-se a cooperar e tentou correr para dentro de um closet, mas Paulo a alcançou e a golpeou com uma facada na costela. Maria Villela, então, percebeu a gravidade da situação e entregou à dupla todas as joias que tinha, além de 27 mil dólares.
Apesar da cooperação, nada foi suficiente. Mesmo se dispondo a assinar quantos cheques fossem necessários, a mulher foi assassinada com várias facadas no tórax.
Os criminosos, então, se preparavam para deixar a cena do crime quando ouviram outro barulho no corredor. Quando a porta do apartamento abriu, a imagem de Francisca, a empregada do casal Villela, foi revelada.
Estrategicamente posicionados, a dupla exigiu que a mulher deitasse no chão. Quando a vítima estava completamente indefesa, a atacaram com as facas que tinha nas mãos.
Francisca conhecia Leonardo e, inclusive, conversava com ele no prédio, antes da demissão do porteiro. Conforme revelaram os acusados, em coletiva, a empregada morreu por estar “no lugar errado na hora errada”.
Após matarem as três vítimas, Paulo retornou até o ex-ministro e desferiu contra ele outras facadas.
Quanto a saída da dupla do apartamento, o depoimento dos dois divergem. Leonardo falou que apenas puxou a porta. Paulo declarou que trancou a porta com a chave de uma das vítimas.
O detalhe é importante porque familiares precisaram de um chaveiro para entrar na unidade após o crime.
Onde estariam as armas do crime é outro ponto de divergência. Leonardo diz que deixou a faca no local. Paulo declarou que jogou a utilizada por ele em um rio em Montalvânia. Umas das facas foi encontrada pela polícia, mas não havia nela material genético suficiente para testar, conforme informou a PCDF, à época.
Os criminosos, então, desceram pelas escadas do prédio. Em depoimento, Leonardo falou que sabia que as câmeras do condomínio não recebiam manutenção e que, muitas vezes, funcionavam sem gerar gravações. A dupla saiu pela mesma porta que entrou e não foi vista por ninguém.
Na versão do MPDFT – a qual acabou confirmada pelos jurados – após o triplo homicídio, os acusados fugiu para Montalvânia, um pequeno município mineiro distante 682 quilômetros de Brasília. Foi lá que o ex-porteiro acabou detido sob acusação de ter tirado a vida dos Villela e de Francisca.
Os corpos das vítimas foram encontrados três dias depois, pela neta do casal.
Corpos encontrados
Em 2009, Carolina Villela trabalhava com os avós. Ao podcast Revisão Criminal, do Metrópoles, ela contou que após tomar conhecimento de que os avós não teriam ido trabalhar, por três dias, desconfiou que algo poderia ter acontecido e foi até o apartamento dos idosos.
Segundo ela, ao chegar no local, o porteiro sequer interfonou, mas afirmou que o casal não estaria. Carolina, então, pediu que o porteiro a acompanha-se até a garagem. O carro do casal estava lá, sem qualquer indício de que havia sido movido.
“Naquele momento, eu optei por não subir sozinha. Algo chamou minha atenção em relação a atitude dos porteiros. Eu sabia que, de alguma forma, eles poderiam ter conhecimento de algo errado ou até estarem envolvidos na situação toda”, declarou Carolina ao Revisão Criminal.
Assustada, a mulher ligou para um namorado policial que tinha à época, chamou uma colega que morava na região e também contou com a ajuda de um outro amigo da polícia.
A neta dos Villelas e as testemunhas passaram a conversar com vizinhos até a chegada de um chaveiro. Quando o profissional conseguiu abrir a porta, os primeiros a entrarem na unidade foram o namorado de Carolina e o policial amigo dela.
“Esse meu namorado na época me chamou para o elevador. Não me deu a notícia no local, com medo de eu querer entrar. Eu então perguntei se eles [José e Maria Villela] estavam lá e ele fez assim com cabeça [movimento afirmativo]. Indaguei se estavam mortos, ele fez assim [movimento afirmativo], e, nesse momento, eu entrei em choque”, contou Carolina.
Mudanças nos depoimentos
Em dois depoimentos distintos, Leonardo Campos Alves confessou ser um dos autores do crime. Em um deles, datado de 2010, o ex-porteiro deu detalhes da posição e vestimentas dos corpos. Dez anos depois, disse ter prestado tais informações à antiga Coordenação de Investigação de Crimes Contra a Vida (Corvida) porque estava “cansado de ser surrado”.
“Quando me buscaram em Montalvânia [MG], me colocaram no carro e me deram um murro que quebrou três dentes. Ficavam me colocando em um saco para eu não respirar e me acordavam jogando água dentro do meu nariz. Até então, eu resistia, pois não queria assumir algo que não fiz. Mas os policiais sequestraram minha filha e fizeram ela me ligar chorando. Pegaram meu ponto fraco. Por imaginar que ela poderia estar passando pelo mesmo que eu, decidi falar tudo o que eles queriam.”
Segundo consta no processo de mais de 16 mil páginas, em uma outra versão, Leonardo disse que não teria matado as vítimas. Conforme relatou, o crime teria sido cometido pelo sobrinho Paulo Cardoso Santana e Francisco Mairlon.
Innocence Project Brasil
O Innocence Project Brasil é uma associação sem fins lucrativos criada em dezembro de 2016. A iniciativa se dedica a reverter condenações transitadas em julgado de pessoas inocentes, mapear as causas dos erros judiciários e propor medidas para prevenir esse tipo de ocorrência.
Fundado há mais de 30 anos nos EUA, o Innocence Project de Nova York já reverteu a condenação de centenas de inocentes. Se, de início, os exames de DNA eram absolutamente essenciais para provar a inocência dos condenados, hoje o projeto – que conta com uma rede composta por dezenas de organizações
espalhadas pelo mundo – utiliza os mais variados meios para desconstituir erros judiciários.
Em sua versão brasileira, o principal critério utilizado para o projeto aceitar um caso é a existência de provas cabais de que o condenado é inocente – mas as tais evidências não podem ter sido produzidas ou levadas em conta no curso do processo inicial. Somente quando munido de provas seguras e inéditas de que o condenado não praticou o crime pelo qual cumpre pena, o Innocence Project Brasil pode vindicar a revisão de um decreto condenatório.
Desde 2021, o Innocence Project Brasil tem contribuído para reverter condenações transitadas em julgado de pessoas inocentes, a partir da reanálise de vestígios biológicos.
Como ajudar a ONG
Interessados em contribuir com a organização podem fazer doações de qualquer valor em dinheiro, por meio do Pix doe@innocencebrasil.org.