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Crianças adotadas e devolvidas por famílias no DF sofrem com rejeição

Apesar do drama vivido por meninas e meninos, há casos de finais felizes, nos quais eles encontram um novo lar

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família
1 de 1 família - Foto: Daniel Ferreira/Metrópoles

O drama – e o final feliz – do processo de adoção do pequeno Enzo, 8 anos, não é caso isolado no Distrito Federal. O menino que vivia em uma instituição de acolhimento em Águas Lindas (GO) desde os 3 anos, depois de passar pela rejeição de duas famílias que pretendiam criá-lo, encontrou um lar, conforme noticiado na última terça-feira (4/12). De 2015 para cá, houve 14 crianças ou adolescentes que, após adotados, foram “devolvidos”. Embora muitas delas ainda permaneçam em abrigos, outras tiveram a sorte de Enzo.

É o caso de Vitória, que saiu do orfanato Coração de Maria, em Luziânia (GO), tomando remédios antipsicóticos quando tinha apenas 6 anos. O tratamento começou depois de um processo de adoção malsucedido, o que lhe causou agitação e dificuldades para dormir.

Material cedido ao Metrópoles
Enzo não tinha família. Agora, tem dois pais

 

Em 2014, na segunda tentativa de se adaptar a uma família, em Brasília, a menina passou pelo “desmame” da medicação e se recuperou. Assim como ela, outras crianças que tinham o sonho de um novo lar também passaram por uma segunda rejeição, mas tiveram seus traumas compreendidos por pais que as escolheram depois disso. 

Mãe por adoção, a professora Maria de Fátima Torres Moraes, 55 anos, chegou a ser informada que Vitorinha, como a chama, não estava apta a entrar em uma nova família após o episódio da “devolução” pelos candidatos anteriores. “O casal disse que ela quebrou a casa deles, que ficaram assustados”, contou.

Maria de Fátima persistiu e iniciou um novo processo de adoção da menina, que, desta vez, deu certo. “A gente a ama demais”, disse sobre a filha, que hoje tem 11 anos.

A professora é casada com José Guilherme Barreto Ávila, 59 anos, analista de sistema. Eles têm três filhos consanguíneos e outros três por adoção tardia. Além de Vitória, acolheram Alisson, na época com 9 anos, que também passou por um abandono durante o processo de convivência com outra família. Meyre, irmã biológica do menino, entrou para a família aos 13 anos.

Alisson relata cenas de violência vividas na primeira tentativa de adoção. Para a mãe, a situação o deixou confuso. O menino se refere aos “antigos pais” ao falar sobre as situações. “Ele conta de surras que levou, da falta de paciência porque ele não queria ou demorava a comer. Hoje, ele diz que a nossa é a melhor família que ele podia ter. É muito bonitinho ouvir ele falando”, relata Maria de Fátima.

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Casal tem três filhos biológicos e três adotivos
A família vive uma história de amor e superação
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Alisson, José Guilherme e Maria de Fátima

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Casal tem três filhos biológicos e três adotivos

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A família vive uma história de amor e superação

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É uma história que fica. Às vezes, a própria criança não consegue se adaptar, mas muitas têm um pouco mais de resiliência. O adulto, que já está formado, precisa perceber isso

Maria de Fátima Torres Moraes, mãe de crianças que passaram por adoções interrompidas

No Distrito Federal, desde 2015, houve interrupção de 14 processos durante o período de convivência, quando a família tem a guarda da criança, mas não há sentença judicial que oficializa a adoção. Ainda que o número seja pequeno frente à quantidade de adoções bem-sucedidas, a ruptura com uma família deixa marcas.

Arte / Metrópoles

Crime de abandono
A Vara da Infância e Juventude (VIJ) do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios (TJDFT) esclarece que, se o pai ou mãe adotivos abandonar ou “devolver” a criança ou adolescente a alguma instituição, estará cometendo crime de abandono, sujeito às medidas legais previstas no art. 129 do Estatuto da Criança e do Adolescente.

Todas as adoções malsucedidas no DF, segundo os dados da VIJ, foram tardias, envolvendo crianças e adolescentes na faixa etária de 5 a 14 anos. O Metrópoles mostrou que, em outubro, 94,6% dos pretendentes aceitavam crianças de até 3 anos, e todas as disponíveis já tinham passado dessa idade.

Segundo a psicóloga com pós-doutorado Lidia Weber, a devolução de uma criança ao abrigo pode causar inúmeras consequências.“Imagine ter sido rejeitado, abandonado, morar em um abrigo onde ninguém é um sujeito de afeto, ser adotado e devolvido de novo? Não dá nem para imaginar, não é?”, indaga.

Em 2015, a “devolução” envolveu uma garota de 9 anos. No ano seguinte, voltaram para os abrigos duas meninas, de 5 e 13 anos. O ano de 2017 foi o que teve o maior número de desistências: foram oito, envolvendo cinco crianças e três adolescentes. Até dezembro de 2018, houve três desistências de adoção.

Quanto maior a dificuldade que a criança passou, mais os adotantes devem se preparar para lidar com os problemas de vida, e não com características de personalidade

Lidia Weber, psicóloga

A psicóloga Niva Campos, supervisora substituta da Seção de Colocação em Família da Vara da Infância e da Juventude do Distrito Federal (Sefam/VIJ-DF), afirma que quanto maior a idade mais chances de haver devolução. “Em 2017, aumentou o número de adoções desse tipo e também houve mais desistências”, disse.

Preparação é necessária
A psicóloga Lidia Weber explica que é primordial preparar os possíveis adotantes e crianças para evitar essas interrupções. Para a especialista, autora dos livros Adote com Carinho e Pais e Filhos por Adoção no Brasil, as palestras que são feitas pela Justiça não cumprem esse papel. É preciso haver uma preparação mais aprofundada antes do período de convivência.

As crianças que passaram por uma devolução também precisam entender com clareza o motivo por aquilo ter acontecido. “Ela deve ser muito preparada, assim como a família. Alguém que nunca experimentou a estabilidade de um lar, regras e contato afetivo vai ter dificuldade de adaptação. Se houver destituição, é preciso dizer os motivos. Isso torna mais fácil a adaptação com a nova realidade”, explicou.

Mãe por adoção de Rafaela, 9 anos, a psicóloga Cibele Vogel, 42, sabia que poderia ter dificuldades no processo de adaptação. Agora, já está na fila em busca de um novo filho. 

“Uma gestação exige preparação. Um processo de adoção pode ser muito longo e a gente tem que aproveitar para se preparar emocionalmente, ler sobre o assunto, participar de grupos, entender as etapas. Filho não sai, filho entra. É uma construção. São crianças que já têm histórico de sofrimento, já perderam a crença de que vai dar certo e perderam a confiança nos adultos. Os adotantes têm que saber dessas dificuldades todas”, afirmou Cibele.

Rafaela teve a adoção interrompida pela família que havia adotado o seu irmão consanguíneo, em Goiânia, após cerca de oito meses de convivência. O irmão ficou, e ela foi recebida em sua nova casa, em Águas Claras, em 2014. Um dos principais questionamentos foi o motivo para o irmão não ter ido com ela para o novo lar.

Apesar de ter apenas 5 anos na época, a menina tinha consciência da situação, segundo Cibele. “Conhecemos a Rafaela e houve bastante afinidade. Até em função de ela estar em sofrimento psíquico, já entender a situação. Ela dizia que queria uma família para ela”, contou a mãe.

Arte/Metrópoles

 

Justiça quer celeridade
Niva Campos, supervisora substituta da Vara da Infância e Juventude, admite que a preparação feita pelo Judiciário não é suficiente para os pais. No entanto, para a psicóloga, grupos de apoio podem ser procurados enquanto os adotantes estão na fila de espera.

Aos interessados em adotar uma ou mais crianças, são oferecidos uma palestra e três encontros em grupo. Durante os três primeiros meses de convivência, a família passa por um acompanhamento psicológico e multiprofissional.

“Dificilmente uma preparação é suficiente. Há coisas que você só descobre quando é pai e mãe. Normalmente, as famílias biológicas não têm preparação nenhuma. Ela poderia ser mais estendida? Acho que sim. Mas a Justiça também trabalha com números. Esse tempo foi pensado considerando a quantidade de processos. Mas nada impede que a pessoa seja ativa nessa busca”, finalizou Niva. 

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