Contrato emergencial do lixo e SLU entram na mira do MPDFT
Com o acordo fechado em outubro, órgão que cuida da limpeza pública no DF deixou de economizar R$ 11,8 milhões, segundo denúncia
atualizado
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Depois de virar alvo do Tribunal de Contas do Distrito Federal (TCDF), o contrato emergencial milionário para coleta de lixo assinado entre o Serviço de Limpeza Urbana (SLU) e a Sustentare Saneamento S/A entrou na mira do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT). Conforme noticiou o Metrópoles, o negócio foi fechado em outubro e o governo deixou de economizar R$ 11,8 milhões, já que outra empresa — a Cavo — apresentou proposta bem mais em conta.
Preterida, a Cavo denunciou a contratação ao MPDFT. A ação foi “turbinada” com uma representação apresentada pela deputada Celina Leão (PPS) contra o governador Rodrigo Rollemberg (PSB). Para a parlamentar, o chefe do Executivo local cometeu crime lesivo à administração pública ao contratar uma empresa supostamente envolvida com offshores suspeitas de operacionalizar o pagamento de propina a agentes públicos.
Com vasta documentação anexada à representação, Celina usa informações obtidas por ela com cruzamento de dados, para lançar suspeição sobre as relações entre o sócio da Sustentare Adilson Alves Martins, a Kadney Participações do Brasil, a offshore Kadney Holdings LLC e o escritório panamenho Mossack Fonseca, envolvido no caso que ficou conhecido como Panama Papers.
O vazamento de documentos revelou como advogados criaram empresas para evadir impostos ou esconder dinheiro procedente de atividades ilícitas em escala mundial. Um dos operadores de remessa de dinheiro por meio da Kadney Holdings seria, segundo Celina Leão, Roberto Trombeta. O contador virou alvo da Polícia Federal na Lava Jato depois que seus números telefônicos foram encontrados na agenda do celular pertencente ao doleiro Alberto Youssef, um dos mais importantes agentes e delatores sobre a corrupção instalada na Petrobras.
Empreiteiras
Preso, ele fechou acordo de delação premiada e confessou que teria usado os serviços da offshore para lavar dinheiro desviado de empresas públicas no Brasil. Entre as atribuições de Trombeta, estava operar propinas de empreiteiras como a OAS. A construtora foi doadora direta para a campanha de Rollemberg ao Palácio do Buriti em 2014, além de liberar milhões de reais para o diretório nacional do PSB.
Na representação, Celina afirma existir “veementes indícios de cometimentos de crimes contra a administração pública e a ordem tributária, na utilização da empresa offshore com o objetivo de ocultar os reais proprietários de empresa contratante com o poder público e, ainda, operacionalizar o pagamento de propina a agentes públicos”.
O secretário de Comunicação do Governo do Distrito Federal (GDF), Paulo Fona, Celina tenta “criar um factóide político para esconder seus problemas com a Justiça, na operação Drácon e no vazamento de informações médicas pessoais de um servidor público”. De acordo com ele, “a suposta denúncia – na verdade um libelo na defesa dos interesses da empresa derrotada – é um amontoado de papéis sem qualquer conexão com a realidade dos fatos e com o contrato em questão”.
Veja alguns trechos da representação:
O outro lado
Por meio de nota, a Sustentare Saneamento confirmou que Adilson Alves Martins é, desde 2011, proprietário da Kadney Holdings LCC. Mas afirmou que todo o processo foi realizado dentro da lei, com acompanhamento dos fatos pelo Ministério Público e pela Justiça. “A empresa está, inclusive, declarada no Imposto de Renda do executivo”, destacou em nota.
Ainda de acordo com a Sustentare, a Kadney Holdings LCC “nunca fez ou recebeu qualquer tipo de remessa de dinheiro para o exterior”. E completou: “Tal conclusão pode ser facilmente constatada junto ao Banco Central do Brasil”.
Sobre as irregularidades no resultado da licitação emergencial, a Sustentare lembrou que já há decisão judicial sobre o tema: “A empresa Cavo alega ter sido prejudicada, mas à luz dos fatos e das normas concorrenciais, não poderia sequer ter apresentado proposta por não possuir atestados técnicos que a capacitariam a concorrer. Há, ainda, processo administrativo no Tribunal de Contas do DF, que deve ser respeitado antes de quaisquer conclusões precipitadas sobre a lisura e tecnicidade da licitação”, concluiu.
Entenda o caso
No dia 4 de outubro, o SLU encaminhou convites a sete empresas, comunicando a abertura de procedimento seletivo para o contrato emergencial da coleta e do transporte do lixo no DF. Antes disso, o órgão já havia lançado o Pregão Eletrônico 02/17, justamente para escolher companhias especializadas na prestação desse tipo de serviço.
A referida licitação, no entanto, foi suspensa administrativamente, pelo próprio SLU, para a análise de diversos questionamentos, esclarecimentos e impugnações interpostas por interessados.
Como o contrato com a Sustentare estava prestes a vencer, o SLU lançou um chamamento de emergência para cobrir seis meses de operação. Duas empresas se apresentaram: a própria Sustentare e a Cavo Serviços e Saneamento S/A – controlada pela holding Estre Ambiental S/A. Em 13 de outubro, a autarquia chegou a emitir um parecer assinado por especialistas de seu quadro, registrando que a Cavo atendia a todas as qualificações demandadas pelo procedimento convocatório.
A Cavo recebeu correspondência do Serviço de Limpeza Urbana pedindo-lhe que ratificasse sua proposta, apresentasse documentos e indicasse o responsável para a assinatura do contrato. Mas um novo parecer, feito a pedido da Procuradoria Jurídica do SLU, supostamente na véspera da assinatura do emergencial, mudou radicalmente a primeira orientação emitida pelo setor técnico do órgão.
Em nova análise e sem que houvesse impugnação por parte da empresa derrotada, o SLU mudou seu entendimento e concluiu que a Cavo não tinha mais qualificação técnica para operar a usina de compostagem da Asa Sul.
“Equívoco”
Assim, no dia 19/11, a Cavo foi informada pelo SLU que teria havido um “equívoco” em sua manifestação e, portanto, a empresa deveria ser inabilitada. Assim, a Sustentare sagrou-se vencedora da concorrência e garantiu a continuidade da operação de coleta de lixo no DF.
Após o caso vir a público em reportagem do Metrópoles, o Tribunal de Contas do Distrito Federal entrou na polêmica e pediu explicações ao SLU. Na última terça-feira (28), a Corte manteve o edital da concorrência suspenso e cobrou da autarquia documentos que comprovem todos os parâmetros utilizados no dimensionamento dos serviços previstos, “demonstrando que se tratam daqueles que representam maior vantajosidade para a administração pública”.
Em nota, a autarquia de limpeza explicou à reportagem que os esclarecimentos sobre o assunto já foram prestados aos órgãos de controle. Disse ainda que, como a licitação está suspensa, foi necessário fazer um contrato emergencial para a coleta de resíduos, limpeza urbana e operação da usina de triagem e compostagem. Alegou também que foram feitas cotações com seis empresas do setor, antes da escolha da Sustentare.