Contra infecção por Covid-19, catadores devem armazenar resíduos por 72h
Conclusão é de pesquisa da UnB, que identificou como reduzir risco entre profissionais vulneráveis na capital do país
atualizado
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A pandemia do novo coronavírus colocou em risco a vida útil do Aterro Sanitário de Brasília e a saúde dos catadores de lixo do Distrito Federal. Segundo a Universidade de Brasília (UnB), a interrupção da coleta seletiva é uma ameaça social e ambiental.
Do ponto de vista dos pesquisadores, a interrupção da coleta seletiva até o final de 2020 é insustentável. Ao menos esse problema será contornado. O governador Ibaneis Rocha (MDB) publicou decreto autorizando a retomada da coleta seletiva, conforme noticiado pelo Metrópoles. Segundo o documento, o regresso só ocorrerá com a apresentação de plano para o retorno seguro dos catadores.
O protocolo será produzido pelo Serviço de Limpeza Urbana (SLU), a Subsecretaria de Vigilância em Saúde do DF e as próprias cooperativas.
Para ajudar a assegurar a saúde dos trabalhadores neste momento delicado, a UnB passará a fazer o estudo contínuo da situação dos catadores durante a pandemia. Neste primeiro diagnóstico, os pesquisadores apresentam recomendações para retomada da coleta seletiva para a população, os trabalhadores, as cooperativas e para o GDF.
Segundo o estudo, a população deve armazenar todos os resíduos gerados por no mínimo 72 horas antes do descarte. Desta forma, os trabalhadores da coleta não são expostos ao vírus, caso os moradores estejam contaminados pelo coronavírus.
Neste contexto, a separação do lixo seco e orgânico é fundamental. De fato, os pesquisadores também recomendam que as cooperativas e o SLU garantam que o material recolhido só seja processado após o mesmo prazo de 72 horas.
O diagnóstico também aponta que grande parte dos trabalhadores sofre de comorbidades, ficando mais vulneráveis caso sejam contaminados pelo coronavírus. Neste caso, a sugestão é o afastamento seguido pelo pagamento de compensação financeira.
Confira o estudo completo no link.
Segundo o Serviço de Limpeza Urbana, em janeiro, o aterro recebeu 73.866 toneladas. Em fevereiro foram 65.125. Março, mês da suspensão da coleta, fechou com 71.285. Mas em abril o total depositado foi e 68.132.
Ou seja, ainda não há impacto. Mas, por outro lado, o DF está deixando de reciclar e a população corre o risco de esquecer o hábito de separar lixo de casa.
Pelas contas do SLU, em janeiro a coleta seletiva recolheu 2.443 toneladas. No mês seguinte, foram 2.169. Até 20 de março, data da suspensão da coleta, foram 1.765.
Baixa reciclagem
Além disso, a média de aproveitamento para reciclagem é baixa. É de 37%. Muito é perdido, justamente, porque a população faz a separação em casa.
De acordo com o SLU, a vida útil do aterro é de 13 anos. A unidade tem capacidade para 8 milhões de toneladas de resíduos neste período. Até março deste ano, foram aterrados 1.760.777. Ou seja, foi utilizada 21,25% da capacidade do local.
De cabeça para baixo
A pandemia virou a vida da agente de cidadania ambiental, Marizete Pereira, 64 anos, de cabeça para baixo. Com a renda interrompida, a catadora com 30 anos de trabalho, não pode mais levar à frente o sonho da construção da casa própria.
“A gente está a ver navios. E está com medo de não voltar. E é um trabalho de alto risco, não é? A gente mexe com lixo e pode se contaminar. Tenho medo atrapalhar a minha aposentadoria”, desabafou. É o momento mais difícil da vida de Marizete.
O marido da agente de cidadania, Avelar dos Santos, de 68 anos, pediu a aposentadoria. O benefício poderia ser o respiro para a família. Mas o pedido está parado no Instituto Nacional de Seguro Social (INSS).
Marizete quer dignidade, mas com segurança e saúde. O ambiente de trabalho nas cooperativas precisa mudar. Ser mais arejado, com mais limpeza. E a escala dos galpões de reciclagem deve garantir o mesmo lucro para as cooperativas.
Hidroxicloroquina
Em função de uma doença, Marizete foi medicada com cloroquina muito antes da pandemia. Segundo Avelar, o impacto da doença foi extremamente negativo. A esposa sofreu reações violentas. Por isso, condena abertamente o uso para o tratamento do coronavírus.
“Eu entendo que ela é um risco muito grande para as pessoas. Podem não sentir no momento, mas depois. Isso aconteceu com minha mulher”, alertou. “Vai morrer mais gente por causa do efeito depois. Pode ter uma melhora. Mas os problemas vêm depois”, pontuou.
A própria Organização Mundial da Saúde (OMS) suspendeu os testes com a cloroquina, depois que a revista The Lancet publicou um estudo sobre os riscos implicados no uso do remédio.
Vida precária
As contas de casa não fecham mais para a catadora Jandira Rodrigues Quintans, 47 anos (foto em destaque). Pouco dinheiro sobra para a compra de comida do mês. Pelo fato de ser mãe solteira, ela sustenta quatro filhos e um neto.
Jandira sobrevive com auxilio de R$ 600 do governo federal. “Meu sentimento é desespero. Todo mundo corre risco. E não posso trabalhar. Tenho hipertensão e cardiopatia”, contou.
O ambiente da cooperativa é fechado, quente. Antes da pandemia, muitos colegas de Jandira já passaram mal. “Com esse vírus que é mais potente e maligno, fica pior para a nossa saúde. Não tem como voltar”, chorou.
“Ajudem”
“Espero ajuda dos nossos governantes. Que eles tenham consciência. E ajudem quem não pode trabalhar nesse momento”, assinalou. “E olha que tem gente em situação pior que a minha. Não estão conseguindo ajuda nenhuma”, completou.
A família de Jandira busca tomar os cuidados para se proteger da Covid-19. O filho pequeno, de 4 anos, lava as mãos a toda hora. “Espero que todos os doentes melhorem. Tem momento que começo a chorar, porque a gente não pode fazer nada”, concluiu.
Segundo a presidente da cooperativa Construir, Zilda Fernandes Souza, o sentimento entre os catadores é de impotência. Por um lado, o preço a material reciclado caiu, por outro não condição de voltar a trabalhar sem mudanças que garantam segurança e saúde.