Conselheiros tutelares pedem socorro e cobram GDF por novas unidades
Resolução do Conanda estabelece que cada Conselho Tutelar deve atender até 100 mil habitantes. RAs do DF extrapolam marca estipulada
atualizado
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Conselheiros tutelares do Distrito Federal cobram pela ampliação no número de unidades e pedem melhores condições de trabalho e estrutura, para que possam atender à crescente demanda de casos de violação dos direitos da criança e do adolescente na capital da República.
O DF conta, atualmente, com 44 Conselhos Tutelares distribuídos em 35 regiões administrativas. Em janeiro deste ano, 220 profissionais assumiram os novos mandatos para atuar nas unidades. Os conselheiros exercerão o cargo no período de 2024 a 2027, com dedicação exclusiva e salário de R$ 6.510 (valor reajustado em 40% pelo Governo do Distrito Federal).
A eleição que escolheu os novos conselheiros ocorreu em outubro do ano passado, em votação recorde, com 232 mil eleitores participando do pleito. O número é 50% maior em relação à eleição anterior, dando ao Distrito Federal o título de campeão de participação no Brasil. Além dos titulares, 440 suplentes foram eleitos.
A resolução nº 170/2014 do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda) estabelece a proporção mínima de um Conselho Tutelar para cada 100 mil habitantes. Tanto as cidades de Taguatinga e Samambaia ultrapassam a marca de 200 mil habitantes e contam com apenas dois conselhos tutelares, cada uma.
O assunto também já chegou à Câmara Legislativa do DF (CLDF). Em outubro de 2023, o deputado distrital Joaquim Roriz Neto (PL) defendeu, durante sessão ordinária, a ampliação do número de Conselhos Tutelares.
“Se essa proporção valesse, teria que ser criado um segundo conselho em Águas Claras, em São Sebastião, no Recanto das Emas, no Guará e um terceiro conselho em Taguatinga, Plano Piloto e Samambaia. São sete regiões administrativas que estão defasadas, ou seja, 20% das RAs estão carentes de Conselhos Tutelares. Precisamos trabalhar em conjunto, para garantir um ambiente seguro e saudável para todas as crianças e adolescentes”, afirmou o parlamentar.
Um mês depois, em novembro, o deputado conseguiu a aprovação de duas emendas para a construção de seis novas unidades, e para reforma de ampliação dos conselhos da Estrutural e de Vicente Pires.
Os distritais Robério Negreiros (PSD) e Eduardo Pedrosa (União Brasil) também atuam na causa. Líder do governo na Câmara, Negreiros enviou ofício recentemente à secretária de Justiça e Cidadania, Marcela Passamani, para pedir apoio à criação do terceiro Conselho Tutelar de Taguatinga.
Conselheiros e suplentes, no entanto, reclamam que, até o momento, nada aconteceu e pressionam o GDF por uma resposta definitiva para a demanda da categoria pela criação dos novos equipamentos o quanto antes.
Representante da comissão independente de conselheiros tutelares e suplentes eleitos no último pleito, Abel Gramacho, classificou a atual situação como caótica. “Precisamos sensibilizar o poder público”, desabafou.
Distância
Muitas famílias, segundo ele, nem conseguem chegar até as unidades para denunciar violações. Em Samambaia, por exemplo, os equipamentos ficam nas vias principais dos lados Sul e Norte da cidade. Moradores da Expansão e de quadras mais distantes da região reclamam da distância dos conselhos de suas casas.
“São muitas crianças e adolescentes em situação de extrema vulnerabilidade. O atendimento está precário. Eles não conseguem chegar até nós. Estamos em uma situação em que não conseguimos fazer o nosso papel. Só agimos na emergência. As demandas só crescem”, apontou a conselheira Ana Cláudia Silva.
Alta demanda
Assis Santarém já está no seu quarto mandato como conselheiro tutelar. Ao Metrópoles ele apontou a quantidade de atendimentos realizados na unidade do Conselho Tutelar de Samambaia Sul nos últimos anos.
Confira os números:
Atendimentos espontâneos (fora as demandas nas escolas)
2022 – 2.806
2023 – 2.639
2024 (até o momento) – 514
Denúncias
2022 – 180
2023 – 156
2024 (até o momento) – 48
“Estamos sobrecarregados. Além disso, existem muitos casos delicados. Não conseguimos dar os encaminhamentos necessários. O atendimento perde a qualidade e falta apoio para que a gente possa se reunir com médicos, com a direção da escola destas crianças e adolescentes e com especialistas. Não conseguimos acompanhar as famílias para ajudá-las. O problema não é resolvido”, reclamou Assis.
Raisa Lopes é conselheira tutelar de Taguatinga Sul e diz que os cinco conselheiros do local também não estão dando conta de atender a toda a população que a unidade abrange. “Está bem complicado. Estamos trabalhando com alto nível de esgotamento e a demanda de trabalho aumentou cerca de 35% nos últimos anos. O novo conselho na região deveria existir desde 2016”, conta.
Segundo Raisa, a maior quantidade de violações recebidas estão relacionadas à maus-tratos, abandono afetivo de incapaz, violência sexual e trabalho infantil.
Cleiton Vital também reclama das condições de trabalho em Taguatinga Sul. Ele está no quarto mandato e relata dificuldades relacionadas à falta de infraestrutura adequada para os atendimentos, além de problemas de saúde mental e depressão.
“Estou fazendo tratamento psiquiátrico e tomo remédio controlado. A demanda não é brincadeira. Quando a gente tenta sensibilizar o governo, é porque nós estamos doentes também. Não conseguimos prestar um serviço de qualidade. Aplico uma medida e não consigo acompanhar para saber se surtiu efeito”, relata Cleiton.
Suplente do Conselho Tutelar em Taguatinga, Claudia Dantas também adoeceu. A profissional que atuou como conselheira no último mandato, encerrado em dezembro do ano passado, teve disidrose. “Apareceram bolhas nas extremidades das mãos e dos pés causadas por condições de alto nível de estresse. Ainda estou em tratamento”. Claudia relata, ainda, frequentes episódios de ameaças e ofensas no ambiente de trabalho.
Para Abel Gramacho, todos esses depoimentos revelam frustrações acumuladas ao longo do desempenho da função. “É angustiante não ter assistência dos órgãos que deveriam nos apoiar. Conselheiro tutelar, atualmente, virou averiguador de denúncia. A necessidade das novas unidades é para ontem. Precisamos tentar amenizar os prejuízos”, defende.
O que diz o GDF
“A Secretaria de Justiça e Cidadania do Distrito Federal (Sejus-DF) informa que atualmente são 44 conselhos tutelares, sendo que cada um deles é composto por cinco conselheiros titulares, o que totaliza 220 no DF. O quantitativo é condizente com a estrutura necessária e os atendimentos possuem compromisso contínuo com o bem-estar e a proteção das crianças e adolescentes da capital do país.
Os conselhos tutelares visam a defesa dos direitos das crianças e adolescentes, fornecendo apoio vital em situações de vulnerabilidade e garantindo que os interesses desses cidadãos sejam protegidos. Para tal, treinamentos regulares e atualizações de procedimentos para os profissionais que atuam nesses locais, visam assegurar um atendimento eficaz e compassivo a todos os que deles necessitam.
Já o Conselho dos Direitos da Criança e do Adolescente do Distrito Federal (CDCA/DF) informa que os conselhos tutelares das regiões administrativas criadas em 2023, Arapoanga e Água Quente, já estão funcionando. Conselheiros para esses dois locais foram eleitos no último pleito, ocorrido em outubro do ano passado, para atuação no quadriênio vigente, 2024-2027.
Para o desenvolvimento das atividades dos novos conselhos foram reservados espaços nos Conselhos Tutelares de Planaltina I e do Recanto das Emas, onde os atendimentos estão ocorrendo dentro dos preceitos determinados de privacidade e sigilo dos casos. A decisão também beneficia os atendimentos nos Conselhos Tutelares de Planaltina I e Recanto das Emas, não sobrecarregando esses locais.
Para esses novos conselhos, dois chamamentos públicos deram andamento para locação de imóveis em Arapoanga e Água Quente e já estão em fase de conclusão. A previsão é de que ainda no próximo mês as atividades já sejam transferidas para os novos espaços.”