Conheça a responsável por projeto que abriga travestis em apartamento do DF
A estudante Isis Gabriela, de 25 anos, acolhe na Casa das Travestis pessoas que tiveram quebra de vínculo familiar por causa do preconceito
atualizado
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Aos 25 anos, a travesti Isis Gabriela Silva Souza, estudante de comunicação organizacional na Universidade de Brasília (Unb), assumiu em 2021 a responsabilidade pelo projeto Casa das Travestis, que acolhe pessoas que tiveram quebra de vínculo familiar após a transição de gênero e que por isso estão em situação de vulnerabilidade, sem ter onde morar.
O espaço de aproximadamente 70 m² fica localizado no Guará e precisa de ajuda para continuar em funcionamento. O apartamento é composto por dois quartos, cozinha americana, sala e banheiro. A jovem usa o dinheiro do estágio, que é de R$ 1,2 mil, para manter o projeto. O aluguel é R$ 1.150. A outra travesti que está lá não tem emprego fixo por falta de oportunidade no mercado de trabalho. O projeto de Isis é pessoal e não se trata de uma organização não governamental (ONG).
Ao Metrópoles, Isis descreveu um pouco da sua trajetória. A jovem não teve um caminho fácil e também viveu (e vive) à margem da sociedade. Sofreu preconceito antes mesmo de entender quem era; foi expulsa do local de trabalho; enfrentou a família; saiu do país e encarou a solidão.
Ainda assim, com todos os altos e baixos, ela tem orgulho de ter chegado onde está hoje.
Família tradicional
Natural do DF, Isis é a mais velha dos nove irmãos nascidos de uma família tradicional e religiosa. A comunicóloga em formação cresceu no Riacho Fundo 2, onde morou com a família até completar 18 anos.
“Tive responsabilidades desde cedo. Nós não tínhamos muitas condições. Minha mãe é dona de casa e não estudou, enquanto meu pai saía para trabalhar. Aos 12, eu cuidava dos meus irmãos mais novos. De certa maneira, fui mãe dos meus irmãos também”, comenta.
As dificuldades na vida da jovem começaram ainda na adolescência. Frequentadora assídua da igreja, Isis conheceu a discriminação. “Era um sofrimento muito grande. Eu escutava no meio da pregação que aquilo que eu sou é a forma mais explícita do pecado. Me sentia condenada. Como eu iria conseguir viver nesse mundo? Comecei a questionar tudo”, diz.
Aos 18 anos, após uma discussão em casa, o pai de Isis resolveu mandá-la para um seminário católico voltado à formação de padres. “Eu achava que o problema realmente era eu. Queria buscar uma cura. Ganhei uma bolsa e fui morar na Espanha para concluir os estudos de filosofia e teologia. Sou muita grata pela oportunidade, pois não teria condições de conseguir se não fosse dessa maneira. No entanto, lá eu decidi que não conseguia mais fingir ser alguém que eu não queria. Arrumei as malas e voltei para o Brasil.”
Isis começou a trabalhar em uma banca de lanches próximo à uma faculdade na Asa Sul, recebia R$ 600 e estudava para o vestibular da UnB. O fato de ser preta piorava as coisas. À época, o empregador dela dizia que a jovem nunca iria conseguir passar para a instituição de ensino superior pública federal.
“Passei em segundo lugar no vestibular do meio do ano de 2018. Meu pai não aceitou bem e ouvi que comunicação e marketing era curso de ‘viado’. Saí da igreja, busquei um emprego melhor e dividia a rotina entre o trabalho e os estudos. Sofri muita humilhação. Eu passei fome. Chegava em casa e não tinha o que comer. Mesmo quando eu deixava a metade do meu salário para os meus pais. Nesse momento, me assumi”, emociona-se Isis ao contar sobre sua vida.
Logo depois, foi expulsa de casa. Em meio às lembranças, encontrando o que achava pertinente relatar sobre a sua história, Isis diz que uma das memórias mais fortes é a de quando foi morar no Centro Acadêmico de Comunicação (Cacom-UnB), em 2019. “As pessoas riam de mim. Eu esperava todos irem embora e dormia no sofá. Depois, consegui passar em um processo seletivo no Hospital da Criança de Brasília. Eu estava bem afeminada, com os cabelos azuis. Com 45 dias, a minha gestora disse que eu era exótica demais para integrar a equipe, e me dispensaram.”
Violência doméstica
No ano passado, Isis conheceu uma pessoa e os dois decidiram morar juntos. Eles também inauguraram uma agência de comunicação.
“No começo, era tudo muito bom. Até que eu comecei a transicionar, tomar hormônio e assumir finalmente a minha identidade. A nossa relação foi se deteriorando. Chegou ao ponto de ele me bater, me trair e dizer que o sentimento dele só existia enquanto eu era uma pessoa cisgênero. Foi tudo muito tóxico e pesado. Ele chegou a me acertar com um golpe de faca e separamos”, desabafa.
Em fevereiro deste ano, Isis estava desabrigada quando conheceu a travesti que era a antiga dona do apartamento onde ela vive hoje. “Ela me acolheu e isso foi muito importante. Estava me sentindo um lixo, tinha perdido a minha casa e a minha agência. Ela precisou se mudar para São Paulo e conseguimos manter o apartamento porque estava muito difícil encontrar outro lugar que aceitasse. Enfrentei muita transfobia. Só me pediu para que abrigasse a Girassol, com quem moro atualmente.”
Agora, o sonho de Isis é levar o projeto para uma casa maior. “Esse é o meu sonho. Poder acolher pessoas com mais dignidade e continuar esse trabalho. Com todas as meninas com empregos formais. Eu não quero ter que contar sempre com a ajuda dos outros. Se não olhassem nosso gênero e todas nós tivéssemos oportunidade de trabalho, não teríamos que passar por dificuldades. Essa é a minha luta”, garante.
“Hoje, reestruturamos a agência de comunicação, começamos a Las Monas, e usamos uma onça como símbolo. Uma analogia com as travestis. São animais noturnos, caçadas e sempre solitárias. Essa é a nossa realidade e nos apropriamos disso”, acrescentou.
A comunicóloga diz que o Brasil aparece, pelo 13° ano consecutivo, como líder em assassinato de pessoas trans. A estimativa de vida é de 35 anos. “Não é o que a gente quer, se ver num mundo de vulnerabilidade. Julgam muito as pessoas trans. O importante é não desistir. Eu não tenho vergonha de dar a minha cara a tapa. Vou sempre correr atrás e procurar meios de lutar pelas nossas causas. É relevante ter sensibilidade para agir, ajudar e se colocar à disposição. Sem julgar porque não sabemos a história do outro”, afirma.
Rifa
Com dificuldades financeiras, a Casa das Travestis organizou uma rifa para arrecadar fundos e manter o local funcionando.
Atualmente, duas pessoas moram na casa de apoio, mas o número varia semanalmente. Isis deixa claro que ajuda outras pessoas com doações de cestas e com o guarda-roupa trans. Não apenas com o acolhimento de moradia. “Somos travestis, mas sempre vem mais gente para passar temporada: uma, duas semanas. Às vezes, temos sete, 10 pessoas, simultaneamente dentro de um apartamento de dois quartos”, explica Isis.
O objetivo da comunicadora é usar sua agência de comunicação, Las Monas, para manter a Casa das Travestis. A empresa é voltada à inclusão do público LGBTQIA+ no mercado de trabalho da comunicação e presta serviços de gerenciamento de mídia, marketing, design e produção de eventos.
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“A única coisa que a gente quer é dignidade, não precisar ter de recorrer à solidariedade porque estamos empregadas. Nós todas temos condições de trabalhar formalmente, mas muitas vezes as empresas nos negam espaço”, conta Isis.
“Dói não conseguir comprar um pão ou ter que escolher se almoça ou janta porque você não tem condições. Toda vez é isso, e dói. A gente já ouviu que o problema é que não queremos trabalhar, já ouvi coisas do tipo: ‘por que vocês não se prostituem?’. Não queremos ser mais um corpo na prostituição. Por que esse é o único espaço que nos é oferecido? Eu sou capaz”, desabafa.
Como ajudar
Para participar da rifa, basta fazer um PIX para o número 61999733356, sobrenome Silva Souza. Depois de feita a transferência, envie o comprovante para Isis pelo telefone (61) 9693-1402.
No dia 22 de julho, será sorteado um quadro tamanho A3 em MDF personalizado com a imagem ou foto que o ganhador quiser e uma caixa de chocolates da Cacau Show.