Conheça Isaura, a idosa que mora no aeroporto de Brasília há 24 anos
Isaura Lima Lopes, 83 anos, diz que pisou em 1993 pela primeira vez no terminal, onde mora, lê a Bíblia e passa mensagens políticas
atualizado
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O personagem interpretado pelo astro Tom Hanks no filme “O Terminal”, de Steven Spielberg, foi baseado em uma história real. E poderia muito bem ter sido inspirado no Aeroporto Juscelino Kubitschek, onde a aposentada Isaura Lima Lopes, 83 anos, escolheu morar.
Em meio ao vaivém diário de 50 mil passageiros, Dona Isaura não passa despercebida. Os funcionários que trabalham no terminal a conhecem. A Inframerica, administradora do Aeroporto JK, também tem ciência de sua presença no local. Pouco ou nada se tem certeza, porém, sobre sua história. O que se sabe é o que ela mesmo conta.
Sem ouvir desde os 38 anos, Dona Isaura carrega a Bíblia e cartazes. E costuma falar alto pelo terminal, o que acaba chamando a atenção das pessoas. Mas, se quiser que ela compreenda a sua mensagem, é preciso escrever perguntas ou comentários em um pedaço de papel.A idosa diz que nasceu em Goiana, município de Pernambuco, e não tem contato com a família. A mãe, segundo conta, morreu quando Isaura tinha 11 anos. Diz ainda que foi noiva duas vezes, mas não chegou a se casar. “A partir daí, comecei a servir a Deus e costumo dizer que sou guiada por Ele”, garante.
Depois de 40 anos viajando de cidade em cidade, ela veio para o Distrito Federal. Chegou em 1992 e começou a frequentar o aeroporto no ano seguinte. A frequência no terminal, que era de algumas horas, se transformou em dias, meses, anos. Dona Isaura diz que mantém uma quitinete alugada em Valparaíso (GO), no Entorno, mas, nesses últimos 24 anos, passou a maior parte do tempo no JK. Ela também circula por outros aeroportos do país.
“Tem um ano e quatro meses que não vou em casa. Tudo que preciso está comigo. Estou aqui porque o Senhor me disse para vir falar neste lugar, pois os ricos passam por mim todos os dias. São pessoas que não querem saber de Deus, somente de dinheiro e das coisas terrenas”, acredita.
No JK, ela é vista empurrando um carrinho do próprio terminal. Nele, leva uma mala pequena, duas bolsas, uma garrafinha de água, mais de uma Bíblia, papel cartolina e pincéis, usados para escrever suas mensagens.
Em meio aos apetrechos, um frasco de álcool gel, que ela costuma passar nas mãos e nas cadeiras, antes de se sentar, além de jornais. Dona Isaura diz que concluiu apenas o ensino fundamental. Mas é bem articulada, fala e escreve sem erros de concordância. E também mostra que está antenada nos assuntos que dominam a pauta política do país, como o fim do foro privilegiado. Tanto que, em um cartaz, ela trata o assunto como “abuso de poder”.
Deus abomina o foro, pois, com ele, os políticos se sentem no direito de fazer o querem e levarem o dinheiro da nação, acreditando que vão ficar impunes.
Dona Isaura
A senhora de 1,50m, aproximadamente, não encontra dificuldades para se acomodar em duas cadeiras do aeroporto e dormir. Quando precisa usar o banheiro, vai ao espaço destinado a deficientes físicos. Lá, faz suas necessidades, se lava e penteia os cabelos.
Vaidosa, antes de dar entrevista ao Metrópoles esta semana, fez questão de colocar o lenço na cabeça e trocar de roupa. Um detalhe: Dona Isaura usa também lenços umedecidos para fazer sua higiene pessoal.
Simpática, sempre atrai a atenção de passageiros que, curiosos, se aproximam de Dona Isaura para entender melhor sua mensagem.
Dona Isaura é frequentadora assídua da panificadora Vitória, instalada no aeroporto. Segundo a gerente, Damyres Carvalho dos Santos, 34 anos, a idosa chega sempre por volta das 19h, passa álcool gel na cadeira e na mesa, antes de se sentar, e, ao se levantar, deixa tudo limpinho. “Ela não é pedinte. Só usa o aeroporto para pregar. Todos aqui a conhecem”, ressaltou Damyres.
Operadora de caixa da panificadora, Daniela Nunes, 25 anos, nutre um carinho especial pela idosa e a chama de “vovó Isaura”. A moça trabalha há cinco meses no terminal. “No início, achei que ela era louca. Mas fui, aos poucos, entendendo a sua missão”, disse.
Conforme Dona Isaura, Cristo “a chamou” para ser missionária aos 19 anos, no dia 7 de julho de 1953. Ela conta que sobrevive apenas com um salário mínimo da aposentadoria. Com esse dinheiro, paga o aluguel da quitinete, água, luz, empréstimos que faz para ir a outros aeroportos e se alimenta por mais ou menos 10 dias.
Doações
Quando a quantia acaba, se mantém com doações que recebe de passageiros. “Nunca passo necessidade. Tem sempre alguém que me ajuda. Não peço nada a ninguém, mas o Senhor toca o coração das pessoas e elas trazem pra mim”, explicou.
O discurso politizado da senhora de 83 anos chamou atenção do estudante Leonardo Araújo, 33 anos, que embarcou para Maceió na última sexta-feira (28/7). “Fico muito sensibilizado por ela ser idosa e passar esse tipo de mensagem”, destacou.
O professor universitário Gleyson Augusto Gomes, 43 anos, parou para ouvir Dona Isaura, pela primeira vez, há um ano. Na última quarta-feira (26), a caminho do Amapá, ele passou pelo Aeroporto JK e agradeceu a senhora. De acordo com ele, o encontro de 2016 mudou sua vida. “Ela olhou pra mim e disse: ‘Deus vai te ensinar a Bíblia’. E Ele realmente me ensinou”, relatou Gleyson.
A Inframerica informou que, desde que assumiu a administração do aeroporto, há cinco anos, sabe da presença de Dona Isaura no terminal. A assessoria ressaltou, ainda, que apesar de a idosa não ter autorização formal, pode permanecer no local, por não incomodar os passageiros ou causar tumulto.
O Metrópoles conversou com um funcionário do aeroporto, que pediu para não ter o nome revelado. Ele diz que trabalha há 15 anos no terminal e, durante todo esse tempo, se lembra da presença de Dona Isaura.