Conheça a Brasília pré-histórica e seus segredos de 11 mil anos
Muito antes de ser capital do país, as terras da cidade abrigaram povoados pré-históricos, indígenas e colonizadores
atualizado
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Brasília guarda mais mistérios do que se pode imaginar. Muito antes das intrigas políticas, dos esquemas de corrupção nos bastidores do poder e das crônicas do cotidiano vividas pela população, havia pessoas nas terras que hoje abrigam a capital da República. Boa parte desses segredos foram revelados em sítios arqueológicos descobertos no Distrito Federal, onde há vestígios da passagem e da ocupação humana de até 11 mil anos atrás. E ainda há vastos campos a serem escavados.
Além das peças que remontam a milhares de anos atrás, o material encontrado por aqui inclui itens indígenas do período pré-colonial — antes da chegada dos portugueses ao Brasil, em 1.500 —, e dos anos pós-colonização, como vestígios de edificações. Mas o acervo pode ser muito maior.Artefatos cerâmicos, armas utilizadas nas caças e arte rupestre estão entre as peças encontradas na região. O material é atribuído a populações agrupadas no que estudiosos denominaram de Tradição Itaparica — povos dos períodos Paleoíndio e Arcaico Inferior. Essas populações são ancestrais dos indígenas que habitavam o Brasil antes da chegada dos portugueses. As sociedades rudimentares daquela época eram compostas por caçadores e coletores, ocupavam áreas do Nordeste ao Planalto Central e faziam ferramentas com pedras lascadas.
Atualmente, apenas 30 dos 50 sítios arqueológicos encontrados em todo o Distrito Federal foram catalogados. Eles estão incluídos no conjunto de mais de 26 mil que foram cadastrados pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan).
Veja onde ficam alguns dos sítios históricos e arqueológicos do Distrito Federal
A quantidade de locais a serem explorados anima os pesquisadores. Eles veem o DF como uma mina de ouro arqueológica, com segredos sobre a pré-história brasileira.
O nosso patrimônio vai muito além do patrimônio urbano do Plano Piloto. Ao estudarmos esses sítios, a história de ocupação do Planalto Central tender a mudar. Temos um potencial enorme a explorar nesses sítios
Carlos Madson Reis, superintendente do Iphan no DF
Visitação
Atualmente, a visitação aos sítios arqueológicos do Distrito Federal é muito restrita, porque praticamente todas as localidades estão em propriedades privadas. E, em alguns casos, não há muito o que se ver, pois as descobertas foram levadas para museus e as escavações são esparsas. Entretanto, nos locais em que existem pinturas ancestrais, muita gente vai por conta própria, porém sem a supervisão correta e autorizada de especialistas. É o caso de Mumunhas, em Brazlândia.
O local, que abriga um complexo de cachoeiras abertas a turistas mediante o pagamento de uma taxa, tem pinturas rupestres que foram danificadas por visitantes. Não há guarda ou proteção constante, o que acaba prejudicando a memória deixada pelos antepassados.
Os registros em Mumunhas estão bem degradados, mas é possível recuperá-los
Margareth Souza (foto em destaque), arqueóloga do Iphan no DF
O Iphan, contudo, quer transformar alguns sítios arqueológicos em museus a céu aberto para visitação. O que está mais perto de sair do papel é o Ville de Montagne, na bacia do Córrego São Bartolomeu, região do Jardim Botânico. A expectativa é de que o local seja aberto ao público em 2018.
Na última quarta-feira (19), o Metrópoles esteve no local acompanhado da arqueóloga do Iphan Margareth Souza. Ela mostrou como há farto material na área e antecipou que novas escavações serão realizadas ainda no primeiro semestre deste ano.
Pioneiro na capital
A exploração dos sítios no DF se confunde com a história do arqueólogo goiano Eurico Miller, de 85 anos. Ele foi o pioneiro de grandes descobertas na região, incluindo o registro de 16 sítios, a maioria deles na década de 1990.
“Vim para um trabalho de assentamentos no Distrito Federal e aí se desenhou toda a história. Aqui existem sítios de todos os tipos. Quando encontramos pontas de flecha de quartzo nas escavações, era um sinal de que o Cerrado era um ótimo lugar para se viver na antiguidade”, afirma Miller.
O especialista, que tem seu nome registrado em boa parte das fichas de cadastro dos sítios do DF, cobra que essa história não se perca com o tempo. “É preciso adensar os trabalhos. Há um grande potencial aqui a ser explorado. Precisam transformar esses sítios em parques, reconstituindo a fauna e a flora, construindo museus. É preciso mostrar como essas aldeias existiam aqui”, sugere Miller.
Museu na UnB
Parte das cobranças de Miller terá retorno em breve. Até dezembro de 2016, todo material coletado era doado a institutos e museus de estados vizinhos. Isso ocorria devido à falta de um espaço físico para abrigar as peças. Esse problema será resolvido graças a uma parceria entre o Iphan e o Instituto de Geociências da Universidade de Brasília (UnB).
O Museu de Geociências da UnB será a casa da arqueologia de Brasília. As peças achadas serão catalogadas e expostas ao público, resgatando a história local. Muito do material que está em outras unidades da Federação retornará ao DF. O espaço no campus da UnB passará por ajustes para receber visitantes. A abertura ao público está prevista para maio, segundo Carlos Madson Reis, superintendente do Iphan.
Turismo histórico
Dos locais preservados pelo Iphan hoje, apenas dois estão abertos a turistas, mas com caráter histórico, e não arqueológico: o Catetinho e a Mesa de JK. O Catetinho, primeira residência oficial do presidente Juscelino Kubitschek no Distrito Federal, está situado às margens da BR-070, próximo às cidades de Santa Maria e Gama.
Já a Mesa de JK é, literalmente, uma mesa de concreto construída em um lugar ermo a 5km do Catetinho, próximo à nascente do córrego Capão Preto. O local foi encontrado abandonado por moradores da área.
A mesa era muito usada na década de 1960 por Juscelino, que fazia encontros em meio à vegetação fechada quando precisava de privacidade e discrição. Ele ainda usava o espaço em períodos de estiagem para amenizar os efeitos da seca.
O período colonial
Antes da empreitada que transferiu a capital do país do Rio de Janeiro para Brasília, a ocupação histórica do Distrito Federal teve início no século XVIII, com os bandeirantes em busca de minerais preciosos na região Centro-Oeste. A missão atraiu colonos brancos e escravos, principalmente de São Paulo, Bahia e Rio.
Os estudos sugerem que, no início da década de 1740, deu-se início às sesmarias na região que hoje abriga o DF. O sistema de sesmarias consistia em lotes distribuídos a um beneficiário, em nome do rei de Portugal, com o objetivo de cultivar terrenos virgens.
No Planalto Central, a distribuição e a ocupação de terras começou na atual região do Gama e do Córrego Ponte Alta. Uma mina de ouro onde atualmente é localizado o município de Santo Antônio do Descoberto (GO) também movimentou colonos e bandeirantes.
A base para as sesmarias se deu no arraial de Formosa dos Couros. O ponto de comércio tinha como um dos pilares produtos de peles de animais. Com o declínio da mineração no fim do século XVIII, a população retornou ao sertão, de olho na agricultura e na pecuária. O escoamento do ouro era feito na região que hoje abrange Sobradinho, mais precisamente, no Posto Colorado e na Academia Nacional de Polícia, localizada no Setor Taquari.
Capitanias hereditárias
No século XVIII, a região que viria a se tornar o DF pertencia à capitania hereditária de Goyaz. O material arqueológico desse período é comprovado com restos de edificações, louças, vidros e metais de origem europeia, além de produtos de cerâmica e outros.
Colaborou Otto Valle