Condomínio irregular não foi derrubado pois estava protegido judicialmente, diz DF Legal
Segundo a pasta, muro e construções erguidas não foram removidos em razão da tutela judicial
atualizado
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O condomínio de luxo clandestino que cresce na capital da República livre de fiscalização, à revelia das autoridades competentes, estava amparado por decisão judicial. Segundo a Secretaria de Estado de Proteção da Ordem Urbanística do Distrito Federal (DF Legal), por isso o local não foi alvo de ação de derrubada. Há três semanas, entretanto, a liminar que protegia os parcelamento caiu e, agora, a demolição da edificação será incluída no cronograma de ações da pasta.
De acordo com informações da secretaria, a sentença foi proferida nos autos do processo nº 0701832-69.2021.8.07.0018, tendo como objeto o imóvel às margens da BR-001, Km 83, Núcleo Rural Cana do Reino, Fazenda Brejo ou Torto, Chácaras Magna, em Taguatinga/Brazlândia, pelo juiz de direito Carlos Frederico Maroja de Medeiros. O condomínio foi batizado de JK Ville e tem quase 15 hectares – o equivalente a 15 campos de futebol.
“Há cerca de três semanas fomos informados, após consulta à Procuradoria-Geral do Distrito Federal (PGDF), que a parte interessada renunciou a ação e o juiz extinguiu o processo. Contudo, o muro e construções erguidas não foram removidos em razão da tutela judicial”, esclareceu o DF Legal, por meio de nota.
O local foi objeto de duas ações de demolição de grande porte, em 2020 e 2021. “Após ciência da queda da liminar, o DF Legal incluirá o local no cronograma de demolições em conjunto com a Secretária de Segurança Pública do DF (SSP-DF) e demais forças de segurança”, acrescentou.
Derrubadas
Em 2020, o Metrópoles já havia denunciado a grilagem no local, mas, de lá para cá, pouca coisa foi feita e o loteamento ilegal cresceu ainda mais. Em 2016, o DF Legal, então Agefis, até fez derrubadas por lá, mas não conteve o avanço.
Atualmente, o novo condomínio segue o mesmo processo. Já contando com ruas alargadas, caixa d’água e até mesmo postes de luz, o JK Ville tem trânsito pesado de caminhões, tratores e contêineres.
Os lotes por lá não saem por menos de R$ 100 mil e são negociados no próprio local. Em buscas na internet, há pedaços de terra vendidos por até R$ 150 mil. Para receber a documentação, é necessário dar um sinal entre R$ 1 mil e R$ 5 mil.
A reportagem teve acesso a contratos de cessão de posse do terreno. Foram feitas, ao todo, quatro trocas no nome do titular da área, sendo que três delas ocorreram no mesmo dia, sempre com um acréscimo de preço a ser recebido.
No texto ainda é colocado de maneira clara que o cedente não se responsabiliza caso o cessionário “venha a parcelar ou desmembrar o imóvel (…) em desconformidade com a legislação”.
A ideia dos reais responsáveis pela área é justificar o dinheiro que recebem com a venda dos lotes enquanto deixam laranjas como supostos atuais donos do local e autores do parcelamento irregular de terra
Denúncia
O Metrópoles mostrou, logo após as derrubas ocorridas em 2020, orientações que circulam por grupos de moradores do local no WhatsApp. Lideranças mandam a comunidade configurar moradias, pois o poder público “não vai derrubar casas habitadas”, dizem as mensagens.
Em um dos textos, há explicação detalhada dos requisitos que configuram uma casa realmente habitada. Segundo as orientações, o ideal é dar “prioridade para um cômodo” e colocar “o banheiro pra funcionar. Se não tiver cisterna, peça água emprestada para seu vizinho”.
A justificativa é simples: o DF Legal não pode derrubar imóveis habitados. Dessa forma, os responsáveis pela orientação afirmam que é melhor garantir apenas uma pequena casa do que perder o investimento já feito na região. “Depois que tiver dentro é outra história, vai aumentando e faz do jeito que sempre sonhou, não corra o risco de tomar tamanho prejuízo”, completa o texto.
Os incentivadores da ocupação irregular ainda afirmam que o chamado “kit invasão” não é mais considerado habitação. “Não adianta mobiliar a casa encima (sic) da hora, se não tiver água, fossa, dejetos na fossa, caixa d’água é considerado ‘kit invasão’”, apontam.
Quanto a derrubada de edificações habitadas, a pasta informa que a Lei 6.657/2020 de autoria do deputado distrital Fábio Felix impede que o poder público intervenha em obras erguidas antes de março de 2020 – marco do decreto de combate à Covid-19 – e em habitações que estejam ocupadas.
“Muitos grileiros e invasores sabendo disso e têm construído e ocupado os imóveis para se valerem da lei. Dessa forma, o combate a ocupações irregulares têm sido prejudicado, uma vez que pessoas têm financiado o chamado “kit invasão””, concluiu a resposta.
À reportagem, o deputado Fábio Felix disse que a alegação de que a lei facilita a ação dos grileiros é falsa e que ela proíbe apenas a “remoção de ocupações e a efetivação de ordens de despejo, desde que a posse tenha se iniciado antes da declaração da emergência de saúde de importância internacional” e que isso ocorre apenas em “áreas ocupadas por população de baixa renda, regularizadas ou não”.
“O GDF finge não ver a diferença entre quem ocupa porque precisa de moradia e quem ocupa para enriquecer, para tentar disfarçar sua complacência com os mais ricos e severidade com os mais pobres.” Segundo Felix, as remoções realizadas pelo DF Legal muitas vezes são feitas em descumprimento de ordens judiciais expressas, baseadas na Lei 6657/2020. “O compromisso com a legalidade é escandalosamente seletivo.”
O deputado afirma também que a liminar que impedia a derrubada dos muros do condomínio JK Ville não menciona a lei de autoria dele e “se baseia na existência de processo federal que teria reconhecido usucapião da área”.
Muro
O assentamento 26 de Setembro faz parte da Macrozona Rural de Uso Controlado, na DF-001, entre Vicente Pires e Brazlândia. A União arrendou a área para chacareiros produzirem, mas o parcelamento irregular vem crescendo no local há muitos anos.
Confira a postagem:
Após a denúncia, o DF Legal derrubou um muro com mais de 600 metros de comprimento que delimitava o JK Ville. Na época, a estimativa era que os vendedores dessas terras arrecadassem, aproximadamente, R$ 64 milhões com a comercialização clandestina de 430 lotes.
Além do muro, foram removidos da área pública postes para a ligação irregular de rede de energia, tubulação de rede de água potável e uma caixa d’água para abastecimento do condomínio. Materiais e equipamentos de construção, entre eles um trator retroescavadeira, um gerador, cimento, andaimes, ferros e aterramentos diversos foram apreendidos.
Assentamento já tem mais de 20 anos
Alvo de construções desde 1996, o Assentamento 26 de Setembro cresce ao arrepio da lei e já ultrapassou a marca de 4 mil casas construídas. Estabelecido ilegalmente em um local próximo a Vicente Pires e Taguatinga, o terreno com mais de 1,3 milhão de metros quadrados tem sido alvo de promessas de regularização ao mesmo tempo que sofre com derrubadas.
De acordo com a Associação de Moradores Núcleo e Cidadania do assentamento, cerca de 30 mil pessoas moram no local.