“Como montar Lego”, diz cientista do DF que criou peptídeo anti-idade
Professor pós-doutor Octávio Luiz Franco liderou pesquisa que desenvolveu tecnologia a partir de peptídeo que combate envelhecimento da pele
atualizado
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“Construir moléculas de peptídeo é como montar peças de Lego. Se a gente entende como essas pecinhas são montadas, a gente cria as proteínas. Descobri que posso usar as mesmas peças para criar cosméticos ou antivirais, por exemplo”. É com uma abordagem lúdica que o professor pós-doutor Octávio Luiz Franco, 48 anos, tenta tornar a ciência um assunto mais fácil de ser compreendido.
O cientista e uma equipe de três alunos e pesquisadores do laboratório de biotecnologia da Universidade Católica de Brasília (UCB) são responsáveis pela descoberta de uma tecnologia pioneira no combate ao envelhecimento de pele.
Franco explica que, assim como peças de Lego, os peptídeos do nosso corpo podem ser rearranjados para criar diferentes proteínas, cada uma com suas funções específicas.
A partir dessa compreensão, o grupo conduzido por ele decidiu aplicar seu conhecimento para resolver um problema específico: o acúmulo de células senescentes na pele, que contribui para a flacidez. Eles queriam criar uma tecnologia que pudesse eliminar essas células de forma eficaz. Após estudar as características dessas células e aplicar o algoritmo aliado a inteligência artificial, conseguiram desenvolver um peptídeo específico para tratá-las.
“Imagina que quase tudo na face da Terra é feito das mesmas peças, só que em arranjos diferentes. Por exemplo, um cachorro tem pecinhas que são as mesmas que eu tenho, só que organizadas de forma diferente. Se a gente entende como as proteínas funcionam, podemos mudar a função do corpo para melhorar ou piorar algo”, explica Octávio.
Os peptídeos são fundamentais para diversas funções vitais do corpo. Alguns peptídeos são hormônios que regulam funções corporais, como o crescimento, o metabolismo e a resposta ao estresse. Eles também podem atuar na regeneração de tecidos e no combate a infecções.
Nos primeiros sinais de envelhecimento, os peptídeos podem estimular a renovação celular e aumentar a produção de colágeno e elastina pelos fibroblastos, tornando a pele mais elástica e firme, além de retardar o surgimento de rugas.
“Temos uma célula velha que o corpo não processa e causa rugas. A gente criou uma molécula que funciona como um míssil teleguiado, desvia das células normais, vai até esta célula que causa esse envelhecimento e dá um efeito mais rígido para a pele”, detalha o pesquisador.
De acordo com o cientista, conforme a pessoa envelhece, as chamadas células senescentes se acumulam na pele e são as causadoras da aparência flácida.
“O que a gente fez foi pegar a peças de peptídeo que são naturais da nossa pele e reconstruímos de maneira criar uma uma destruidora de células senescentes e evitar esse efeito de flacidez. A tecnologia tem efeito de aumento da elasticidade e alisamento da pele”, complementa.
Além da barreira acadêmica
A criação científica foi o primeiro produto lançado no mercado no qual o pesquisador está por trás da produção. O cosmético antienvelhecimento foi patenteado, e o grupo que criou a tecnologia recebe royalties pela comercialização dos produtos, que é feita por uma empresa norte-americana.
Para ele, o produto ter conquistado o mercado internacional é motivo de orgulho para o cenário brasileiro de pesquisas científicas. “A gente pode criar uma tecnologia no Brasil e ser competitiva em nível mundial. Cruzou a barreira da academia e entrou no mercado”, cita.
Com o sucesso no desenvolvimento do peptídeo, o pesquisador encontrou uma fórmula de sucesso para desenvolver uma tecnologia com alta possibilidade de lucro. As pesquisas para criar o peptídeo duraram cerca de três anos.
“É um prazer também a ideia de não só gerar o produto, mas mudar o conceito de um país de que é possível vencer utilizando ciência. Hoje a gente é considerado um dos principais casos de sucesso do Brasil”, celebra.
Quase 30 anos de ciência
Octávio está entre os 100 mil cientistas mais influentes do mundo, segundo ranking da Universidade americana de Stanford. A especialidade do professor formado em biologia são pesquisas sobre controle de doenças infecciosas. Ele trabalha na construção de moléculas para destruir bactérias super resistentes.
Há mais de 20 anos, o cientista realiza estudos com peptídeos. “Eu comecei a trabalhar com biologia molecular, e aí vi essas possibilidades de construção. Peptídeos são maravilhosos, porque eu posso fazer, sei lá, um viagra, eu posso fazer alguma coisa pra saúde animal, posso construir uma estrutura para uma casa toda feita de peptídeo, fazer novos cabelos. Aquilo me tocou eu falei: ‘Cara, se eu entender como funciona, eu posso fazer”.
A primeira grande descoberta foi um trabalho feito em 2015. Ele e outros pesquisadores estudaram um peptídeo que, se potencializado, é capaz de atuar de maneira eficiente contra ultra bactérias. A partícula foi inspirada em um composto da goiaba.
O objetivo era encontrar uma molécula que pudesse combater superbactérias. Embora a molécula criada não tenha sido comercializada, a equipe conseguiu estabelecer uma metodologia que mostrou como é possível extrair proteínas de plantas e transformá-las em tratamentos viáveis como o da pneumonia.
O cientista também trabalha em diversas outras frentes no desenvolvimento de produtos científicos e tecnológicos. Ele menciona a pesquisa relacionada ao câncer de mama, especificamente para um tipo agressivo conhecido como triplo negativo, que é resistente aos tratamentos convencionais. O objetivo é criar uma nova molécula com um mecanismo de ação diferente para tratar esse tipo de tumor.
Além disso, o pesquisador está envolvido em projetos para outras áreas, como saúde animal e síndrome de Crohn, e colabora com várias empresas farmacêuticas.
“Quero coroar minha carreira com um remédio, entrar na farmácia e falar: ‘minha equipe fez isso’. Alguma coisa que realmente fosse curar pessoas. O que a gente está tentando fazer é mudar o país, mostrar que a tecnologia pode ser criada aqui e depois ser exportada”, ressalta.
Octávio é pesquisador nível 1A e consultor do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) CNPq, além de membro de várias sociedades científicas, como a Sociedade Brasileira de Bioquímica e Biologia Molecular e a American Association for the Advancement of Science.
Ele também é professor dos programas de pós-graduação da UCB e da Universidade Católica Dom Bosco (UCDM), no Mato Grosso do Sul.