Com problemas de gestão, CEB repassa prejuízo para os brasilienses
Aumento médio de 8,81% entra em vigor nesta sexta (22/6). O reajuste foi solicitado pela companhia, que gastou além do previsto
atualizado
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Entra em vigor nesta sexta-feira (22/6) o reajuste extraordinário da tarifa de energia cobrada pela Companhia Energética de Brasília (CEB). Agora, a conta de luz dos brasilienses vai ficar, em média, 8,81% mais cara. O aumento repassa aos consumidores o rombo de R$ 200 milhões nas contas da estatal – causado, segundo a empresa, pela crise hídrica.
Trata-se do segundo aumento da tarifa em menos de um ano. Em outubro de 2017, o reajuste foi de 8,46% – muito acima da inflação registrada no período, de 2,48%. A revisão extraordinária foi aprovada pela Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) na última quarta-feira (20).A seca em diversas regiões do país fez o preço nas hidrelétricas e termelétricas superar a previsão orçamentária da distribuidora. Em outras palavras, o planejamento da CEB falhou, o rombo se somou a problemas de gestão e, agora, quem paga a fatura é a população. A companhia atende cerca de 1,05 milhão de unidades consumidoras em todo o Distrito Federal.
O reajuste na conta de luz é o quinto durante a gestão de Rodrigo Rollemberg (PSB). De acordo com balanço do gabinete do deputado distrital Chico Vigilante (PT), “os aumentos acumulados chegam a 80%, enquanto a inflação no mesmo período foi de 22%”. O parlamentar protocolou, nessa quarta-feira (20), projeto de decreto legislativo para impedir a aplicação da correção extra. O texto ainda não foi avaliado pelo plenário da Câmara Legislativa do DF.
Apesar de a CEB alegar um gargalo de R$ 200 milhões devido à crise hídrica, a companhia fechou 2017 no azul. De acordo com o resultado financeiro divulgado pela própria estatal, o lucro líquido naquele período ficou em R$ 152,1 milhões. O valor é 35,32% maior do que o apurado em 2016, quando a marca positiva foi de R$ 112,4 milhões.
Além disso, a empresa está pronta para vender R$ 675 milhões do patrimônio, referentes a participações acionárias em esforços de geração de eletricidade. Como revelou a coluna Grande Angular, a CEB comunicou ao mercado de capitais a venda de ações da estatal em cinco empreendimentos de geração de energia nas Regiões Centro-Oeste e Norte.
As hidrelétricas em jogo estão em Minas Gerais, Tocantins e Goiás, e são responsáveis por parte da energia consumida pelos brasilienses. Em alguns casos, a CEB deixará de ser a maior acionista, para não ter qualquer participação nos empreendimentos.
Apesar de ter angariado a maioria dos votos, a proposta da empresa provocou protestos de sócios minoritários. Foram questionadas, por exemplo, as razões de a estatal abrir mão de participação em negócios de geração e comercialização consolidados e lucrativos.
Em maio, quando a CEB pediu à Aneel a revisão tarifária, a concessionária brasiliense alegou estar em “situação de severo desequilíbrio econômico-financeiro, em razão de despesas extraordinárias derivadas da compra de energia e do resultado financeiro envolvido nas liquidações do mercado de curto prazo”.
Outro gasto da empresa que chega à conta paga pelos brasilienses é o contracheque dos servidores. De acordo com o Portal da Transparência do Governo do Distrito Federal, em maio, 27 funcionários da CEB receberam salários mais vantajosos que o do governador Rodrigo Rollemberg (PSB).
O número um do Palácio do Buriti ganha, mensalmente, R$ 23.449. Bem menos do que recebeu um técnico industrial da CEB no mês passado: R$ 78 mil.
Apagão no bolso do brasiliense
A complexidade de números que envolve a CEB é traduzida de forma simples por quem sofre com o reajuste: basta comparar as faturas pagas ao longo dos últimos anos. Lojistas e consumidores do Distrito Federal consideram injusto o aumento na conta de luz, principalmente diante da disparada de preços de produtos essenciais, como gás de cozinha e combustível.
Dono de um salão de beleza no Lago Sul, Arthur César Souza diz que quase 9% de acréscimo fazem muita diferença.
As pessoas não podem pensar apenas no valor a mais que será pago por mês. Esse aumento corresponde a uma conta de luz a mais que a pessoa vai ter que pagar, todo ano
Arthur César Souza, empresário
Souza diz que, no caso dele, o impacto é sentido no dia a dia do negócio. “Salão gasta muita energia com secador de cabelo, chapinha e outros equipamentos. Vai fazer uma diferença absurda para a gente, mas principalmente para quem é assalariado, porque tudo aumenta, menos o salário”, afirma.
Consultor de vendas em uma cervejaria especializada em bebidas artesanais, Rafael Henrique Santos Lima (foto em destaque) diz que a empresa paga mais de R$ 500 por mês com energia. “Temos os freezers e as chopeiras, que consomem muita eletricidade. Vão ser quase R$ 50 a mais, todo mês. Em 12 meses, R$ 600 vão embora”, calcula.
O outro lado
De acordo com o diretor de Regulação da CEB, Hamilton Naves, a companhia buscou alternativas para não repassar a conta aos consumidores. No entanto, segundo ele, não foi possível evitar o aumento.
“Tentamos negociar, parcelar o pagamento da compra de energia, conseguir financiamentos. O reajuste extraordinário foi a alternativa encontrada e teve o aval da Aneel”, afirmou.
Segundo o diretor, a expectativa é que a diferença de R$ 200 milhões seja coberta até o fim de dezembro. “Assim, esperamos que o reajuste anual aplicado em outubro [de 2019] seja nulo. Ou seja, zero. É como se estivéssemos antecipando o aumento do próximo ano”, disse Naves.
Hamilton Naves também informa que os valores arrecadados com a venda de ações da estatal e o superávit nas contas da empresa não podem ser usados para abater o repasse do prejuízo com a compra de energia para os consumidores.
“A lei regulamenta que o valor arrecadado com a venda das ações só poderá ser utilizado para quitar dívidas anteriores a 2015, o que não é o caso. Já o lucro de 2017 não elimina os prejuízos acumulados nos anos anteriores da companhia”, explicou.
Nota
Na tarde desta sexta (22), após a reportagem ser publicada, a CEB enviou uma nova resposta, na qual exalta “a eficiência da gestão da empresa”, “a melhoria dos indicadores de qualidade” e a “satisfação dos clientes”.
De acordo com a nota, “o que ocasionou a defasagem no fluxo de caixa da CEB Distribuição foi a necessidade de arcar, com recursos próprios, com o custo da energia que deveria estar coberto pelo recurso destinado aos custos intitulados pela Aneel como não gerenciais da empresa”.
“Importante destacar que, ao conceder reajuste extraordinário, a Aneel reconheceu que os custos adicionais significativos não são oriundos de ineficiência gerencial, mas da dificuldade de a empresa atuar perante fatores meramente setoriais”, conclui o documento.