Com gratificações exclusivas, magistrados do TJGO ganham até 175% a mais que um ministro do STF
Bonificações chegam a compor até 85% da remuneração de magistrados goianos, segundo dados disponíveis no Portal da Transparência
atualizado
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Para além do teto constitucional, atualmente fixado em R$ 41,6 mil, magistrados que ingressam no Tribunal de Justiça do Goiás (TJGO) veem seus salários triplicar graças a gratificações exclusivas concedidas à Justiça goiana. O Metrópoles apurou que juízes e desembargadores integrantes da Corte, considerada uma das “mais bem pagas do país”, chegam a ganhar até 175% a mais que um ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), cuja remuneração é utilizada como parâmetro dentro do serviço público.
As folhas de pagamento mais altas dos dois órgãos do Judiciário, registradas no primeiro semestre deste ano, ilustram bem a diferença. Enquanto um juiz de direito do TJGO recebeu R$ 224.382 (bruto) – ou R$ 182.632 (líquido) –, o maior vencimento computado no mesmo período entre os ministros do STF foi de R$ 81.463,89 (bruto) – ou R$ 22.996 (líquido). Considerando somente o montante bruto, a diferença chega a 175%.
Veja:
O mesmo comportamento se repetiu nos outros meses. O segundo maior salário bruto do TJGO foi pago ao juiz Wilson da Silva Dias – R$ 205.183, em maio. O terceiro, depositado para a juíza Stefane Fiuza Machado – R$ 199.642, em junho. Logo depois, aparecem o desembargador Gilberto Marques Filho – R$ 195.569, em março; o juiz Eduardo Alvares de Oliveira – R$ 193.322, em abril; e, por fim, o juiz Galdino Alves de Freitas Neto – R$ 193.322, em janeiro .
Os contracheques dos ministros do STF permaneceram iguais em três meses. Além do maior valor registrado, as outras duas divergências ocorreram em janeiro e em fevereiro, quando o segundo maior salário bruto alcançou R$ 69.755, e o terceiro, R$ 50.108,43.
Veja.
As bonificações do TJGO, que chegam a compor até 85% da remuneração dos magistrados, cresceram exponencialmente desde que o atual presidente do tribunal, Carlos Alberto França, assumiu a gestão do órgão. O desembargador, inclusive, foi reeleito neste ano, em eleições antecipadas, para um segundo biênio, embora o Artigo 102 da Lei Orgânica da Magistratura Nacional (Loman) proíba a recondução.
Curiosamente, e contrariando a própria Loman, a Corte conseguiu a aprovação de um projeto de lei, na Assembleia de Goiás (Alego), que modificou o Código de Organização Judiciária do estado para permitir reeleições.
Procurado, o TJGO declarou que o caso foi uma excepcionalidade, pois, segundo eles, França, apelidado internamente como “procurador das diferenças”, era o único candidato à presidência: “Ademais, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) decidiu, por unanimidade, que a recondução do presidente do tribunal não violou a Loman. Em relação ao pagamento da remuneração ou direitos da magistratura estadual, o TJGO observa estritamente a legislação vigente”.
Entre as gratificações pagas aos magistrados goianos, estão indenização de períodos integrais de férias, com “possibilidade de pagamento do abono pecuniário de 1/3 delas” e usufruto e pagamento da licença-prêmio. Quanto a esta última, há uma decisão do STF intimando todos os tribunais de Justiça do Brasil a suspenderem os pagamentos da gratificação até que o tema seja analisado pela Suprema Corte. Apesar disso, a bonificação continua constando nos contracheques.
O Recurso Extraordinário nº 1059466 ainda tramita no órgão.
Juízes e desembargadores goianos também recebem: bonificações por diferença de entrância, de acervo, por acúmulo de atividades jurisdicionais, pagamento de plantão realizado, gratificação membro Conselho Superior da Magistratura, coordenador do Nupemec, gratificação presidente do TJGO, entre outras.
Confira um memorando interno do órgão com as bonificações:
Os benefícios exclusivos passaram a ter respaldo após Carlos Alberto França conseguir que a Alego aprovasse nova lei assegurando os penduricalhos. Depois da primeira vitória, a segunda veio pelas mãos de Ronaldo Caiado, governador do Goiás, que sancionou a normativa.
Com isso, funções comissionadas e gratificações por cargos se tornaram verbas indenizatórias, permitindo que valores sejam pagos acima do teto constitucional, livres de encargos e tributos.
Os supersalários, no entanto, chamaram a atenção. Em maio, Augusto Aras, procurador-geral da República, levou a questão ao STF e, no fim de julho, o ministro André Mendonça mandou suspender leis estaduais que garantiam aos servidores salários acima do valor do teto do funcionalismo público – de R$ 41,6 mil, nos dias atuais.
Além de considerar posicionamento da Procuradoria-Geral da República (PGR), a decisão analisou manifestação da Advocacia-Geral da União (AGU). Conforme consta na ação, os órgãos consideraram que cinco leis do estado violam o teto remuneratório constitucional.
“Há plausibilidade da alegação de violação ao teto remuneratório constitucional”, considerou a AGU.
A PGR ressaltou ter ficado evidenciada a necessidade de suspensão das leis, pois “o perigo da demora em agir pode provocar impactos financeiros pelos pagamentos indevidos e injustificados a agentes estaduais, por força das normas ora questionadas”.
Magistrados “não podem extrapolar suas funções” de graça
Ao tentar defender os altos salários pagos a juízes e desembargadores, o presidente do TJGO argumentou a André Mendonça que magistrados “não podem extrapolar suas funções” de maneira “graciosa”.
“O teto remuneratório, por certo, também deve ser analisado sob a ótica do princípio da igualdade material, que é corolário da própria isonomia”, disse Carlos Alberto França.
Segundo o Portal da Transparência, nos seis primeiros meses do ano, o desembargador recebeu mais de meio milhão de reais. Os dados públicos mostram que o salário bruto de França chegou a R$ 814.110,51. Desse valor, após os descontos, foram depositados R$ 705.599,86 na conta do magistrado.