Com déficit de 42% em pediatras, crianças ficam sem atendimento no DF
Pais e mães enfrentam calvário por atendimento aos pequenos, ficando na fila, muitas vezes, por mais de 20 horas
atualizado
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Com a filha de 3 anos nos braços, a diarista Marilucy Menezes, 39 anos, chegou a ficar 12 horas à espera por atendimento, na sexta-feira (20/5), no Hospital Regional de Taguatinga (HRT). Asheley chorava de dor quando o pronto-socorro informou à mãe da garotinha que não a atenderia, pois o caso não era considerado grave. A criança usava pulseira verde, que significa “pouco urgente”. Encaminhada para o Hospital Materno Infantil de Brasília (Hmib), Marilucy esperou mais oito horas com a menina doente no colo e acabou indo embora sem ser assistida por nenhum profissional de saúde.
Casos como o de Asheley não são isolados em hospitais públicos da capital federal. As unidades de saúde estão atendendo apenas pacientes urgentes, pois faltam médicos. Atualmente, há 534 especialistas do setor infantil ativos. Para cobrir o DF em atendimento, seriam necessários, pelo menos, 920 profissionais, o que representa déficit aproximado de 42%. As informações são da própria Secretaria de Saúde do DF.
“Há três semanas que eu tento atendimento para ela. Está muito complicado, porque é difícil ir embora sem saber o que minha filha tem. Aí a gente acaba tendo que dar medicação por conta própria, sem prescrição de médico nenhum”, lamenta Marilucy.
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Asheley está com dor no pé esquerdo e, devido a uma malformação, não pode andar sozinha. Até agora, Marilucy fez apenas um raio x da perna da criança, mas não conseguiu retornar ao médico para avaliar o exame. A mulher também tentou atendimento na Unidade Básica de Saúde (UBS) 15 de Ceilândia, na terça-feira (24/5). Madrugou na fila e pegou a senha de número 5. No entanto, após horas de espera, foi informada de que não havia médicos na instituição.
“Eles distribuem senhas bem cedo, porque falam que vão atender só 10 pessoas. O abuso já começa aí. Como que vão atender só 10 pessoas em uma cidade como Ceilândia, cheia de gente? Mesmo assim, a gente enfrentou fila com a criança sentindo dor, e depois avisaram que não tinha médico. Mais uma vez voltei para casa frustrada”, revelou. A moradora do Sol Nascente também tentou ajuda no Hospital Regional de Ceilândia (HRC), mas a instituição só atendia casos urgentes.
De acordo com o Conselho Regional de Medicina no DF (CRM-DF), há 1.621 pediatras na capital federal. Os profissionais da rede pública representam 33% desse total. A Saúde conta com 5.173 médicos na rede atualmente. Apenas 10% são pediatras.
“Uma semana com dor”
A mesma aflição de Marilucy se repetiu com a atendente Renata Soares, 34. A mulher precisou levar o filho, de 11 anos, na emergência pediátrica do HRT, após o pequeno reclamar de dor intensa nos olhos e na cabeça. Depois de cinco horas de espera, a mãe foi embora sem diagnóstico. Na triagem, a mesma resposta: só atenderiam se fosse caso urgente.
“Ele está há uma semana com dor, sem ir para a escola. Tentei atendimento em UPA [unidade de pronto atendimento] e em UBS, mas não consegui em nenhum lugar. Já estou tentando ver se consigo algum valor emprestado para poder levá-lo no particular. Mesmo sem condições, não vejo outra saída”, lamenta Renata.
Veja números:
Para Gutemberg Fialho, presidente do Sindicato dos Médicos do Distrito Federal (Sindmédicos), a carência de profissionais deixa a rede de saúde desorganizada e em situação de guerra em prontos-socorros do DF.
“A rotina nas emergências hospitalares tem sido recorrer à restrição do atendimento aos pacientes, com o uso das bandeiras vermelha e laranja. Os pacientes que não se enquadram nesses parâmetros de risco são mandados de volta às unidades básicas de saúde. Mas isso não resolve o problema, pois não há internação e medicação. As famílias não têm condições de sair perambulando pelo DF procurando atendimento”, pontua Fialho.
Migração para rede particular
Com tantos problemas nos hospitais, não são só os pacientes que têm buscado a rede particular. Segundo o Sindmédicos, a saúde pública enfrenta “êxodo de médicos”. Diante da falta de insumos e equipamentos, das condições adversas de trabalho, os profissionais migram para a iniciativa privada ou para outros estados.
“Vemos casos de médicos com 10 e até 20 anos na Secretaria de Saúde desistindo da carreira, por não terem condições dignas de trabalho. Muitas vezes, o salário não compensa”, aponta o presidente do SindMédico.
De acordo com o sindicato, de 2011 a 2022, a equipe médica da Secretaria de Saúde teve acréscimo de apenas 422 médicos, passando de 3.811 para 4.233 profissionais contratados, incluídos médicos com contratos temporários. Desses, 2.942 médicos contratados pela SES entre 2018 e 2021, permanecem apenas 1.040. “Não há política para atração e fixação desses profissionais no serviço público”, destaca Fialho.
O SindMédico-DF vai enviar, na segunda-feira (30/5), ofício à SES-DF pedindo que passe a ser divulgada no site da pasta, em tempo real, a informação das unidades de saúde operando com bandeira vermelha e laranja. O sindicato deve propor ao Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT) que esse dado passe a constar da política de transparência, como a informação de disponibilidade de leitos de UTI.
O que diz a saúde
A Secretaria de Saúde do DF respondeu ao Metrópoles que tem envidado todos os esforços para a recomposição de profissionais em seu quadro, por meio de contratação temporária e efetiva.
A pasta publicou, em março, edital para concurso com 230 vagas para médicos. Das oportunidades, oito são para pediatras. As provas serão em junho, e o resultado final está previsto para setembro.
Sobre os hospitais, a pasta não revelou quais estão operando, atualmente, com bandeira vermelha e laranja. A SES informa que as seguintes unidades dispõem de emergência infantil:
– Hospital Regional de Sobradinho (HRS);
– Hospital Regional de Planaltina (HRPL);
– Hospital Regional Leste (HRL);
– Hospital Regional de Santa Maria ( HRSM);
– Hospital Materno Infantil de Brasília (HMIB);
– Hospital Regional de Ceilândia (HRC);
– Hospital Regional de Taguatinga (HRT);
– Hospital Regional do Guará (HRGu) e
– Hospital Regional de Brazlândia (HRBz).
Nas Unidades Básicas de Saúde (UBS), o atendimento é feito por médicos da família. As Unidades de Pronto-Atendimento (Upas) não contam com essa especialidade.
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