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Com decisão de Toffoli, PCDF teme paralisação de 30% dos inquéritos

Investigadores do Distrito Federal dizem que averiguações de crimes contra corrupção e tráfico de drogas serão afetadas

atualizado

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Michael Melo/Metrópoles
Polícia civil pcdf operação
1 de 1 Polícia civil pcdf operação - Foto: Michael Melo/Metrópoles

Cerca de 30% dos inquéritos instaurados pela Coordenação Especial de Combate à Corrupção, ao Crime Organizado e aos Crimes Contra a Administração Pública (Cecor) da Polícia Civil do Distrito Federal (PCDF) serão afetados com a decisão do presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Dias Toffoli, de suspender todas as investigações do país que utilizam informações – sem prévia autorização judicial – do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf),  da Receita Federal e do Banco Central.

Por questões estratégicas, a unidade especializada da PCDF não revelou a quantidade exata de processos em tramitação, mas confirmou que dezenas de investigações contra corrupção, lavagem de dinheiro e facções serão prejudicadas.

Em entrevista ao Metrópoles, o delegado-chefe da Cecor, Leonardo de Castro, explica que os dados obtidos por meio do Coaf não costumam ser usados como provas principais nos inquéritos conduzidos pela instituição, mas ajudam a subsidiar pedidos judiciais. Na capital do país, a PCDF recorre a tal fonte a fim de identificar transações financeiras suspeitas que levem à detenção de integrantes de quadrilhas, de milicianos e de quem comete crime do colarinho-branco.

“Nos últimos anos, houve aumento de consulta aos dados do Coaf. Esse procedimento tem se tornado um hábito, até mesmo pela expertise dos policiais, que buscam fontes nos mais variados órgãos. Inicialmente, o que o conselho nos passa são transações financeiras suspeitas. Com essa informações, conseguimos formalizar uma série de pedidos judiciais, como a quebra de sigilo bancário, por exemplo”

delegado-chefe da Cecor, Leonardo de Castro

Ainda de acordo com o delegado, todos os inquéritos conduzidos pela Polícia Civil são alvos de controle do Judiciário, do Ministério Público e da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). “O enfoque dado pelo ministro na decisão foi em dados de investigações feitas sem a supervisão de órgãos externos”, ponderou Leonardo de Castro.

Pedido de Flávio Bolsonaro

A decisão de Toffoli, em caráter liminar, é monocrática – ou seja, proferida por um único magistrado – e engloba diligências em curso. A determinação foi divulgada na última semana, após um pedido da defesa do senador Flávio Bolsonaro (PSL-RJ), investigado pelo Ministério Público do Rio de Janeiro (MPRJ).

Pelo cronograma, o tema seria apreciado pela corte do Supremo em novembro, mas, como o caso se tornou polêmico, Toffoli disse pretender conversar com os colegas da Corte após o recesso de junho, a fim de avaliar uma possível antecipação.

Em um breve pronunciamento, o ministro alegou que a medida é “uma defesa do cidadão”. Para o ministro do STF, quando o repasse de dados detalhados aos órgãos de investigação ocorre sem a supervisão do Judiciário, “qualquer cidadão brasileiro está sujeito a um vasculhamento na sua intimidade”.

 

Giovanna Bembom/Metrópoles
Delegado-chefe da Cecor, Leonardo de Castro Cardoso
Apreensão milionária

Outra unidade da PCDF a contabilizar casos que poderão ser comprometidos com o veredito de Toffoli é a Coordenação de Repressão aos Crimes Contra o Consumidor, a Propriedade Imaterial e a Fraudes (Corf). Com forte atuação em fraudes financeiras, os policiais dessa especializada também fazem uso dos dados do Coaf. As informações fornecidas pelo Conselho de Controle integram investigações e tiveram grande repercussão em território brasiliense.

Uma delas é a Operação Patrick, um esquema milionário envolvendo negócios com a moeda virtual Kriptacoin. Os investigadores detectaram transações financeiras suspeitas entre contas dos criminosos e pessoas usadas como laranjas. O caso foi revelado pelo Metrópoles em setembro de 2017. De acordo com a Corf, os golpistas abocanharam R$ 250 milhões com o esquema de pirâmide financeira, deixando cerca de 40 mil vítimas.

Além de dinheiro em espécie, durante a operação os policiais apreenderam 16 veículos de luxo, das marcas BMW, Porsche, Mercedes-Benz, Audi e Land Rover. Onze carros foram leiloados, totalizando R$ 3 milhões. O valor será utilizado para ressarcir quem foi lesado no esquema.

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Lamborghini Huracan modelo 2015/2015: vendida por R$ 1,260 milhão
Mercedes-Benz CLA250 4M modelo 2014/2015: vendida por R$ 121 mil
Mercedes-Benz C180FF modelo 2017/2017: vendida por R$ 111 mil
Porsche Panamera modelo 2012/2013: vendido por R$ 210 mil
BMW 528I modelo 2013/2014: sem lances
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Ferrari 458 Itália modelo 2011/2012: vendida por R$ 905 mil

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Lamborghini Huracan modelo 2015/2015: vendida por R$ 1,260 milhão

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Mercedes-Benz CLA250 4M modelo 2014/2015: vendida por R$ 121 mil

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Mercedes-Benz C180FF modelo 2017/2017: vendida por R$ 111 mil

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Porsche Panamera modelo 2012/2013: vendido por R$ 210 mil

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BMW 528I modelo 2013/2014: sem lances

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BMW 118I UA31 modelo 2011/2012: sem lances

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Mini Cooper S modelo 2010/2011: vendido por R$ 32 mil

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Porsche Cayenne V6 modelo 2010/2011: vendido por R$ 91 mil

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Mercedes-Benz C180FF modelo 2017/2017: vendido por R$ 112 mil

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Audi RB 4.2 FSI modelo 2009/2009: vendido por R$ 220 mil

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Porsche Cayenne Turbo modelo 2011/2011: sem lances

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BMW X6 Drive modelo 2008/2009: vendida por R$ 72 mil

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LR Freelander 2S I6 modelo 2007/2007: sem lances

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Range Rover TDV6 Vogue modelo 2013/2014: sem lances

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Fiat Strada Adventures modelo 2015/2016: vendida por R$ 44 mil

Operação Trickster

Um esquema de corrupção bilionário no sistema de bilhetagem eletrônica no extinto Transporte Urbano do Distrito Federal (DFTrans) também acabou descortinado a partir de informações cedidas pelo Coaf: a Operação Trickster.

De acordo com as investigações conduzidas pela Corf, o auditor Pedro Jorge Brasil, lotado desde 2014 na Subsecretaria de Fiscalização, Auditoria e Controle (Sufisa), da Secretaria de Mobilidade, era o líder da organização criminosa. Ele se utilizava do cargo para vincular falsos funcionários ao recebimento de vale-transporte. Outros servidores do DFtrans o ajudavam a alimentar o sistema com as informações. Com um contracheque de quase R$ 19 mil mensais, Pedro Jorge Brasil queria mais. As investigações apontaram o desvio de até R$ 500 mil em apenas uma semana.

Três inquéritos foram instaurados. São investigados os delitos de corrupção, associação criminosa e lavagem de dinheiro – este último ainda está em aberto. Segundo o Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT), dados de um único ofício emitido em 2018, durante a gestão de Rodrigo Rollemberg (PSB), evidenciaram desvio de R$ 58,9 milhões de recursos públicos.

“Paralisação esmagadora”

A procuradora-geral em exercício do MPDFT, Selma Sauerbronn, manifestou-se contra a mudança. De acordo com nota divulgada pelo MP, “haverá paralisação da maioria esmagadora das investigações e processos criminais em tramitação – repise-se, em todo o país –, principalmente os que estejam relacionados aos crimes de lavagem de dinheiro, corrupção e ilícitos contra o sistema tributário, resultando em inegável desmantelamento das linhas investigativas e intumescência do Poder Judiciário”, diz o texto assinado por Sauerbronn.

Após elencar uma série de consequências danosas ao país, a procuradora pediu a imediata reforma da decisão. Para ela, “é de reconhecimento inafastável que a decisão em referência vai na contramão de toda a evolução do moderno processo penal internacional. Contudo, também se constitui em hipótese em que se possibilita ao poder público demonstrar à sociedade que, conquanto existam em seu seio mazelas como as apontadas, também existem órgãos e poderes altivos decididos a expurgá-las”.

Investigações suspensas

Em âmbito nacional, a Polícia Federal decidiu suspender, preventivamente, todas as investigações em andamento que utilizem dados financeiros e bancários compartilhados sem autorização judicial.

A orientação foi entregue aos delegados de todas as superintendências regionais da PF, por meio de uma circular assinada pela Corregedoria-Geral do órgão.

Na prática, investigações que se apoiem em relatórios de inteligência financeira (RIFs) produzidos pelo Coaf vão parar. O procurador da República no Rio de Janeiro Eduardo El Hage, coordenador da Operação Lava Jato no estado, afirmou que a decisão suspenderá “praticamente todas as apurações de lavagem de dinheiro no Brasil”.

Para El Hage, a exigência de decisão judicial para a utilização de relatórios do Coaf “ignora o macrossistema mundial de combate à lavagem de dinheiro e ao financiamento ao terrorismo, além de aumentar o já combalido grau de congestionamento do Judiciário brasileiro”. O procurador considera a decisão do presidente da Corte um “retrocesso sem tamanho” e espera que ela seja revertida pelo plenário.

PGR reage

A procuradora-geral da República, Raquel Dodge, recorreu e pediu esclarecimentos sobre o alcance da decisão e quais processos ficarão paralisados. Ao decidir, Toffoli considerou que o tema – o repasse de informações por parte do Coaf, da Receita Federal e do Banco Central para o Ministério Público e polícias – tem gerado “multiplicação de decisões divergentes” nas instâncias inferiores e que a suspensão de ações “é salutar à segurança jurídica”.

No recurso – um embargo de declaração – Dodge sustenta que a decisão apresenta obscuridades que devem ser sanadas pelo ministro, de forma que possa ser analisada a possibilidade de sua apresentação. No documento, Dodge ainda destaca que a alteração não vai impactar apenas processos relacionados a crimes de corrupção. Ela lista casos emblemáticos que tramitam no STF e poderão ser prejudicados.

Confira:

Caso João de Deus: com base em informação fornecida pelo Coaf de que, logo após divulgadas as primeiras denúncias de abuso sexual, João de Deus havia realizado saques em suas contas no total de R$ 35 milhões, os investigadores puderam demonstrar o iminente risco de fuga do médium e requereram a sua prisão cautelar.

Primeiro Comando da Capital (PPC): segundo o procurador-geral de Justiça de São Paulo, Gianpaolo Smanio, as investigações do PCC serão afetadas. “A gente utiliza dados da circulação bancária de muitos indivíduos para iniciar uma apuração que busque saber se a pessoa está usando dinheiro para lavar recursos do crime organizado”.

Operação La Muralla: em decorrência dessa investigação, deflagrada em 2015 e que também se valeu de RIFs produzidos pelo Coaf, cerca de 100 integrantes da facção criminosa Família do Norte foram condenados pela Justiça Federal do Amazonas.

Por meio de nota, a Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR) reforça o coro e garante que a medida vai atrapalhar investigações sobre delitos graves, como o narcotráfico, financiamento do terrorismo e crimes transfronteiriços.

“Na maior parte desses ilícitos, há expressiva movimentação financeira detectada pelos órgãos de controle. Com a decisão do ministro Dias Toffoli, elas serão interrompidas e perdem eficiência. Ademais, pode sujeitar o Brasil a sanções em âmbito fora do país por descumprimento de compromissos internacionais dos quais o país é signatário”, diz o texto.

Relatórios de inteligência financeira

Segundo dados do Coaf, órgão vinculado ao Ministério da Economia, entre janeiro de 2014 e junho de 2019, disparadamente o maior número de relatórios de inteligência financeira foi produzido em casos que envolvem investigações sobre corrupção: 9,4 mil. Na sequência, aparecem comunicações sobre fraudes (4,5 mil), acompanhadas de tráfico de drogas (4,3 mil) e sonegação fiscal (2,2 mil). Por último, mas ainda assim com quantidade relevante, vêm informações a respeito de facções criminosas (1,5 mil).

No mesmo levantamento, o Coaf aponta que comunicações diretas a órgãos do Judiciário representam 3% dos casos. A esmagadora maioria de trocas de informações foi feita com órgãos de investigação, como as polícias, promotorias, procuradorias e a Controladoria-Geral da União.

O que é o Coaf?

O Coaf é um órgão ligado ao Ministério da Economia responsável por comunicar atividades financeiras que levantam suspeitas sobre lavagem de dinheiro aos órgãos de investigação. Saques e depósitos em espécie a partir de R$ 30 mil são sempre comunicados ao conselho, mesmo que não levantem indícios de crimes.

O órgão ainda identifica tentativas de driblar o valor apto a ser comunicado, como por meio do fracionamento de saques e depósitos.

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