Com câncer, vítima de grupo que fraudou planos deve R$ 2 milhões
Alan Pinheiro Rodrigues precisou ser internado para retirar tumor no cérebro, mas plano de saúde nunca cobriu os custos
atualizado
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Há três anos, Alan Pinheiro Rodrigues recebeu uma notícia que jamais esperava ouvir. Aos 33 anos e pai de duas meninas, o homem precisou se aposentar precocemente do trabalho após descobrir um tumor no cérebro. A grave condição dele levou a família a procurar um plano de saúde. Desesperados, os parentes foram atraídos pelas condições ofertadas por uma corretora de seguros e fecharam o acordo. O que eles não sabiam é que seriam vítimas de um golpe orquestrado por um grupo criminoso interestadual.
Esposa de Alan, Pollyana Ferreira da Costa Rodrigues, 29, afirma que, assim que soube da existência do tumor, a família se mobilizou para encontrar um plano de saúde que coubesse no orçamento e atendesse as demandas do marido. Na ocasião, foram indicados por um amigo a conhecer um representante da empresa que a convenceu da oferta.
“O plano estava ciente da condição de saúde dele. Sabiam que era uma situação delicada e, mesmo assim, ofereceram condições que nos atraíram. Em 2017, precisamos interná-lo na UTI [Unidade de Terapia Intensiva] e vimos que o benefício havia sido cortado. Logo percebemos que se tratava de um golpe”, relata Polllyana.
“Entramos em contato e descobrimos que ele estava no plano empresarial, mas estava afastado do trabalho pelo INSS [Instituto Nacional do Seguro Social] e nunca teve vínculo empregatício com a empresa em questão”, explica.
A mulher conta que o casal tentou reverter a situação e, para isso, recorreu à Justiça. “Conseguimos uma liminar que nos permitiu reativar o benefício, mas o plano nunca arcou com as despesas. Descobrimos que ele havia sido cancelado em janeiro, corremos atrás e disseram que havia sido reativado em março. Em maio, ele internou e depois de um mês fomos descobrir que nos passaram para trás e que nunca chegou, de fato, a ser reativado”, diz.
O prejuízo do golpe foi de R$ 2 milhões e a piora do quadro de saúde de Alan. “Ele chegou a tirar uma parte do tumor, mas houve metástase na medula. Ele está muito ruim e estamos nesse impasse. Não temos como pagar as dívidas, pois só eu trabalho e não temos como interná-lo em um hospital particular”, desespera-se a mulher.
Segundo Pollyana, Alan não tem conseguido atendimento na rede pública de saúde: “Ele chegou a ficar cinco dias internado na UPA [Unidade de Pronto Atendimento] de Ceilândia, mas nunca foi transferido”. Com esses problemas no plano, a família teme pelo pior.
Ele está acamado e, nós, de mãos atadas. Nem chegou a começar a quimioterapia. Temos dois filhos e essa dívida enorme, mas a nossa preocupação maior é com a saúde dele
Pollyana Ferreira da Costa Rodrigues, mulher de paciente com câncer e vítima de golpe
Operação Esculápio
A corretora denunciada por Pollyana está entre os alvos da investigação da Polícia Civil do Distrito Federal e do Ministério Público do DF e Territórios (MPDFT) contra o bando que fraudava planos de saúde. Ao todo, os investigadores bloquearam as contas de cinco corretoras de seguros, três empresas de fachada e quatro empresários. Os valores chegam a cifras milionárias, e o número de vítimas pode ultrapassar mil pessoas.
Veja fotos da operação:
Em outro caso denunciado às autoridades policiais, um idoso afirma possuir dívida de R$ 1 milhão causada pelo calote dado pela empresa. Segundo o relato, a vítima fechou o contrato com a corretora de seguros investigada pela polícia. O homem teve complicações de saúde e precisou ficar internado na UTI de um hospital particular do DF.
A operadora desconfiou do perfil do paciente e, ao fazer uma auditoria no contrato, constatou a fraude e interrompeu o pagamento. A unidade de saúde entrou na Justiça e cobra do paciente a dívida milionária.
“Os investigados ofereciam planos para pessoas que não tinham vínculo empregatício e idosos. Realizavam o cadastro junto às operadoras utilizando dados falsos, como profissão, idade e condição de saúde. Em alguns casos, verificamos que cobraram o dobro do preço. As vítimas só descobriam que se tratava de fraude quando tinham o atendimento recusado no hospital ou ficavam no prejuízo após o cancelamento do contrato por indício de crime”, explicou o promotor de Justiça Paulo Binichesk.
Durante buscas feitas no Rio de Janeiro, policiais encontraram bilhetes (foto abaixo) orientando os funcionários de uma corretora de planos de saúde a trocar os dados dos clientes. A quadrilha é alvo de sete inquéritos policiais instaurados entre 2017 e 2018. Os crimes investigados são: estelionato, uso de documento falso e organização criminosa.
O delegado Bruno Carvalho e Silva, diretor da Divisão de Repressão aos Crimes contra a Propriedade Imaterial (DRCPim), detalha que, durante buscas dessa quarta-feira (27/11/2019), os investigadores recolheram contratos, documentos e arquivos de mídia das empresas.
“Vamos fazer uma análise pericial dos documentos para chegar à conclusão de quais foram fraudados, assim como os valores que foram movimentados pela quadrilha. Cerca de 30 vítimas já prestaram depoimento na delegacia”, ressaltou o policial.
Confira vídeo:
Mandados foram cumpridos no Sudoeste, Riacho Fundo e em Santa Maria. Três empresas jurídicas localizadas no Setor Comercial Sul também se tornaram alvo.
Mortes
Segundo o MPDFT, a organização criminosa fez ao menos 100 vítimas no Distrito Federal. Entre elas, três freiras, que morreram. Sem saber que era alvo de um golpe, o convento onde elas moravam firmou contrato com a quadrilha. Logo depois, as vítimas precisaram de atendimento e descobriram que o documento era fraudado. Uma outra morte ainda é investigada.
A organização é constituída por um núcleo duro, formado por líderes do esquema: dois sócios de uma corretora de planos de saúde. Eles são encarregados de idealizar, esquematizar e montar a estratégia. Também gerenciam as principais ações do núcleo de cooptadores, formado por corretores autônomos e funcionários que atuam com a finalidade de atrair pessoas vulneráveis – idosos, doentes, pessoas sem vínculos empregatício, associativo, sindical, ou seja, pessoas não elegíveis aos planos de saúde coletivos por adesão.
Outro núcleo operacional é formado por três suspeitos, eles têm a função de operacionalizar o esquema no DF e em outros estados, além de adulterar documentos, formalizar parcerias e criar vínculos empregatícios falsos com as empresas utilizadas na fraude.
“Colocavam pessoas como se fossem funcionários de empresas, quando, na verdade, elas não eram. Algumas dessas firmas eram de fachada”, complementou o promotor do caso.
Veja entrevista com promotor Paulo Binichesk:
Dicas
O delegado Bruno Carvalho e Silva alerta a população para evitar golpes como esse. Segundo o policial, é preciso desconfiar de preços praticados fora da média do mercado.
“Desconfie se for muito barato, principalmente. Além disso, é importante ler o contrato por inteiro, incluindo as letras miúdas, antes de assinar. Checar as informações contidas e só fechar o plano após todas essas verificações”, destacou.
O nome da operação – Esculápio – é uma alusão ao deus da medicina e da cura, de acordo com as mitologias grega e romana.