“Clara homofobia”, diz delegado sobre caso de jovem esfaqueado
Preso nega e diz que confusão começou no dia anterior, em Brazlândia, por causa de briga entre cães, mas xingamentos comprometem suspeitos
atualizado
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A Polícia Civil do Distrito Federal (PCDF) deu mais informações sobre o caso do estudante de odontologia Felipe Augusto Correia Milanez, 23 anos (na foto em destaque, mostrando uma das marcas na cabeça). Vítima de homofobia, o jovem foi esfaqueado 17 vezes na Rua do Lago, em Brazlândia, no dia 7 de outubro — as primeiras informações davam conta de que seriam 22 golpes.
Segundo o delegado Anderson Cavichioli, da 18ª Delegacia de Polícia, Gustavo de Sousa Marreiro, 19 anos, preso na última sexta-feira (08/11/2019), em informação antecipada pelo Metrópoles, afirmou ter agredido a vítima, mas negou participar das facadas.
“Gustavo negou que tenha sido homofobia. Ele usou a justificativa de que estava defendendo um amigo das agressões. Mas, na descrição do crime, nos depoimentos e na nossa apuração, ficou claro o crime de homofobia. Durante todo o ato, os agressores fizeram referências à orientação sexual da vítima, gritando: ‘Viado, ele é viado'”, destacou o delegado.
Segundo Cavichioli, o caso é um dos primeiros do Brasil a ser enquadrado como homofobia. No dia 13 de junho, o Supremo Tribunal Federal criminalizou a homofobia e a transfobia como racismo.
No dia anterior ao ataque, houve um desentendimento entre a vítima e os suspeitos. O motivo seria uma briga entre dois cachorros. O amigo da vítima teria afastado um dos cães com a perna, a fim de separar a briga.
“Isso foi suficiente para que o grupo de agressores ficasse alterado. Mas, naquele momento, não aconteceu nada. No dia seguinte, um dos menores, 15 anos, teria iniciado a briga e protagonizado a agressão”, contou o delegado. A polícia não conseguiu ainda identificar o autor do primeiro golpe. Um dos foragidos, Jean Lima da Silva, seria o dono da faca utilizada no crime.
Foragidos
Dois adultos estão foragidos, com mandado de prisão em aberto: Jean Lima da Silva, 20, e Rickelmy Martins Batista de Carvalho, 18. Os outros quatro identificados são menores, entre 15 e 16 anos. A polícia não sabe precisar o número, mas cerca de 14 agressores atacaram Felipe. Eles vão responder por tentativa de homicídio duplamente qualificado, por homofobia e impossibilidade de defesa da vítima. A pena mínima é de 30 anos.
Jean fugiu logo depois do crime. A polícia acredita que os dois foragidos estão fora do DF. Um amigo de Felipe também foi agredido por quatro dos integrantes do grupo.
Veja imagens do suspeito preso e dos foragidos:
A PCDF disponibiliza os seguintes meios para recebimento de denúncias:
- O Disque-Denúncia, pelo telefone 197 – ligação gratuita – 24 horas; e-mail: denuncia197@pcdf.df.gov.br; e WhatsApp (61) 98626-1197
- O Denúncia On-line: http://www.pcdf.df.gov.br/servicos/197
- Não é necessário se identificar. O sigilo é absoluto
Momentos de terror
O caso ocorreu na madrugada de 7 de outubro. O jovem estava em um evento beneficente e saiu do local por volta das 19h30. De lá, foi encontrar as primas em uma festa próximo às margens do Lago Veredinha. Às 2h, Felipe decidiu ir para outro lugar em Brazlândia, na companhia do colega. O amigo estava com um cavalo amarrado no fim da rua. Assim, eles precisaram buscar o animal. “Foi no momento que caminhávamos que chegaram três homens e começaram a me xingar de coisas horríveis”, lembra.
A reação do jovem foi apenas se virar e dizer que não queria confusão. Os três, no entanto, insistiram. “Um deles perguntou se eu sabia com quem eu estava falando. Disse que não e dei as costas mais uma vez. Então, recebi a primeira facada na cabeça”, conta.
A partir daí, uma grande briga se iniciou. O estudante de odontologia revidou com um soco, mas os outros dois agressores o seguraram contra a parede e tentaram sufocá-lo. Felipe caiu no chão e viu cada vez mais homens se aproximando para continuar o ataque. Com apenas uma faca, mais de 15 jovens se revezavam nas perfurações, aos gritos de “menos um viado no mundo”.
Apesar de várias pessoas presenciarem as agressões, ninguém tentou ajudá-lo. A saída que Felipe encontrou foi rastejar para dentro de um veículo que estava com a porta aberta, enquanto recebia pauladas e chutes. “Quando entrei no carro, vi que tinha uma mãe com o bebê dentro. Não achei que seria justo pôr em risco a vida de outras pessoas e saí”, explica.
“Vi a morte”
Ao cair de volta na rua, uma conhecida de Felipe se jogou nas costas dele para fazer com que o espancamento parasse. “Eu ainda não tinha muita dimensão do que estava acontecendo. Só sangrava muito. Ela me levantou, me colocou de volta no mesmo carro e fechou a porta. Fiquei meio preso ao lado da cadeirinha do bebê.”
Um amigo colocou Felipe em um carro e o levou para o Hospital Regional de Brazlândia (HRBraz). Lá, teve que ficar em uma sala escondida, pois os agressores tentaram entrar no hospital “para terminar o serviço”. Felipe não conhecia nenhum dos agressores e atribui o fato exclusivamente ao ódio por alguém que possui orientação sexual diferente. “Nada justifica o que fizeram comigo. É homofobia. Homofobia mata. Eu vi a morte na minha frente”, conta.
Mudanças
Desde que saiu do HRBraz, no dia 15 de outubro, a vida dele precisou mudar completamente. Só sai da residência para visitar uma tia, que fica a 50 metros de distância, e não encontra com mais ninguém. “Eu que estou preso. Além de sofrer com a violência, não posso mais sair de casa e meu medo não me deixa fazer mais nada.”
Quem também sofre é a mãe, Jamile Correia, 49. Desempregada, ela lembra que perdeu a voz quando recebeu a notícia de que o filho estava no hospital. “Não acreditava. Fiquei sem conseguir falar por muito tempo. Quando toquei nele, estava gelado. Estar vivo é um milagre de Deus.”
Com a ajuda do deputado distrital Eduardo Pedrosa (PTC), que pagou as passagens, Felipe se mudará do Distrito Federal. Comovido com a história, o parlamentar levou o caso à Comissão de Direitos Humanos da Câmara Legislativa do Distrito Federal (CLDF), que também proveu amparo à família.