Design não é o que te disseram — mas eu juro que é pra você!
Técnica significa orientar a resolução de um problema pelas pessoas que o vivenciam de alguma forma — em qualquer área de atuação
atualizado
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Outro dia, uma amiga contou em uma roda que, ao mencionar a profissão, logo foi indagada: “Designer de quê? Sobrancelha?”. O que se seguiu foi um gemido coletivo de sofrimento e frustração, já rotina nas conversas sobre trabalho. Toda área profissional tem seus estigmas e no caso do design, eu diria que é esse: somos entendidos como “aquela galera que dá um tapa no visual”.
Talvez isso tenha vindo de uma tradução tácita do termo para o português como “desenho” quando, na verdade, uma troca pela palavra “projeto” faria muito mais sentido. Dá pra exemplificar bem essa diferença aplicando cada um desses sentidos a cake design ou design de sobrancelhas. Não se faz exatamente um projeto para organizar os pelos faciais de uma pessoa, certo?
Bom, essa é a nossa luta diária. Provar que design não é puramente estética se estende desde jurar de pé junto que não temos só aulas de desenho na faculdade a tentar explicar que existem designers (muitos!) que não fazem cartazes, nem arte para mídias sociais, nem o visual de um site. Nem cadeiras famosas. Nem roupas. Sim, isso tudo é design, mas design não é só isso: vários de nós, como eu, só desenham bonecos de palitinho. E tudo bem. Esse não é o ponto central.
Design, na essência, não significa apenas criar um objeto em si (ou outros tipos de produto final), mas pensar em por que e como ele vai existir. Quem precisa dele? Quem o produz? Qual a sua diferença em relação ao que já existe? Quais características técnicas e de mercado o tornam viável? O que ele acrescenta à vida de quem o consome?
Design é o processo criativo e estratégico que usamos para conciliar todas essas questões e assim criar algo que faça sentido para o mundo. Foi assim que ele nasceu, e é isso que está voltando a ser desde que o termo design thinking começou a se espalhar pelo mundo.
Apesar da pronúncia difícil, essa expressão traz um conceito muito simples: usar o processo de design significa orientar a resolução de um problema pelas pessoas que o vivenciam de alguma forma — e qualquer pessoa, em qualquer área de atuação, tem o poder de fazer isso.
Para uma embalagem, por exemplo, isso significa levar em consideração aspectos como a validade do produto dela, o contexto de uso, se será reutilizada, como será disposta no mercado, se precisa conter muitas informações técnicas, proteger durante o transporte, entre outros infinitos.
A grande questão é que, enquanto processo criativo (o que não significa sem prazos ou restrições), o design tem um poder imenso de resolver questões complexas. Como educar crianças respeitando seus interesses e motivações? Como fazer com que governos prestem serviços melhores aos seus cidadãos? Como ter um banco que facilita a vida de seus clientes? Emerge daí o potencial estratégico do design, mostrando respostas para cada uma dessas perguntas e criando inovação onde menos se espera.
Em 2013, a AltSchool nasceu no Vale do Silício com a proposta de atualizar a educação para um modelo condizente com o século 21. Ela é composta por uma rede de micro-escolas que utiliza a tecnologia como uma ferramenta para gerir questões que vão desde a saúde dos seus alunos até a personalização dos planos de aprendizado para cada um deles. Não existe a divisão tradicional por séries, as crianças desenvolvem atividades focadas nos seus objetivos pessoais, e os professores conseguem interagir com cada um deles, cara a cara. Para alcançar a visão de permitir que todas as crianças atinjam seu potencial máximo, a escola desenvolveu seu programa utilizando o design para cocriar uma experiência educacional que potencializa educadores, engaja estudantes, se comunica com os pais e promove a colaboração entre todos esses atores.
No Reino Unido, o governo partiu da mesma premissa para organizar e pensar os serviços que oferece à população. O portal GOV.UK se propõe a ser o melhor lugar para encontrar informações e serviços do governo. Sim, estamos falando de serviços públicos repensados pela ótica do design: criados colaborativamente e focados nos cidadãos. O serviço não só reúne as ofertas de todos os departamentos em um só lugar, como avalia cada um deles por métricas como satisfação do usuário, custo por transação e porcentagem de pessoas que completam um serviço. Não à toa, é uma das maiores referências mundiais em design estratégico e para serviços públicos.
Isso tudo parece muito distante da realidade brasileira? O Nubank, que vem revolucionando a oferta de serviços financeiros ao propor simplicidade e menos taxas, é uma startup nascida aqui no Brasil. Ao pregar transparência e honestidade, fica bastante claro que seu sucesso não se deve apenas ao bom uso da tecnologia, mas em entender que os clientes de bancos muitas vezes querem apenas um tratamento que os respeite. O fundador do banco fez questão criar uma cultura centrada no design e na experiência desde o seu início, o que consagrou o cartão roxinho como o preferido dos brasileiros.
O potencial transformador do design é infinito. É sobre realmente entender as pessoas, testar com pouco esforço e cabeça aberta, aceitar o erro e transformá-lo em aprendizado, e chamar outras pessoas (várias!) para criar juntando vários pontos de vista.
Eu realmente acredito nisso. Fundei o Maparê junto com outros designers exatamente para que essa visão não fique apenas no mundo das startups. Nós trabalhamos para gerar um impacto local significativo por meio da inovação, da criação de relacionamentos e comunidades, e de serviços mais honestos e valiosos para as pessoas. E como entendemos que tudo é serviço, tudo também é possibilidade!
O design estratégico é capaz de criar um diferencial visível de mercado até para os negócios mais tradicionais. A Viva La Quiche!, especializada na delícia francesa de mesmo nome, nasceu com um ideal muito parecido (pasmem!) com a do Nubank: oferecer uma experiência incrível. No caso dela, de alimentação e para os brasilienses. Guiada pelas práticas já mencionadas, pautamos seu serviço por princípios definidos em conjunto com os empresários, equipe de design e potenciais clientes. Seguimos a mentalidade de começar sempre com o mínimo possível, testar e aprender rápido, escutar e criar junto com os clientes da marca.
Na prática, isso significa orientar as decisões da empresa sempre pelos mesmos princípios, nos mais diferentes setores. Optamos por não trabalhar com parceiros de venda porque não conseguimos garantir que a experiência vá ser a mesma oferecida pela marca. Desenvolvemos uma embalagem que encanta os clientes, mas, acima de tudo, garante que a comida chegue sempre organizada e muito quentinha. Os entregadores são constantemente elogiados pelo tratamento “acima da média” que despendem aos clientes. Comunicamos todo e qualquer possível problema de maneira clara e humilde sempre que necessário, informando também o que está sendo feito para saná-lo.
Os resultados são impressionantes, mas nada surpreendentes para quem consistentemente investiu nisso. Com um pouco mais de um ano de vida, a marca tem uma taxa de fidelização altíssima, sustenta a melhor nota no iFood Brasília mesmo com mais de mil avaliações, e se prepara para abrir sua primeira loja física na Asa Sul em julho, expandindo a área de entregas. Conseguimos tudo isso em um dos ramos mais tradicionais possíveis!
Se o design pode fazer tudo isso pelo seu almoço no trabalho, não deveriam restar dúvidas de que ele é para qualquer um, em qualquer lugar. Servidores públicos que querem transformar, negócios que precisam se reinventar, profissionais liberais que buscam se diferenciar… O design é para vocês, todos vocês.
E foi isso que, como curadora, fiz questão de levar para a programação da Campus Party BSB! De mudança na cultura organizacional a criação de experiências incríveis, passando pelo movimento maker e como adotar um processo criativo para desenvolver produtos, vamos estar lá para mostrar o quanto é possível inovar onde quisermos se entendermos o que as pessoas realmente querem. Brasília está começando a ver e experimentar isso. E aposto que quem for à Campus vai sair de lá sabendo que design é muito mais que um rostinho bonito!
Designer e empreendedora, Marcela Moraes é curadora da Campus Party Brasília que acontece de 14 a 18 de junho no Centro de Convenções Ulysses Guimarães. Marcela enxerga no Design uma ferramenta super poderosa para a promoção de impacto positivo! É co-fundadora do Estúdio Maparê, onde trabalha com estratégia de marcas, design de serviços e de negócios, e mobiliza iniciativas sobre questões sociais e de gênero no meio de inovação em Brasília. Gosta de bisbilhotar sobre empreendedorismo, produção cultural, inovação, política e ativismo. Assim, meio misturado mesmo, por onde o coração vai levando.