CGDF pede nulidade de aditivos e obras do Sol Nascente podem parar
Serviços foram contratados em 2014, na gestão de Agnelo Queiroz, e repactuados ao longo do governo de Rodrigo Rollemberg
atualizado
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Após constatar em auditoria diversas irregularidades nos contratos firmados para a realização de obras no Sol Nascente em 2014, na gestão do petista Agnelo Queiroz, a Controladoria-Geral do Distrito Federal (CGDF) pediu a nulidade de aditivos assinados com as empreiteiras durante o governo de Rodrigo Rollemberg (PSB). Como os recursos utilizados são oriundos de financiamento da Caixa Econômica Federal, a medida ameaça a continuidade dos serviços.
Segundo a análise feita pelo órgão de controle do próprio Governo do Distrito Federal (GDF), superfaturamento, má-fé, erros de projeto, entre outros problemas, causaram prejuízo de pelo menos R$ 8 milhões aos cofres públicos. As falhas foram apontadas em relatório divulgado pelo Metrópoles no mês passado.
Novos passos da inspeção, à qual a reportagem teve acesso nessa quarta-feira (04/09/2019), apontaram que, somente no Trecho 1 das obras, a situação é tão séria que torna o contrato “passível de nulidade”, caracterizando situação de grave dano ao erário. Nesse caso, o impacto financeiro pode chegar a R$ 4 milhões.
O principal apontamento é mostra que a empresa responsável pelo projeto original, a Saint-Germain, considerou que o solo da região não necessitava de correções para receber as obras. Porém, a líder do consórcio vencedor da área, a Basevi, afirmou ter encontrado solo mole ou inservível e, por isso, conseguiu uma série de aditivos ao contrato inicial.
De acordo com a auditoria, o contrato inicial referente ao setor foi de R$ 41.573.080,96, firmado com o Consórcio Nascente, que se encontra com 75% das obras executadas. Para o trecho, constatou-se a celebração de oito aditivos, elevando o valor da transação para R$ 58.858.770,62, correspondendo a 41,57%.
Nos documentos, verificou-se pedido de substituição do solo mole e o reforço com pedra rachão. Entretanto, não foi encontrada alegação que embasasse o aditivo. O consórcio argumentou ter “presumido” que o solo era inservível. Análise posterior, no entanto, mostrou que o chão era de boa qualidade. Ou seja, não precisaria de aditivo (veja imagem abaixo).
O mesmo solo mole e considerado inservível em aditivo gerou a necessidade de transporte do material retirado para outros lugares. O projeto da Saint-Germain previa jazida a 12 quilômetros de distância e aterro a 21 quilômetros. Mas os aditivos da Basevi apontaram a escolha de jazidas de cascalho a 39 km e aterro a 30 km (veja trecho do documento abaixo).
A diferença no transporte de material também foi identificada nas obras do Trecho 2 do Sol Nascente.
No Trecho 2, o valor de contrato foi de R$ 79.720.829,99. Durante a execução dos serviços, foram assinados seis termos aditivos (prorrogações, recomposição do consórcio e acréscimos) que elevaram o preço para R$ 98.328.541,25, correspondendo a 24,95%.
A CGDF entendeu que os controles de medição dos serviços de escavação e transporte de materiais não respeitaram o princípio da economicidade. “De acordo com os trabalhos de auditoria desenvolvidos, no órgão gestor das obras do Sol Nascente, trechos 1, 2 e 3, e na Novacap, órgão executor, constatou-se não somente ineficiência e antieconomicidade, mas grave dano ao erário na gestão de materiais de escavação oriundos das obras referidas”, diz trecho da auditoria.
A reportagem entrou em contato com a Secretaria de Obras e a pasta informou que aguarda a defesa das empresas a respeito dos indícios de irregularidades. Destacou ainda que criou comissão para decidir o que fazer. O temor é de que o prejuízo social com a interrupção das obras seja incalculável. A análise também é realizada para saber se é vantajoso fazer novo processo licitatório.
Inspeção
Em 22 de agosto, o Metrópoles mostrou que inspeção da CGDF feita entre 3 de março e 10 de maio deste ano detectou que os problemas nas obras começaram com a assinatura de tratativas referentes à finalização do denominado Projeto Integrado de Regularização, em 2014. Segundo o órgão de controle, houve “erro, deficiência, inobservância dos requisitos legais, superfaturamento nas projeções iniciais e no processo de licitação para as três áreas de construção do Setor Habitacional Sol Nascente”.
A primeira lacuna apontada foi no processo licitatório. De acordo com levantamento da CGDF, houve favorecimento de licitantes vinculados à empresa projetista: a Saint-Germain. Além disso, os três consórcios responsáveis são compostos pelas mesmas companhias: Basevi, Conterc, GW e Etec, sendo a primeira líder em todas as ocasiões.
Com base nos documentos aos quais a CGDF teve acesso, consta como representante legal da Saint-Germain “o espólio do sócio Guy Nobert Basevi”, o que chamou a atenção dos investigadores.
Após a morte de Guy, em 13 de dezembro de 2002, a empresa passou a ser representada pelo filho e inventariante, Christian Bernard Almeida Basevi, diretor superintendente da Basevi a partir de 2003. O vínculo familiar, segundo o relatório da controladoria, viola os princípios da moralidade e isonomia.
Veja:
Como já havia decisão anterior do Tribunal de Contas do DF (TCDF) sobre o assunto, a CGDF considerou a habilitação da Basevi como “irregular de maneira reincidente”. A suspeita é de que tenha havido informação privilegiada em relação às demais concorrentes do certame. Nesse caso, também é pedida a nulidade do contrato.
As falhas, segundo a CGDF, são graves porque poderiam, inclusive, ter dado vitória a outro consórcio. Os três lotes somam R$ 223 milhões. Mas, após o 11º aditivo do Trecho 1, por exemplo, foi possível verificar a necessidade de uma repactuação de contrato, com a redução de R$ 7,9 milhões do valor cobrado.
No Trecho 2, para se manter o desconto inicial ofertado em licitação, teria de ser cortado R$ 1,8 milhão no contrato. No terceiro trecho, a necessidade de glosa seria de R$ 2,5 milhões. Esses valores são expostos pela CGDF com pedido para que a Novacap e a Secretaria de Obras façam revisão nos contratos ainda vigentes. Atualmente, a execução financeira das obras está em 84,48% (Trecho 1), 49,14% (Trecho 2) e 22,26% (Trecho 3).
A reportagem não conseguiu contato com a Saint-Germain e a Basevi pelos telefones disponibilizados no site das respectivas empresas.