Casos de maus-tratos a animais explodem no Distrito Federal
Em setembro, o DF testemunhou diversas violências a animais, como os maus-tratos a uma cadela paraplégica e a morte de animais atropelados
atualizado
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Ao menos um animal é vítima de maus-tratos por dia no Distrito Federal. Em cinco anos, o DF contou 2004 registros de violência aos animais. Os dados são de 2019 a 2023. Em 2024, a Polícia Civil do Distrito Federal (PCDF) informou os dados até 12 de março, com 91 notificações de maus-tratos e crueldade aos animais. O índice está na média de uma violência diária contra os animais.
Nessa explosão de casos de violências contra os animais, setembro não foi diferente. No mês, casos chocantes se somaram às estatísticas. Nessa quarta-feira (18/9), por exemplo, três cavalos foram resgatados por maus-tratos. Os animais estavam presos a uma baia improvisada, sem acesso à água ou alimentação adequada, em meio a grande quantidade de lixo. Três pessoas foram autuadas pelos crimes cometidos.
Na semana anterior, um homem de 25 anos também foi preso por maus-tratos na Feira do Produtor de Ceilândia. Ele abandonou um filhote de cachorro próximo à caixa d’água da cidade. Uma pessoa que passava pelo local testemunhou o crime e gravou o cãozinho abandonado e, ao questionar o suspeito sobre o ato, recebeu uma resposta irônica, com desprezo, além de ser orientada a “pegar o animal” se estivesse incomodada.
Após dar a resposta grosseira, o homem teria ido embora rindo. Poucos minutos depois, o filhote foi encontrado morto, possivelmente atropelado, no mesmo local onde havia sido abandonado.
Na mesma semana, uma cachorra paraplégica que sofria maus-tratos foi resgatada no Sol Nascente. A cadela não tinha acesso a água e alimento, estava presa por uma corrente curta, exposta à terra e brita, e infestada de ectoparasitas.
No local, também foram encontrados 11 galos usados em rinhas. Os animais estavam sem alimentação, sem água e confinados em minúsculas caixas de madeira, expostos ao sol. A tutora dos animais foi presa em flagrante ao retornar ao local, enquanto o marido conseguiu fugir.
Morte
Os cachorros resgatados são levados ao Hospital Veterinário Público de Taguatinga (HVep) para receberem atendimento. No entanto, há casos de sequelas tão fortes que os bichinhos não conseguem sobreviver. Internada por 23 dias, a cadela “Chiquinha” morreu na última semana.
O animal foi resgatado em uma situação de “extrema crueldade”, segundo equipe da Delegacia de Repressão aos Crimes Contra os Animais (DRCA). Quando Chiquinha foi encontrada, ela estava debilitada sem forças para mover o corpo, à exceção dos olhos.
Além disso, a cadela estava infestada de ectoparasitas e apresentava acúmulo de líquidos nas cavidades torácica e abdominal, comprometendo as funções dos pulmões e do coração.
No Entorno, a situação também não foi diferente. Uma cadela grávida foi atropelada em Águas Lindas de Goiás. Imagens de câmera de segurança mostram quando a cachorra foi atingida e ficou presa debaixo da roda traseira do veículo.
As gravações também registraram o momento em que o motorista desce do carro, ignora o choro de dor da cachorrinha e sai do local sem prestar socorro ao animal. O motorista estava com a carteira de habilitação vencida desde 2012.
Dados
De acordo com a PCDF, há um aumento no registro de casos de violência contra os animais, de 2019 a 2023. No primeiro ano dessa série histórica, em 2019, foram registrados 266 casos envolvendo crueldade contra animais, maus-tratos e animais silvestres (matar, perseguir, caçar, apanhar e utilizar animais da fauna local sem a autorização). Em 2020, o número passou para 330.
Em 2021, as ocorrências subiram para 456. EM 2022 e em 2023, os casos passaram das cinco centenas, com 518 e 524 registros respectivamente.
A resolução do Conselho Nacional de Medicina Veterinária aponta que o crime de maus-tratos se refere a qualquer ato que provoque dor ou sofrimento desnecessário aos animais. Já a crueldade precisa que o ato seja intencional e continuado.
Não ficam impunes
Na semana passada, um homem foi condenado a 3 anos e 5 meses por maltratar os cachorros por 13 vezes. O criminoso também está proibido de manter sob sua guarda animais até o cumprimento completo da pena. Ele também deverá cumprir 208 dias-multa com prestação de serviços à comunidade.
Um outro caso foi o de abuso e maus-tratos a uma cadela da raça shih-tzu na Asa Norte. Um homem foi condenado à dois anos por aplicar golpes com galho de árvore e estrangulamento à cachorrinha.
Para a advogada e protetora de animais Ana Paula Vasconcelos, integrante da Comissão de Defesa dos Direitos dos Animais da Ordem dos Advogados do Brasil Seccional do Distrito Federal (OAB-DF), os casos não têm aumentado, mas a sociedade passou a denunciar mais. “Os maus-tratos sempre aconteceram, mas eram subnotificados”, destaca. “Há 15 anos, registrar uma ocorrência era algo totalmente incomum. Hoje, há uma evolução diante disso”, explica.
“Antes, uma pessoa via um cachorro definhando no quintal do vizinho e não denunciava. Isso não ocorre mais assim. A pessoa fotografa, grava um vídeo. Podemos entender que a sociedade evoluiu nesse sentido”.
Ainda assim, a advogada alerta para a falta de políticas públicas para o acolhimento desses animais após os resgates. Ela também ressalta a importância de programas de castração para o controle populacional dos animais.
Em junho, o governador do Distrito Federal, Ibaneis Rocha (MDB), sancionou a lei que reconhece animais não humanos como seres sencientes – que têm sentimentos – e proíbe o tratamento deles como “coisas”.
O texto da Lei nº 7.535/2024 detalha que esses animais fazem jus à tutela jurisdicional, caso tenham os direitos violados, e que a norma visa protegê-los, de modo a fortalecer a defesa deles em casos de crimes como o de maus-tratos, por exemplo.