Buracos, mato e entulho: veja onde treina medalhista olímpico do DF
Medalha prata na marcha atlética, brasiliense Caio Bonfim treina em pista de estádio que reflete a imagem do abandono, em Sobradinho (DF)
atualizado
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A conquista do segundo lugar no pódio da marcha atlética de 20 quilômetros, nos Jogos Olímpicos de 2024, em Paris, colocou os holofotes sobre o brasiliense Caio Bonfim, 33 anos. Morador do Distrito Federal, o atleta teve como palco dos treinos para a competição no mais alto nível da modalidade a pista do Estádio Augustinho Lima, em Sobradinho. No entanto, o espaço considerado patrimônio esportivo por moradores da área reflete a imagem do abandono.
Caio deu os primeiros passos na marcha atlética dentro do Centro de Atletismo de Sobradinho (Caso), por meio de um projeto social fundado nos anos 1990 pelos pais do medalhista olímpico para democratizar o atletismo na região administrativa.
O esportista, atualmente treinado pela mãe, Gianette Bonfim, optou por se preparar para as Olimpíadas na própria cidade-natal para ficar mais perto da família. Contudo, durante os treinamentos, o marchador enfrentou dificuldades para ter um local com condições adequadas à prática esportiva. O Estádio Augustinho Lima, único com pista olímpica na localidade, apresenta péssimas condições de manutenção.
Imagens feitas pela reportagem com uso de drone revelam que o espaço está tomado por mato alto, além de outros problemas estrutura. A pista de atletismo, inclusive, está repleta de buracos, rachaduras e fissuras. Em alguns pontos do estádio, também é possível encontrar cadeiras quebradas, pneus velhos e equipamentos abandonados.
Confira:
Relatos de atletas
Atletas ouvidos pelo Metrópoles contam que o estádio, inaugurado em 1978, não passa por reformas há ao menos 10 anos. As condições da pista ainda preocupam aqueles que praticam atletismo, pelo risco de acidentes nos buracos, capazes até de causar lesões. No período de chuvas, a apreensão aumenta, segundo os relatos.
O estádio é um dos espaços de treinamento dos atletas que participam do Caso. Eles alternam as práticas esportivas diariamente entre o Parque Ecológico dos Jequitibás e as ruas de Sobradinho, bem como no Lago Oeste. Atualmente, as atividades ocorrem pela manhã e à tarde no estádio.
Antes da pandemia, as aulas também aconteciam à noite no espaço. Contudo, após o furto de cabos de energia, os treinos desse turno acabaram cancelados, pois, até hoje, não há iluminação noturna no espaço. Por meio de publicação nas mídias sociais, uma prima de Caio Bonfim mostrou imagens da área e reclamou da falta de estrutura.
“Essa é a condição do Estádio de Sobradinho e da pista de atletismo em que essa galera treina. Ainda assim, três deles estão nos Jogos Olímpicos. Imaginem quantos mais podem ir com [a instalação de] uma estrutura melhor. Invistam em projetos sociais”, escreveu Samela Oliveira.
Em entrevista exclusiva ao Metrópoles pouco depois da conquista da primeira medalha olímpica, Caio comentou sobre o Estádio de Sobradinho, onde treina e que está em condições longe das ideias para a prática de atletismo. Ele relatou que a entrega da reforma da pista para a modalidade ocorreu em 2010. Desde então, o espaço não passou por revitalizações.
“O atletismo é um esporte barato para o praticante, mas, para a construção de uma pista, é muito caro. Então, [competir] não é uma coisa fácil. […] Eu sou de Brasília, represento Brasília, moro em Brasília e só consegui treinar graças ao apoio que a Secretaria de Esporte [e Lazer] me deu. […] Brasília não tem iniciativa privada alguma. Eu não tenho patrocínio […]. Meus patrocinadores são a Bolsa Atleta […], a secretaria e os profissionais que me ajudam […]”, comentou Caio.
Assista:
Legado na marcha atlética
Os resultados das atividades no Centro de Atletismo de Sobradinho se estendem para além do estádio, que atende cerca de 160 atletas da região administrativa e de outras partes do Distrito Federal. Nas Olimpíadas de Paris, três atletas que fazem parte do projeto social se classificaram para representar o Brasil na marcha atlética: Caio Bonfim, Max Batista e Gabriela Muniz.
Para a geração de atletas distritais que se inspiram em Caio, a conquista da medalha de prata pelo marchador foi uma virada de chave na modalidade. “Ela tira a questão do preconceito que existe na marcha atlética, mostra que esse esporte veio para ser valorizado e dá uma visão melhor para o atletismo do Brasil. O Caio é um exemplo em tudo. É impressionante a capacidade que ele tem de motivar e liderar esses atletas”, celebrou Jessimare Ribeiro, professor de atletismo do Caso.
Além disso, quem viu de perto a dedicação e o empenho do atleta para as Olimpíadas tinha convicção de que ele marcharia para o pódio. “Este foi um ano de muita preparação, e os resultados que ele apresentava nas outras provas nos davam a segurança de termos uma medalha. Caio não tem vaidades. Não é à toa que, mesmo diante das condições em que treina, ele faz isso porque tem de praticar. E Sobradinho é o berço dele”, completou o professor.
Repercussão das condições do estádio
À reportagem o secretário de Esporte e Lazer do Distrito Federal (SEL), Renato Junqueira, informou que a pasta tem feito levantamento de custos para revitalizar a pista de atletismo, o sistema de rede elétrica e outros pontos da estrutura do Estádio Augustinho Lima, bem como instalar um novo gramado no local. A previsão é de que as intervenções comecem no próximo mês.
“Temos feito um tratamento para que possamos deixar todos os espaços esportivos aptos a receber competições. Foi assim no Bezerrão, [no Gama]. Desde que chegamos [à chefia da pasta], no ano passado, até o início deste segundo semestre, conseguimos encerrar todas as reformas lá. E iniciamos, em maio [de 2024], um processo para reforma de outros três estádios: o Abadião, [em Ceilândia]; o Rorizão, [em Samambaia]; e o Augustinho Lima”, afirmou o secretário.
O chefe da pasta destacou que, apesar da condições atuais da pista de atletismo em Sobradinho, os atletas do Caso também são assistidos pela SEL por meio do programa Compete Brasília. A iniciativa visa objetivo incentivar a participação de atletas e paratletas de alto rendimento e das mais diversas modalidades em campeonatos nacionais e internacionais, por meio da concessão de transportes aéreo e terrestre.
“Eles têm recebido apoio da Secretaria de Esporte e Lazer desde o início do ciclo de classificação para as Olimpíadas [de Paris], porque sabíamos da relevância [da competição]. Além disso, Caio é o atleta que recebe a maior remuneração do bolsa-atleta do Distrito Federal, um valor próximo a R$ 7 mil”, detalhou Renato Junqueira.
Contudo, o secretário concorda que, devido à visibilidade do atleta, a situação da pista de atletismo em que ele treina acabou por “repercutir”. “É claro que a repercussão do estádio e das condições do Augustinho Lima impacta, pelo fato de ele treinar ali. Mas está na nossa programação esse trabalho de reforma, e a previsão é de iniciarmos em setembro”, reforçou.
“É evidente que nós, enquanto poder público, temos de deixar nossos equipamentos esportivos aptos a se tornarem centros de referência. É o que queremos fazer em todos os centros olímpicos, em todos os ginásios e em nossos estádios [do DF]”, finalizou o secretário.