Brigas de vizinhos em condomínios do DF vão parar na Justiça
Cerca de 4% dos casos de problemas com “morador antissocial” no Distrito Federal terminam com a expulsão dele, estima Sindicondomínio
atualizado
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Moradores do residencial Le Grand Orleans Tower, em Samambaia Sul, estão preocupados com o comportamento de um vizinho de 16 anos. Eles já registraram pelo menos oito queixas no prédio contra o rapaz, entre elas, de ameaças, agressão e pertubação do sossego. Mas, sem conseguirem uma solução amigável, começam a procurar a Justiça para tentar resolver os problemas.
A síndica do condomínio, Patrícia Magna de Araújo, 38, relatou à reportagem o convívio atribulado com o jovem. Os casos, que se arrastam há três anos, já renderam boletins de ocorrência e visitas ao Instituto de Medicina Legal (IML). Segundo ela, as possibilidades de advertências e multas já foram praticamente esgotadas no residencial. Por isso, os vizinhos acreditam que a única solução possível para os comportamentos reincidentes do garoto seja o judicial.
“Quando assumi a administração do prédio, tomei conhecimento sobre brigas que sempre envolviam a mesma pessoa. Não sabia sobre a gravidade da situação, mas, com o passar dos dias, as histórias começaram a aparecer. Além de descumprimento das regras, presenciamos discussões. As câmeras também flagraram, por diversas vezes, o uso de entorpecentes em diversos momentos do dia”, comentou.
Expulsão
Casos como esse não param de crescer no Distrito Federal, segundo o Sindicondomínio-DF. A entidade não tem um balanço de quantos já foram levados à Justiça, mas estima que cerca de 4% das discussões terminem com a expulsão do morador “problemático”.
“O condômino antissocial é um problema para toda a comunidade. Para a pessoa ser classificada assim, ela tem que cometer uma série de irregularidades e perturbar bastante a ordem. Nesses casos, somos completamente favoráveis à expulsão, desde que os fatos sejam comprovados. O comportamento reincidente desrespeita os interesses coletivos”, disse o vice-presidente Financeiro do Sindicondomínio-DF, Carlos Henrique Dutra Cardoso.
Foi o que aconteceu com um morador do Edifício Life Resort e Service, localizado às margens do Lago Paranoá, após ele causar diversos transtornos aos vizinhos. O homem ficou conhecido no prédio por fazer excessivos ruídos no apartamento, estacionar veículo e moto em locais proibidos e utilizar a piscina em desacordo com o estabelecido pelo regimento interno.
Diante dos excessos cometidos pelo morador, a 1ª Vara Cível de Brasília do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios (TJDFT) decidiu, em 2017, acatar o pedido de expulsão dele, que desrespeitava e agredia os vizinhos, além de se apossar de equipamentos de segurança sem autorização do condomínio. Depois de todas as medidas extrajudiciais adotadas, a juíza Natacha Raphaella Monteiro Naves Cocota decretou a sentença.
Agressões, vandalismos e ameaças
O mesmo pode se repetir com o jovem do residencial Le Grand Orleans Tower. O advogado do condomínio, Edimar Vieira de Santana, disse ao Metrópoles que, com base nos fatos, é possível usar diversos princípios do direito que reforçam o cenário e fundamentam um pedido de expulsão. “Temos todos os elementos favoráveis para levar a situação à Justiça. A decisão vai depender do entendimento do juiz, que só é positiva quando há uma percepção de perigo iminente.”
Segundo o defensor, mesmo com a expulsão, o morador não perde o direito à propriedade. Ele só é proibido de conviver no local e pode vender ou alugar o imóvel, mas o problema não acaba ali. “Esse é o tipo de situação que não se resolve. A tendência é só mudar o problema de endereço. É um caso que caminha para uma gravidade maior”, avaliou Santana.
As denúncias dos moradores do condomínio de Samambaia Sul reúnem agressão verbal, física, ameaça de morte e vandalismo, além de outras infrações à convenção e ao regulamento interno do prédio. Uma vizinha da família do jovem, que preferiu não se identificar, classificou a convivência como perigosa e insuportável. Ela e o marido registraram queixa na polícia depois que decidiram intervir em uma briga no apartamento do condômino.
“A mãe gritava por socorro. Nós começamos a temer uma tragédia e fomos até a unidade. Quando percebemos, já estávamos lá dentro. Era uma cena de horror. A casa estava revirada e havia comida espalhada no chão do imóvel inteiro. Logo, saímos dali expulsos, fomos ameaçados e nunca mais nos intrometemos. Esse jovem descumpre todas as regras. A convivência beira o medo”, contou.
A residente disse que tomou outras providências depois do ocorrido. “Trocamos a fechadura da porta e até evitamos sair no mesmo horário que eles para não cruzar em corredores e elevadores. Percebemos que outros adolescentes do prédio temem o convívio com esse morador. Vivemos todos em pânico só esperando, um dia, algo muito ruim acontecer”, acrescentou.
Medo
O subsíndico do Le Grand Orleans Tower, Lucas Martins, 35, é conselheiro tutelar e disse que já interveio na situação . “A polícia e o conselho foram acionados, mas a mãe fica com medo de o filho lhe fazer algum mal. Nós ficamos de mãos atadas. Tentamos aproximação, mas ele sempre tem recaídas e isso não melhora a convivência.”
A unidade do rapaz foi advertida e multada várias vezes, mas, segundo a síndica, a mãe não pagou nenhuma das cobranças. Agora, a administração do prédio está promovendo um abaixo-assinado e pretende aplicar a multa máxima permitida, equivalente a dez mensalidades do condomínio – conforme previsto no artigo 1.337 do Código Civil.
“O próximo passo foge à esfera administrativa e, por isso, nosso advogado deve entrar com a ação judicial para pedir a expulsão.”
Patrícia Magna de Araújo, síndica do condomínio Le Grand Orleans Tower
A mãe do jovem foi procurada pela reportagem, mas, até a publicação do texto, não havia se manifestado sobre o assunto. O espaço continua aberto.
Culto em apartamento
Advogado e palestrante da Associação Brasileira de Síndicos e Síndicos Profissionais (Abrassp), Tarcísio Negreiros atuou em um caso no Edifício Hilton Carvalho, na SQSW 306, no Sudoeste, onde um pastor alugou o apartamento para celebrar cultos religiosos durante a semana. De acordo com Negreiros, ele recebia cerca de 100 a 120 pessoas por evento e fazia muito barulho na vizinhança.
“Os condôminos se reuniram, foram à Delegacia de Polícia e o delegado ‘convidou’ o locatário a desocupar o imóvel em uma semana, evitando assim a conclusão do inquérito policial”, disse. Segundo ele, caso o pastor se recusasse, a situação poderia chegar à Justiça e resultaria na “desocupação imediata do imóvel, além de outras sanções que poderiam ser aplicadas ao proprietário”.
Som alto e xingamentos
A síndica de um condomínio residencial em Ceilândia, Mariana Oliveira Lima, 40, também teve problemas com uma moradora do prédio, mas que foram resolvidos antes mesmo de o caso ir à Justiça. “Era complicado. Uma mulher que recebeu diversas punições e não cumpria. Deixava sujeira nos espaços de uso comum, usava o som alto em horários proibidos e causou diversas intrigas. Até mesmo, chegou a agredir e xingar vizinhos.”
Para melhorar a convivência, a síndica resolveu apostar em eventos para tornar a relação mais civilizada. “Sabia que não seria tarefa fácil, mas resolvi fazer um café da manhã quinzenalmente nas dependências do prédio para as pessoas se conhecerem melhor. Após um certo período, a moradora se mudou e, hoje, o clima no residencial melhorou muito.”
Paulo Roberto Melo, presidente da Abrassp e vice-presidente de Comunicação, Educação, Meio Ambiente e Tecnologia do Sindicondomínio-DF, disse que, hoje, os condomínios têm a prerrogativa de pedir a retirada de um morador taxado como antissocial por atitudes que contrariam o bem-estar dos demais.
“Os síndicos dos residenciais têm o poder de deferir o pedido em assembleia com outros moradores, mas não podem expulsar. Isso só ocorre na esfera judicial. Atualmente, são inúmeros os casos favoráveis depois de esgotadas as possibilidades de avisos, multas e notificações administrativas”, afirmou Melo.
Homicídios
Em setembro de 2017, uma briga entre vizinhos em Samambaia acabou em morte. O crime ocorreu na QI 416, após uma discussão entre dois moradores por WhatsApp. O desentendimento teria começado depois de o autor do assassinato, o policial militar da reserva José Arimatéia Costa, 58, acusar a vítima de cuspir em sua varanda.
Depois do início da discussão na rede social, o PM procurou o vizinho em seu apartamento e, ao encontrá-lo, efetuou os disparos. Após a ação, fugiu do local. A vítima foi identificada como Adilson Santana, 36, analista financeiro. Ele era casado e deixou uma filha.
Em dezembro do mesmo ano, outra confusão entre moradores de um condomínio no Jardim Botânico acabou com duas mortes. Pai e filho se desentenderam por causa de uma lixeira com o vizinho da casa ao lado, identificado como Roney Ramalho Sereno, 43, e foram assassinados a tiros.
Anderson Ferreira de Aguiar, 49, morreu na hora. Atingido na cabeça, o filho dele, Rafael Macedo de Aguiar, 21, chegou a ser socorrido pelo Corpo de Bombeiros, mas morreu ao dar entrada no hospital.
Animais
Em maio deste ano, a 3º Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu dar provimento a recurso especial impetrado por uma moradora do Residencial das Palmeiras, também em Samambaia, para manter seu gato de estimação na residência. Segundo os ministros, o condomínio não pode impedir a permanência de animais domésticos no local.
A enfermeira Liliam Tatiana Ferreira Franco havia entrado com o recurso contra decisão de 2016 do TJDFT, que negou a ela a possibilidade de manter o bicho em seu apartamento.
Segundo a defesa, a decisão violou o direito de propriedade da moradora e divergia do entendimento externado por outros tribunais quando julgaram idêntica questão. A defensoria destacou que é “possível criar a gata de estimação dentro da unidade autônoma do edifício mesmo quando expressamente vedado pela convenção de condomínio, quando não constatada nenhuma interferência ou perturbação na saúde e no sossego dos demais moradores”.
O argumento foi acatado pelo ministro relator, Ricardo Villas Bôas Cueva, que disse não ter sido apresentado nenhum fato concreto de que o animal provoque prejuízos à segurança, higiene, saúde e ao sossego dos vizinhos.
O que diz a lei
As regras para aplicar multas no condômino antissocial:
- Antes de aplicar a multa, é preciso convocar uma assembleia extraordinária e realizar uma votação para confirmar a concordância da maioria quanto à penalização;
- A decisão precisa do voto de 3⁄4 dos condôminos;
- O valor da multa deve ser cinco vezes ou 10 vezes o rateio mensal, com base no art. 1.337 do Código Civil; [veja o Art. 1.137 na íntegra];
- A assembleia e a votação devem se repetir a cada multa. (Fonte: sindiconet)