Bombeiros do DF são suspeitos de apresentar certificados falsos
Faculdade do Paraná que teria emitido os documentos está sendo investigada pela Polícia Civil de São Paulo por supostas fraudes
atualizado
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Pelo menos cinco integrantes do Corpo de Bombeiros Militar do Distrito Federal (CBMDF) são suspeitos de apresentar certificados falsos de pós-graduação à corporação. Tudo para turbinar os contracheques. Ao comprovar estudos, os militares podem receber aumento e ganhar promoção.
A suspeita está sendo investigada pelo Corpo de Bombeiros. Dois capitães e um 1º tenente entregaram à corporação certificados de Auditoria em Organizações do Setor Público; um capitão em Contabilidade Governamental; e outro em Direito Administrativo.
A Faculdade de Administração, Ciências, Educação e Letras (Facel), de Curitiba (PR), foi a instituição escolhida por eles. A entidade é suspeita de integrar um grupo de sete faculdades que vendia diplomas fraudulentos em ao menos cinco estados. Elas foram alvos de uma operação deflagrada pela Polícia Civil de São Paulo no dia 28 de março deste ano.
Ao Metrópoles, o diretor acadêmico da instituição, Márcio Koehler, declarou ter sido procurado pelo CBMDF, mas não soube detalhar quando. Segundo o gestor, o documento apresentado pela corporação não tem origem na Facel, pois não consta nos registros, além de não existir dados acadêmicos do suposto aluno, que não teve o nome divulgado.
A emissão de certificados de pós-graduação é feita após diligência nos documentos. Isso fica registrado em livro próprio, e sempre que requerido, confirmamos a autenticidade. No caso do requerimento do Corpo de Bombeiros do DF, a página e o livro que estavam apontados no certificado não encontraram respaldo no livro de registro
Diretor acadêmico da Facel, Márcio Koehler
Desde 24 de novembro de 2017, uma norma facilita a vida dos oficiais que desejam comprovar especialização. Nesse dia, passou a valer o Decreto nº 38.646, que estabelece a equivalência de diplomas de instituições de ensino superior com o Curso de Aperfeiçoamento para os Quadros de Oficiais Complementares, de Saúde, de Administração e Especialistas. A formação é um dos requisitos para conquistar o cargo de major, subsequente ao de capitão.
A Lei nº 10.486, de 4 de julho de 2002, prevê bonificação de 10% sobre o soldo — remuneração básica — para profissionais com formação; 15% para especialização; 20%, em caso de aperfeiçoamento; e 30% para estudos exigidos de coronéis, e major e tenente-coronel que exercerão funções de gestão estratégica. O adicional de 20%, nos casos de aperfeiçoamento, deve ser aplicado conforme indica a tabela de soldo descrita na lei. Em números, o aumento representa menos de R$ 1 mil.
São esses “penduricalhos” que engordam os salários dos militares. A remuneração dos cinco oficiais citados na reportagem, por exemplo, girou entre R$ 15 mil e R$ 23 mil nos últimos três meses de 2017, de acordo com dados do Portal da Transparência do Distrito Federal.
Um dos capitães foi promovido a major em 20 de abril, dia da publicação do ato no Diário Oficial do Distrito Federal (DODF). O deferimento da equivalência do curso, porém, só foi divulgado cinco dias depois, no boletim geral interno. Segundo documentos aos quais a reportagem teve acesso, o oficial teria apresentado dois certificados de pós-graduação em Contabilidade Governamental: um da Facel e outro da Faculdade Cidade Verde (FCV), de Maringá (PR). O aceito foi o segundo documento.
Em outro caso, um capitão disse ter concluído o curso de Auditoria em Organizações do Setor Público na Facel. O certificado, datado de 16 de fevereiro deste ano, é assinado por Josefa Ambrósio Mourão e por Saulo Gomes Pena, apontados, respectivamente, como secretária-geral e diretor-geral da instituição, respectivamente.
Confira abaixo:
Responsável pela operação deflagrada em março, o delegado-assistente do 22º Distrito Policial de São Miguel Paulista, Moisés Tavares, disse que Josefa e Saulo nunca foram funcionários do Grupo Digamma Educacional, dono da Facel e das outras instituições envolvidas no esquema de certificados falsos.
“Quem assinava os diplomas em nome deles era o pastor José Caitano Neto. Ele é o presidente do Grupo Digamma Educacional, com sede em São Paulo, e o chefe do grupo”, detalhou. Uma testemunha contou aos investigadores que um certificado de administração poderia custar R$ 10 mil. O de veterinária chegava a R$ 70 mil. Um outro de medicina teria sido vendido por R$ 97 mil.
Entidades de ensino de outros estados, chamadas “parceiras”, contratavam a Digamma para certificar os cursos ministrados por meio de uma das faculdades da empresa. Além da Facel, o grupo de José Caitano é proprietário de seis instituições localizadas no Paraná, em Mato Grosso, Espírito Santo, Santa Catarina e Alagoas.
As faculdades existem, mas foram adquiridas em estado de abandono. Em alguns casos, os ex-proprietários não eram pagos. A suspeita é de que José Caitano usava assinaturas e históricos escolares falsos para confeccionar os diplomas em nome das instituições.
O delegado reforça que alguns alunos faziam cursos que eventualmente poderiam funcionar regularmente, mas outros compravam diploma sem sequer ter estudado. Essas pessoas estão sujeitas a responder por uso de documento falso, falsificação de documento público e falsidade ideológica, crimes respectivamente previstos nos artigos 304 (pena de 2 a 6 anos de reclusão), 297 (pena de 2 a 6 anos de reclusão) e 299 (pena de 1 a 5 anos de reclusão) do Código Penal.
José Caitano e os outros seis funcionários foram indiciados por associação criminosa, falsificação de documento público, falsidade ideológica, uso de documento falso, exercício ilegal de profissão e atividade, crime contra relações de consumo e organização criminosa. O inquérito foi remetido à Polícia Federal (PF) por envolver várias unidades do país.
O outro lado
Em nota, o CBMDF informou que abriu uma investigação preliminar. “Havendo indícios de crime, será instaurado inquérito policial militar”, diz trecho da nota. O Corpo de Bombeiros ressaltou, ainda, o interesse na elucidação dos fatos. “Reiteramos nosso compromisso com a verdade, a transparência e o zelo pela boa conduta de seus integrantes”, assinalou a corporação.
Embora tenha sido questionado diversas vezes pelo Metrópoles, o CBMDF, porém, não respondeu quanto ao capitão promovido a major supostamente com um diploma falso nem sobre os outros casos. Também não deu quaisquer outros detalhes referente à investigação.
À polícia, José Caitano disse que os certificados expedidos pelo Grupo Digamma Educacional são gerados a partir de documentação oferecida por vários institutos conveniados ao grupo, os quais prestam os serviços das aulas e comunicam a conclusão do curso para a emissão do diploma, em São Paulo. Segundo ele, um ex-gerente do Grupo Digamma que desviava dinheiro falsificou certificados e os vendeu em seu nome.